Fui roqueiro na adolescência. Sendo mais sincero: fui “farofeiro”, ou seja, curtia mesmo hard rock, com aquelas bandas cheias de cabeludos com roupas esquisitas, um tanto afeminadas. Conhecia tudo, acumulava centenas de CDs, tinha cabelo grande e tocava bateria numa banda. O pacote completo. E entre essas várias bandas de rock “farofa”, o Motley Crue se destacava como uma das mais interessantes.
Não poderia perder, portanto, o filme “The Dirt”, disponível na Netflix. Foi dica do meu amigo de infância, igualmente roqueiro (farofeiro). Conta a história da banda, uma das mais alucinadas num meio dominado por malucos. O consumo de drogas era realmente espantoso. As orgias eram regra. Os caras realmente saíam pela tangente, exageravam, passavam de qualquer limite.
Mas eis o ponto: o que a garotada via como divertido e até fantástico, ocultava uma realidade bem diferente, era só um verniz falso, um manto protetor. Esses astros vendem aos fãs esse sonho de uma vida louca, maravilhosa, repleta de mulheres lindas, diversão, festas iradas. Fama e fortuna, carrões e modelos, poder: tudo isso atrai certo perfil como aquela luz azul atrai moscas – que depois são fritadas.
Tema semelhante já foi tratado por “Rock Star”, com Mark Wahlberg e Jennifer Aniston. Por traz da fantasia que seduz o público há o ser humano de carne e osso, sofrendo com muitas decepções, tentando tampar o buraco do coração com drogas e fama, pagando um alto preço por ter de aparentar aquilo que vende para consumo. As massas querem essa aparência, não o homem real por trás. The show must go on!
O baixista Nikki Sixx, fundador do Motley Crue, merece atenção especial no filme. A típica histórica que estraga tantas famílias mundo afora: o pai idiota e egoísta que engravida a mulher e se manda; a mulher que mergulha em drogas e vários relacionamentos supérfluos e curtos; o filho que cresce vendo a mãe como uma puta drogada e com vários homens diferentes, alguns dos quais violentos.
Broken homes: a dor serve de fagulha criativa para muitos artistas, e a humanidade agradece o bom uso feito por eles desse sofrimento todo. Mas que porcaria de vida! A imensa maioria trocaria num piscar de olhos toda a fama e fortuna por um lar estável, decente, por uma família unida em torno do amor. Muitos riquinhos entediados, que possuem tudo isso, descarregam suas angústias existenciais imaginando como seria incrível trocar de lugar com esses astros do rock. Doce ilusão!
É pura válvula de escape, fetiches que servem para acalentar a imaginação de quem foca apenas na parte boa, ignorando o resto. Querem o bônus sem o ônus. E essa reflexão é particularmente útil na era das redes sociais, do Instagram, em que todos postam o tempo todo como são felizes, frequentam lugares lindos, divertem-se como se não houvesse amanhã. Acreditamos na mentira, sem levar em conta o que se passa nos bastidores dessa gente rica, bonita e famosa.
O caso do cantor Vince Neil é digno de pena também, e confesso que não conhecia sua história. Atenção: com spoiller! Matar um amigo num acidente de carro ao dirigir bêbado pode até ser algo que acontece com “qualquer um”, mas o fato é que foi sua irresponsabilidade que ceifou a vida do colega. E perder uma filhinha para o câncer, isso é demais da conta, fere as leis da natureza, como ele mesmo desabafa.
Entre muita cocaína, bebida e até heroína, a banda se perde e racha, como acontece em vários casos similares. A “família” não aguenta tantos problemas pessoais, disputa de ego, loucuras. Mas é a banda que dá sentido às suas vidas. É a família de fato daqueles famosos desamparados, que normalmente vinham de famílias reais desestruturadas (com raras exceções, como o próprio baterista Tommy Lee). A banda, após breve ruptura, resiste, volta, e segue fazendo shows por duas décadas ininterruptas.
O filme é bom entretenimento, mesmo para quem não curte tanto assim hard rock ou o Motley Crue em especial. Já para quem viveu aqueles anos 80 e 90 ouvindo essas bandas sem parar, como no meu caso, aí se trata de filme imperdível mesmo, pelas lembranças que suscita. E o que seria de nós sem essas memórias?
Rodrigo Constantino