Todos, ou quase todos, comemoraram o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara. Mas poucos, muito poucos, levaram em questão o perigoso precedente que tal decisão, sem tanto respaldo constitucional como gostariam os legalistas, representa. Uma das poucas formadoras de opinião que bateu nessa tecla, priorizando os riscos envolvidos, foi Joice Hasselmann:
Reinaldo Azevedo escreveu um texto um tanto contraditório já na largada. O título diz que ele ficou contente com a decisão, mas que ela não tem amparo constitucional. Claro, dá para entender seu ponto: o afastamento de Cunha em si é algo positivo, mas da forma que foi feito pode abrir um perigoso precedente. O problema é que, para um legalista como Azevedo, a forma faz toda a diferença, e isso não poderia deixá-lo “contente”. Ao desenvolver seu raciocínio, o receio com a decisão fica mais claro do que o título aparenta:
Mas não escrevo pensando apenas em amanhã e depois de amanhã. Não abro mão de um princípio: na democracia, melhor uma solução ruim amparada na Constituição do que uma boa amparada no arbítrio. A boa decisão contra a Carta acabará fatalmente virando um erro; a má decisão a favor da Carta acabará fatalmente sendo um acerto.
Quase todos os ministros que tinham ciência do peso do que estavam votando — o próprio Teori, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello — chamaram a atenção para o caráter excepcional da medida. Tanto é assim, meus caros, que estamos diante de um fato inédito.
Que fique claro: não existe amparo na Constituição para a decisão que foi tomada. O fato de eu estar contente com o afastamento de Cunha não me deixa contente com o horizonte que se abre com essa decisão. Como esquecer? Delcídio do Amaral foi flagrado tentando obstruir a Justiça e a investigação da Lava Jato. Nem importa saber se seu plano era ou não mirabolante e inexequível. De tal sorte foi considerado grave o que fez que teve a prisão decretada pelo Supremo. E, no entanto, conservou o seu mandato. Como suspender o mandato de quem não foi preso?
José Maria e Silva, jornalista de Goiás, foi mais longe, e chamou a decisão de “assassinato da República pelo Judiciário”, alegando que estamos numa “ditadura da toga implantada pelo Supremo”. Para ele, a prisão de Delcídio do Amaral foi o AI-1. Agora, o Supremo deu um salto e baixou o AI-5. Escreve:
Vivemos uma espécie de Ditadura de Toga implantada pelo Supremo. As primeiras críticas que surgem na imprensa são muito tímidas e não dão conta da gravidade do desmando praticado pelo STF – por unanimidade, o que é absurdo. Uma decisão dessas ser unânime espanta mais ainda. Prova aquilo que eu sempre disse: os ministros do Supremo se deixam levar pela vaidade, parecem não compreender a gravidade do cargo que ocupam e não hesitam em tomar decisões irresponsáveis.
Rubem Novaes, economista com doutorado em Chicago, escola pragmática, ressaltou que não há vácuo de poder:
Não há vácuo de poder, nem nunca houve. Diante de Poderes Executivo e Legislativo totalmente desmoralizados e acéfalos algum outro poder necessariamente se levanta. Em nossa experiência histórica sempre foram as Forças Armadas que assumiram este papel “moderador”. Desta vez, estamos trocando uma junta militar por uma junta de juízes. Sinal dos tempos!
Sim, sinal dos tempos: mas que tempos? O que vem pela frente quando todos os políticos da cúpula de poder começam a cair, um a um, e os 11 ministros do STF assumem um papel que não lhes é outorgado pela Carta, cuja defesa é sua principal missão? Jornalistas celebraram o caráter excepcional da medida para salvar a “dignidade” da Câmara, mas é possível fazê-lo ignorando a própria Constituição?
Um leitor, Werly da Gama dos Santos, me enviou uma metáfora pertinente ao caso:
O afastamento de Cunha é como o linchamento de um estuprador, de um pedófilo por pessoas do povo: você fica feliz, mas sabe que aquilo, juridicamente, é errado, pois sabe que um dia pode ser uma pessoa inocente a estar no lugar dele.
Por isso, eu não concordo com a decisão do STF. A Dilma está sofrendo todo um processo, penoso, demorado, angustiante… mas é assim. Na democracia, tem que ser assim! Eu não desejaria vê-la sair sem processo. Nem o Lula ser preso, sem poder se defender.
Quem ficou feliz com a decisão da Suprema Corte, muito provavelmente, não quer ver a Dilma sair do governo, e está tão somente raciocinando com o coração, de forma emocional e não racional.
Se até Jesus, que mesmo sendo julgado “democraticamente” foi injustiçado, imagine aqueles que não tiverem um processo justo, dentro das leis. Por isso, digo:
Fora Cunha; Fora Dilma; Fora Renan; Fora Lula; Fora etc.
Mas todos, sem exceção, devidamente processados e todos com total oportunidade de se defenderem. Vivemos em um Estado Democrático (poder do povo) e de Direito (impérios das leis). E isso deve ser respeitado. Se você não quer viver em uma ditadura, deve pensar da mesma forma.
Em situações normais de temperatura e pressão, não há como discordar. Mas estamos em uma situação normal? E em tempos de guerra, alguns princípios caros aos legalistas não acabam invariavelmente suspensos? São questões extremamente delicadas. Não tenho forte opinião formada, e por isso uso meu espaço para divulgar outro lado, um que acabou quase totalmente abafado em meio à euforia “geral” com o resultado da decisão arbitrária. O equilíbrio entre os poderes é a essência da democracia.
Rodrigo Constantino
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS