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Os investimentos das nações ricas em programas de saúde nos países pobres e em desenvolvimento atingiram quase meio trilhão de dólares desde 1990, mostra o relatório “Financing Global Health 2014”, publicado nesta terça-feira no periódico científico “Jama”, editado pela Associação Médica Americana. Segundo o levantamento, o sexto do tipo realizado pelo Instituto de Métricas de Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês), sediado em Seattle, nos EUA, esta forma de ajuda humanitária internacional já vinha aumentando a partir do fim do século XX, mas experimentou um forte crescimento principalmente depois de 2000, quando a Organização das Nações Unidas estabeleceu as chamadas Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM). O relatório mostra, porém, que nos últimos cinco anos este volume passou por estagnação e queda.

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– Mesmo que o crescimento dos investimentos tenha parado nos últimos anos, está claro que a ajuda em apoio às Metas de Desenvolvimento do Milênio cresceu a uma taxa excepcional na primeira década em que elas estiveram em vigor – comenta Joseph Dieleman, professor do IHME e principal autor do relatório.

Depois de rápido crescimento de 2000 a 2010, investimento em saúde global ficou estagnado e, de 2013 a 2013, teve queda de 1,6%. Em 2014, o volume total foi de US$ 35,9 bilhões. Se o ritmo continuasse o mesmo da primeira década deste século, US$ 38,4 bilhões a mais em ajuda humanitária teriam sido disponibilizados nos últimos quatro anos.

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Como assim, Rodrigo?! Então é bom ter menos ajuda humanitária para esses países pobres? O leitor pode não acreditar, pode até mesmo me considerar um “fascista insensível”, mas o fato lamentável, que não vai desaparecer se for ignorado, é que toda essa ajuda tem servido para pouca coisa, e em alguns casos piorado a situação nesses países miseráveis. Não foram poucos os autores que se debruçaram sobre o assunto e concluíram a mesma coisa. Entre eles, africanos que imploram: chega de ajuda!

Peter Thomas Bauer talvez seja o mais famoso dos economistas a condenar essas ajudas, que acabam sendo a transferência de pobres dos países ricos para ricos dos países pobres. Para Bauer, um sentimento indevido de culpa no Ocidente leva a essa filantropia, para “expiar os pecados”, mas pouco se observa em termos de resultados concretos. A culpa é indevida, diz Bauer, pois a riqueza ocidental não é fruto de exploração, e sim de seus próprios méritos. Ao contrário: o Ocidente levou mais prosperidade para os países pobres.

Ou alguém acha que o Brasil estaria melhor hoje só com índios? Basta comparar Hong Kong, “explorada” pelo Reino Unido, com países mais fechados para ver que a miséria não foi levada pelos “imperialistas”. Culpar o colonialismo pela pobreza do Terceiro Mundo pode ser confortante, mas isso não faz com que seja verdadeiro. Afeganistão, Tibete, Nepal e Libéria não foram colônias ocidentais, e, no entanto, são extremamente pobres. Já a Austrália e Hong Kong foram colônias, e são ricos. Os Estados Unidos foram colônia inglesa, e se transformaram na nação mais próspera do mundo.

As ajudas humanitárias acabam muitas vezes fomentando esquemas corruptos que beneficiam as elites local à custa do povo. De acordo com o estudo citado acima, entre 1990 e 2014 os países ricos, em geral por meio de seus governos ou instituições filantrópicas, liberaram um total de US$ 458 bilhões para projetos de manutenção ou melhoria dos serviços de saúde das nações mais pobres no planeta. A África Subsaariana foi o principal destino, e os Estados Unidos os principais doadores (a esquerda precisa engolir que são os capitalistas “insensíveis” os maiores filantropos do planeta). Mas e os resultados?

É muito dinheiro! Será que seu aproveitamento tem sido realmente efetivo? Por que, então, a miséria continua tão grande? Será que a solução é jogar ainda mais recursos escassos nesse modelo? Essas perguntas deveriam ser feitas com mais frequência. Os artistas gostam de bancar os altruístas, mas isso não tem melhorado tanto a vida dos miseráveis africanos. Até Bono, do U2, já se deu conta que o caminho é outro, e andou defendendo o capitalismo e a globalização como alternativas.

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Escrevi um texto antigo que fala do assunto, e merece ser reproduzido aqui, pois é um grito desesperado de um desses africanos cansados de tanta “ajuda”, assim como a conclusão de um minucioso estudo feito por um economista do próprio Banco Mundial, William Easterly:

No more help, please!

Durante décadas, os países emergentes conviveram com bilhões em empréstimos e doações por parte de instituições como o FMI e o Banco Mundial. Infelizmente, tal ajuda se mostrou completamente ineficaz. As violentas crises não foram evitadas, muito pelo contrário. A causa do insucesso está no fato de que faltavam os incentivos adequados para as necessárias reformas estruturais desses países.

O caso da Zâmbia é típico do padrão ocorrido. As ajudas internacionais chegaram a representar um quarto do PIB do país, enquanto a inflação era de 40% ao ano. Países com três dígitos de inflação recebiam a mesma ajuda que países com um dígito. Não era o critério de sucesso das reformas que condicionava a ajuda. O resultado foi um contundente fracasso. Algo como metade dos programas do FMI trouxeram a inflação para baixo. Uma taxa de sucesso não diferente do lance de uma moeda!

Os casos se repetem. O Banco Mundial e o FMI deram para Costa do Marfim 18 empréstimos entre 1980 e 1994. Ainda assim, o país incorreu em déficit fiscal de 14% do PIB entre 1989 e 1993. Fazer o dever de casa não parecia uma condição necessária para ser ajudado. Não se trata de um caso isolado. O Paquistão recebeu 22 empréstimos entre 1970 e 1997. O déficit permaneceu estável em 7% do PIB durante este período, contrariando o acordo estabelecido. O mais espantoso de tudo talvez seja o fato de que não havia distinção entre países corruptos ou não. Não há como gerar um bom resultado emprestando dinheiro para um governo sabidamente corrupto, e no entanto foram vários os casos, incluindo Libéria, Haiti, Indonésia, Paraguai e Congo.

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A ajuda, aparentemente, é determinada pelos interesses estratégicos dos doadores, não pelas escolhas políticas dos receptores. Isso explica o governo dos Estados Unidos ajudar tanto o Egito, como retribuição pelo acordo de paz de Camp David, ou a França ajudar suas ex-colônias.

Os governos irresponsáveis que recebiam as doações e empréstimos sempre encontravam uma maneira de burlar os acordos travados. Para entregar alguns índices acordados, bastava modificar a forma de tomar emprestado do futuro, jogando a fatura para a frente. Assim, governos cortaram investimentos em infra-estrutura, condenando o potencial futuro, para mostrar melhores números no presente. Ou então garantiam empréstimos subsidiados para estatais deficitárias, adiando a conta a ser paga. Ou ainda, emitiam moeda para cobrir gastos correntes, gerando inflação. O ponto é que não existiam os corretos incentivos para as necessárias reformas de longo prazo.

Por isso o ciclo ajuda das agências internacionais, crise aguda, e nova ajuda, parecia se perpetuar. Doze países receberam 15 ou mais empréstimos do Banco Mundial e FMI durante o período de 1980 a 1994. A mediana do crescimento per capita nesses 12 países nesse período foi zero. As políticas que realmente garantem o crescimento sustentável, como maior abertura econômica e redução significativa dos gastos públicos, simplesmente não estavam presentes. Faltavam os incentivos para tanto.

Os incentivos para os burocratas e economistas que decidem o destino da ajuda são muitas vezes perversos e contrários aos reais interesses da população, tanto do país que empresta como da que recebe. Em primeiro lugar, os departamentos das instituições de ajuda costumam ser divididos por países ou regiões, e o orçamento do grupo é determinado pela magnitude dos recursos doados. Maiores orçamentos estão associados a maior prestígio, e garantem a renovação do alto orçamento no ano seguinte.

Em segundo lugar, muitas vezes o país receptor já é reincidente, com dificuldades para honrar a dívida assumida anteriormente, e deixar o cliente declarar calote seria uma mancha no currículo, um atestado de fracasso. Logo, as instituições acabam renovando os empréstimos apenas para que os antigos sejam pagos. Do lado receptor, mais miséria significa mais ajuda. Os pobres tornam-se reféns da lógica dos acordos. Enfim, é burocrata de um lado, burocrata do outro, e no meio ficam os explorados, tanto os pagadores de impostos que sustentam as agências de ajuda como o povo das nações pobres, vítimas do abuso estatal. São os pobres dos países ricos, ajudando os ricos dos países pobres.

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Como o economista queniano James Shikwati chegou a declarar, “a África necessita é de uma chance para ser capaz de administrar e comercializar as próprias riquezas”. O economista pede o fim das ajudas internacionais. Na década de 80, a África Subsaariana recebeu 83 bilhões de dólares em auxílio. No mesmo período, o padrão de vida na região caiu 1,2% ao ano. Shikwati conclui: “A doação só tornou os países africanos mais dependentes de ajuda”. E como solução, o economista diz que “o caminho para o desenvolvimento é ter acesso livre a outros mercados e conseguir investimentos externos”.

Exatamente. Os países pobres precisam aprender a viver sem as esmolas, e a população terá que pressionar seus governos pelas reformas estruturais. Caso contrário, a condição de babá e bebê irresponsável irá durar ad infinitum. Novas crises virão, fruto da irresponsabilidade dos governos gastadores dos países pobres. E mais ajuda será preciso. Não, obrigado. Queremos reformas verdadeiras, que reduzam a intervenção e o tamanho do Estado na economia. Dispensamos as esmolas dos ricos. No more help, please!

Uma sensibilidade mal calibrada, sem o devido conhecimento econômico, pode levar a essa defesa de um mecanismo que não tem funcionado bem. Oportunismo também explica parte do problema: há uma verdadeira indústria de “filantropia” que se alimenta da miséria desses países, enchendo o bolso de seus funcionários. Não podemos ser vítimas do monopólio da virtude, como se apenas quem defende mais verbas públicas defendesse os pobres. Não! O debate deve ser sobre qual a melhor forma de ajudá-los. A atual tem sido cara demais, para resultados medíocres, na melhor das hipóteses.

Estou lendo um ótimo livro, The Beautiful Tree, de James Tooley. O autor foi para o Zimbábue ajudar o ditador Robert Mugabe a implantar o socialismo, e acabou decepcionado com o foco nas elites no poder. Depois foi parar na Índia para estudos sobre educação, e descobriu que os pobres das favelas pagavam para estudar em escolas privadas, pois detestavam as públicas. Tratava-se de um negócio, ainda que com ares de filantropia, devido ao baixo custo e empenho dos donos, incluindo fim de semana. Mas era um negócio lucrativo ainda assim.

O autor ficou chocado com a descoberta, ignorada por seus pares. Ninguém queria saber de solução pelo livre mercado, pois isso ia contra seus próprios interesses ou ideologia: pregar mais verbas estatais humanitárias para financiar a “educação” governamental nos países pobres. Não estava dando certo, e a solução saltava diante dos olhos de todos, voluntariamente cegos. Há muitos interesses em jogo na indústria da filantropia, e poucos querem saber de alternativas pelo mercado. Mas ignorar esse caminho é fechar os olhos para os pobres que se pretende ajudar. É perpetuar a pobreza para alimentar a eterna ajuda humanitária contra a pobreza, num círculo vicioso.

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Os ricos ocidentais podem dormir tranquilos, com paz de consciência, pois defenderam mais ajuda humanitária, tirando via impostos dos mais pobres de seus países. Mas isso não tem ajudado tanto assim os mais pobres dos países pobres, e sim seus líderes corruptos. Os miseráveis não devem ser mascotes da elite culpada, tampouco a miséria deveria ser um negócio. Infelizmente, ela é exatamente isso: algumas pessoas vivem da miséria alheia. Como dizia Nelson Rodrigues sobre Dom Hélder Câmara, ele precisava da fome nordestina mais que tudo, pois era seu “ganha pão”. Isso é simplesmente imoral.

Talvez seja o caso de mudarmos o disco, de defendermos outro caminho. Chega de ajuda!

Rodrigo Constantino