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O leitor pode imaginar que livraria é um destino preferido meu desde jovem. Lembro de sempre ver livrinhos do Osho perto do caixa, em destaque nas estantes. Nada conhecia dele, confesso, mas sempre pensei, por um preconceito assumido: “Isso deve ser um embusteiro de primeira! Esses gurus indianos que encantam a elite ocidental entediada, carente, vazia de sentido e propósito, jamais me enganaram”.

E quão certo eu estava! Vi este fim de semana o excelente documentário “Wild Wild Country”, da Netflix, sobre Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho, e seus discípulos fanáticos, com ênfase na época em que montaram enorme rancho numa minúscula cidadezinha de Oregon, nos Estados Unidos.

O documentário tentou ser imparcial, mostrar os dois lados da história, mas a conclusão é inegável: como tem gente idiota, desesperada, carente ao ponto do desespero neste mundo! E para tal insaciável demanda, sempre haverá oferta. Embusteiros nunca vão passar fome nesse mundo. Em Esquerda Caviar, antes de saber qualquer coisa sobre Osho, escrevi:

Não podemos excluir ainda o puro tédio como imã para a esquerda caviar. Vivendo vidas seguras e confortáveis, fúteis e vazias, a fina flor da esquerda abraça ideias revolucionárias ou exóticas apenas para afastar de si a angústia de suas existências. A sociedade da abundância ajuda a parir os radicais chiques. São os “senhorzinhos satisfeitos” de que falava Ortega y Gasset.

Normalmente incapazes de se enquadrar ao sistema, por considerarem aquelas pessoas de classe média “felizes” com suas distrações burguesas, tais como novelas e futebol, um bando de alienados, esses membros da elite entediada partem para aventuras mais radicais. Eles precisam “cair fora” (drop out) da sociedade, buscar alternativas que ofereçam um novo sentido a suas vidas.

O esoterismo encanta essas pessoas, sempre em busca do último modismo antiocidental. Ioga, feng shui, florais de Bach, xamanismo, ervas milagrosas, dieta “detox”, tudo prato cheio para as madames entediadas. São as “socialites socialistas”, muitas vezes esposas ou filhas de ricaços, que compram seu passe no mundo intelectual por meio de filantropia às causas esquerdistas ou exóticas.

Um anúncio que vi em uma revista parece feito sob medida para essas senhoras. O título era “Para sua proteção” e divulgava joias a partir de R$ 480, de ouro ou prata, “benzidas” por uma estudiosa da cabala e banhadas em água salgada. Os colares e pulseiras eram, portanto, “espiritualizados”. O local da loja? Leblon, claro!

G.K. Chesterton tinha um ponto quando disse que o problema não era deixar de acreditar em Deus, mas sim passar a acreditar em qualquer bobagem. A lista é grande, e os embusteiros fazem a festa. “Não tenho religião, mas sou uma pessoa espiritualizada”. Essa frase define a era moderna…

O tédio desperta o encanto pelo desconhecido. É assim que a Índia vira símbolo de “vida espiritual” na imaginação dessas senhoras entediadas com seu conforto ocidental, ignorando que há regime de castas por lá, muita miséria, violência, machismo, sujeira, tudo isso junto com o maior consumo de ouro do planeta.

Mas vamos pular essa parte e ficar apenas com o idealismo do líder espiritual indiano. Afinal, essas senhoras costumam ser “espiritualizadas”, ou então abraçar religiões mais novas do que seus filhos. Elas “amam” o desprendimento tibetano, consideram Dalai Lama uma espécie de guru, acreditam na homeopatia e em tratamentos naturais, mas não abrem mão do conforto urbano, do cinema moderno, de seus carros luxuosos, e correm para a farmácia e para bons médicos ocidentais quando a coisa realmente aperta.

E o tédio levou muita gente aos pés de Bhagwan, uma multidão de desesperados chorando de emoção por ter encontrado a Luz, o Deus, seu guru cuja sabedoria era plena, onisciente, completa. A imensa maioria sequer deve ter lido seus livros: não era necessário. O guru estava ali, no papel destacado, com olhar sereno, fala mansa e lançando o sinal de “namastê” para a legião de almas desamparadas. Era o suficiente para se criar uma seita fanática.

Minto: era quase o suficiente. Faltava um quesito importante: a mensagem essencial de sua “filosofia”, que era a senha para a libertinagem sexual que estava na moda desde os anos 1960. Foi justamente o que fez um Contardo Calligaris, ao analisar o documentário, enaltecer a “religião” criada pelo charlatão: a única que não mandava reprimir os instintos sexuais selvagens.

O “liberar geral” era e é música para os ouvidos daqueles que nunca entenderam os alertas de Freud em Mal-estar na Cultura. Criar freios para nossos apetites é civilizar o homem; mandar fazer o que der na telha, ou seguir o comando da genitália, é tornar o homem uma besta. Aquela turma de ripongas queria um guru para oferecer seu consentimento ao bacanal, que passava a ganhar ares sagrados, não mais profanos.

“The Hollywood crowd”, como eram chamados os ricaços encabeçados pela esposa do produtor de “O poderoso chefão” que foram bajular o guru indiano, representava melhor do que qualquer outro grupo a tal elite libertina entediada, em busca de qualquer esoterismo embusteiro. Até hoje Hollywood e Projaquistão fornecem ícones inesgotáveis desse fenômeno.

O que aquelas pessoas chamavam de “liberdade” era todo mundo usar a mesma roupa, seguir o mesmo líder, adotar o mesmo comportamento durante as “sessões de terapia”, fazer tudo igual. A utopia que seduziu tanta gente crédula foi se mostrando um presídio, um regime ditatorial. Cada um tinha direito a duas cervejas por dia: e chamavam a isso de liberdade!

Ma Anand Sheela é a principal personagem do documentário. Braço-direito de Osho, é uma espécie de José Dirceu para o Lula, que “não sabia” de nada do que acontecia (tem muita gente que ainda tenta preservar o guru dos crimes praticados por sua seita). Olhar vidrado de louca, ambiciosa ao extremo, foi mordida pela mosca azul do poder. Ajudou a construir uma teocracia bem no meio do nada, em Oregon.

E os libertinos ainda reclamam da reação dos moradores locais, “caretas”, cristãos “preconceituosos”. Imagine você vivendo num rancho tranquilo, aposentado, super família, e que de repente é invadido por vizinhos malucos, idiotas, arrogantes e autoritários. Aceitaria na boa, em nome da “tolerância”? Sei…

Análogo ao que vemos hoje em muitas seitas ideológicas à esquerda, Sheela racionalizava seus métodos insanos e criminosos com a desculpa de que era para proteger a “linda” comunidade, era um mecanismo de defesa contra os “fascistas”, que são sempre os outros. Aliás, quando Osho teve que expor Sheela para salvar sua seita, também a acusou de… fascista, além de “vagabunda”. A calma espiritual do guru foi pro espaço quando ele foi “traído”.

Quando um jornalista perguntou para Sheela sobre o clima fervendo na região, ela respondeu algo assim: “O que é uma pessoa se queimar aqui ou ali perto de um projeto desses?” Eis aí toda mentalidade totalitária exposta: os “nobres” fins justificam quaisquer meios, por mais nefastos que sejam. E como eram nefastos!

A seita de Osho envenenou deliberadamente centenas de pessoas na cidade, trouxe milhares de sem-tetos só para ter mais eleitores e conquistar o poder (quando conseguiu, a democracia era linda, quando perderam, a democracia era “fascista”), e quando isso não era mais necessário e eles começaram a criar problemas, Sheela mandou dopa-los e os largou no meio das ruas. Pense em algo desumano!

Outro aspecto interessante é a razão pela escolha da América como destino: os líderes da seita sabiam que a Constituição de uma nação livre os protegeria até o limite, ao contrário de outros países. Ou seja, usaram o sistema para se blindar, como fazem hoje seitas islâmicas no Ocidente. Sempre alegando o status de “minoria” e bancando a vítima, a seita usou e abusou das leis americanas para seguir com seu projeto insano e utópico.

Chegamos a sentir pena de muitos que embarcaram nessa viagem. A condição humana não é fácil, e sempre haverá exploradores inescrupulosos para abusar disso. Em The True Believer, Eric Hoffer explica bem o fenômeno. Escrevi uma resenha do livro, publicado em 1951, em que resumo:

E o que levaria tanta gente a aderir a tais movimentos? Para Hoffer, um dos principais motivos é a angústia que a autonomia traz para o indivíduo. Temos uma tendência de culpar forças exógenas pelos nossos fracassos, e as pessoas frustradas com suas vidas acabam desenvolvendo um fervor por mudanças radicais. O sentimento profundo de insegurança em relação ao presente faz com que essas pessoas abracem alguma boia de salvação que prometa um futuro melhor. Os movimentos de massa oferecem a sensação de um poder irresistível do grupo monolítico de moldar esse futuro maravilhoso.

A liberdade de escolha deposita no próprio indivíduo o peso de seus fracassos. Quanto maior forem as alternativas de escolha, mais espaço há para frustrações. Para Hoffer, muitos se unem aos movimentos de massa para escapar da responsabilidade individual. Como disse um jovem ardente defensor do nazismo, a meta era ficar “livre da liberdade”. Movimentos de massa fornecem aos fanáticos uma forma de dissipar sua individualidade até o ponto de anulá-la por completo. O fanático se transforma em uma massa amorfa igual a todos os demais membros da seita, disfarçando então seu complexo de inferioridade.

[…]

O ser humano em geral clama pela sensação de pertencimento a algum grupo maior. Suas frustrações alimentam ainda mais o desejo de sumir em meio a uma massa uniforme. O tédio diante da vida, a falta de sentido na existência, tudo isso joga mais lenha na fogueira, empurrando o indivíduo na direção da massa. Um movimento de massa representa o pacote completo que exime o sujeito da responsabilidade de desejar e arriscar por conta própria.

A submissão ameniza o fardo de sua autonomia. Seu fanatismo retira a necessidade de pensar e questionar por conta própria. A “certeza absoluta” da doutrina infalível fornecida pelo movimento conforta a angústia da hesitação. A aventura revolucionária estimula e reduz o tédio de sua vida vazia. A causa fanática alivia seu sentimento de culpa. O futuro fantástico lhe dá forças para enfrentar o presente medonho, um fardo temporário, um vale de lágrimas e sofrimento até o oásis por vir. O ideal glorioso e indestrutível oferece a força que lhe falta como indivíduo, a eternidade que acalenta sua inexorável mortalidade e aniquilação.

Dois entrevistados mostram o grau de alienação da seita. Um foi o advogado que abandonou sua carreira para viver perto de Osho, “um ser humano maravilhoso, lindo”. Não era um jovem idealista, pois já tinha seus 40 anos. Hoje, setentão, ainda chora de emoção ao lembrar daqueles tempos utópicos, e tenta proteger seu guru daquilo que sua seita fez. Está escrevendo um livro sobre a história.

A outra, uma mulher também de meia-idade, num casamento infeliz, levou até filhos para viver na comunidade, e se aproximou tanto de Sheela a ponto de aceitar matar inocentes em prol da causa. Foi presa, e graças ao tempo atrás das grades e vendo seu filho doente, disse que “o feitiço se quebrou”. Conseguiu se libertar, ao contrário do advogado, mas a que custo!

Ainda tem muita gente que tenta separar os ensinamentos de Osho da seita criada em Oregon, mas dá mesmo para fazer tal distinção? Que tipo de “líder espiritual” aceitaria aquilo tudo? Ele não sabia de nada? Sério?! Então era ainda mais idiota do que seus seguidores! Entendo quem investiu tempo e emoção durante uma fase da vida, lendo seus livros, querer proteger o “pensador” da prática realizada em seu nome, mas não acho isso viável, aceitável.

Raphaella Avena, uma leitora minha, tocou na ferida numa postagem em que brinquei que OSHO quer dizer Organização dos Socialistas Hipócritas e Otários, o que gerou muita reação de seus defensores atuais:

Questionem sempre o “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Saber é fazer. Quem sabe, faz. Então quem não faz, não sabe. E quem não sabe não merece professar. Julguemos uma árvore por seus frutos, como dizia o rabi, no evangelho. Mas nem é o caso do Osho… Porque nem havia tanta disparidade entre o que ele dizia e fazia. Ele era um grande sedutor, mesmo. O discurso dele era fácil, e atraía uma galerinha bem medíocre, que quer as coisas fáceis. Um dos significados da palavra “guru” é “pesado”. Seus ensinamentos são pesados. Amargo no começo, doces no fim, quando conseguimos colocar em prática. Negar os impulsos egoístas nunca é fácil. Crescer, amadurecer, abandonar os caminhos mais infantis – nunca é fácil. O Osho era um cara que curtia muito atenção, poder, grana e sexo – as aspirações do homem mundano. O que se destacava nele era carisma, magnetismo, capacidade de sedução e principalmente muita inteligência. Uma combinação perigosa. Discípulos diretos dele, fanáticos, assim como pessoas que abandonaram esse caminho por nele agravarem os traumas que procuraram curar com suas meditações dinâmicas, com hiperventilações e gritos. Estas catarses emocionais abrem seu psiquismo pra lavagens cerebrais – mesmo método empregado por igrejas neopentecostais brasileiras. Sempre duvide de líderes que visam apelar muito para seu emocional… 

De fato, as cenas do documentário são chocantes e patéticas. É lamentável ver o poder da sugestão, a influência de um “guru” que pouco diz e fica balançando as mãos, levando idiotas às lágrimas de emoção. O que faz um ser humano descer tão baixo assim, abandonando sua faculdade racional desse jeito? Um outro leitor comentou:

O próprio documentário da seita Osho nos passa muito bem a ideia de que os bêbados, mendigos e sem-tetos se encontram nessa situação por sua própria miséria moral. Levaram essa galera pro rancho e não aguentaram esses coitadinhos por muito tempo, o caos foi instalado. A turma ocidental, carente e vazia não aguentou essa turma escanteada pela sociedade. Aquele senhor que foi o advogado da seita, só dá pra enxergar maluquice nele, demonstra ter sido um grande mané, mal amado, até certo ponto puro, mas de uma pureza perigosa.

Outro leitor ironizou: “O guru dos 250 Rolls Royce ensinando que a verdadeira felicidade é espiritual. Uma lógica brilhante assim é bem estilo esquerda”. O sujeito ganhava presentes como joias e relógios milionários por uma elite culpada tentando expiar seus pecados, e todos se sentiam “espiritualizados” dessa forma. É assustador o poder de sedução dessas seitas malucas e utópicas. É sempre chocante lembrar de como há gente disposta a se anular como indivíduo racional em prol de um “guru” charlatão. Os petistas que o digam…

Rodrigo Constantino

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