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João Pereira Coutinho escreveu um texto importante hoje, sobre a crise do conservadorismo com base em reportagem da The Economist sobre o assunto. O colunista explica as diferenças básicas entre o conservadorismo tradicional e essa “nova direita”, lembrando quais características normalmente formavam um conservador típico:

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Explica a Economist: o conservadorismo tende a ser pragmático, desconfiado das grandes mudanças, antiutópico e avesso a líderes carismáticos ou a cultos de personalidade. A “nova direita”, pelo contrário, é fortemente ideológica; apresenta uma vocação revolucionária mais própria de jacobinos ou bolcheviques; e segue o primeiro messias que aparece na paisagem, indiferente a questões de civilidade ou caráter.

Impossível discordar. Quando falamos em conservadorismo, ao menos o tradicional, o de “boa estirpe”, pensamos em Burke, em Chesterton, em Oakshott, em Scruton. Não pensamos em Steve Bannon, certamente, e não imaginamos Trump como ícone dessa postura conservadora. Quais as causas dessa crise, então?

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Em primeiro lugar, o declínio do conservadorismo tradicional acompanhou o declínio dos “pequenos pelotões” de que falava Edmund Burke, como a religião ou a família. Em segundo lugar, a crise financeira de 2008 e as aventuras militares no Afeganistão e no Iraque foram o descrédito dos velhos partidos de direita, acusados de cupidez ou irresponsabilidade. Para a
revista, a crise do conservadorismo será longa.

Para Coutinho, a revista britânica acerta no diagnóstico, e alega que a “nova direita” foi tomada de assalto pela mais antiga metástase do conservadorismo: o espírito reacionário. Traduzindo: “uma mentalidade radical, muito semelhante à mentalidade revolucionária, e que pretende recusar o presente na sua totalidade (um presente que se percepciona como inapelavelmente corrupto) para construir uma nova ordem política, social ou moral purificada”.

Não seria novidade. A revista cita a reação ao jacobinismo francês, que não foi apenas a crítica liberal de Burke, mas o radicalismo de Joseph de Maistre. Coutinho, porém, acrescenta que não é apenas o conservadorismo que está em crise, mas também o liberalismo progressista:

A “nova esquerda”, em gesto tão revolucionário como os revolucionários da “nova direita”, abandonou os seus eleitores e os seus princípios —e tornou-se individualista, narcísica, capturada pelos dramas minoritários (e, por isso, eleitoralmente irrelevantes) da “identidade”.

Coutinho menciona Mark Lilla, que escreveu dois excelentes livros, um para falar da crise da direita que sucumbiu ao reacionarismo (“A mente naufragada”) e outro para falar da crise da esquerda que sucumbiu às políticas identitárias (“O progressista de ontem e o do amanhã”). Li ambos e recomendo. O egocentrismo tribalista tem afetado o lado “liberal”. Coutinho conclui oferecendo a receita para a doença ideológica:

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Vivemos uma era de extremos —e, mais importante, uma era em que os extremos se alimentam mutuamente. Isso significa que as crises do conservadorismo e do liberalismo só podem ser ultrapassadas quando as respetivas ideologias regressarem ao seu elemento normal, saudável, racional.

Para os conservadores, isso significa a recusa do utopismo reacionário e a revalorização do realismo e do ceticismo políticos. Para os progressistas, a recusa do tribalismo identitário e o retorno à base social de apoio que a “nova esquerda” desertou.

Ironia: as duas ideologias que nasceram com a modernidade precisam uma da outra para sobreviver.

Concordo com tudo, mas acrescento o fator tecnológico a essa análise. Na era das redes sociais, esse tribalismo se recrudesceu, e o barulho de minorias organizadas e radicais intimida a maioria moderada.

Há outro ponto ainda: boa parte desse reacionarismo tribal da “nova direita” vem como reação aos excessos “liberais”. Os “progressistas” se fecharam em bolhas e perderam o elo com o povo, avançando com uma agenda cultural bizarra. A classe média reage. E como estamos na era das redes sociais, as chances de vitória para derrotar esse esquerdismo são maiores nas figuras excêntricas e radicais.

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Ou seja, Mitt Romney seria um conservador mais tradicional do que Trump, mas este era o único capaz de vencer os democratas. O utilitarismo fez com que muitos conservadores engolissem o histriônico bilionário, apesar de outros tantos terem mergulhado no movimento “Never Trump”. A divisão era inevitável.

O grande dilema dos conservadores é como agir nesse racha da direita, se apoia ou não essa “alt-right” nacionalista, messiânica, reacionária, em prol da vitória sobre adversário ainda pior: a esquerda radical. E os mais moderados à esquerda vivem dilema semelhante: fazem vista grossa ao crescente radicalismo tribal de seus pares para ter chance de derrotar os nacionalistas autoritários?

No meio dessa guerra tribal, aqueles que tentam preservar algum bom senso e a capacidade de diálogo entre as partes acaba acusado de “isentão”, de “fascista” por um lado e de “comunista” pelo outro. Mas uma coisa parece certa: se a única forma de derrotar o esquerdismo for o reacionarismo tribal, então o conservadorismo legítimo já perdeu.

Rodrigo Constantino