João Doria só pensa naquilo, por mais que negue. Está de olho no cargo ocupado hoje por Jair Bolsonaro. Daí seu tático afastamento do bolsonarismo, tecendo com mais liberdade – e firmeza – críticas ao atual presidente.
O governador disse que não colocaria um filho em cargo político algum, mostrou-se mais pragmático na geopolítica, em especial no trato com parceiros comerciais importantes como China e Argentina, rejeitou postura mais ideológica na questão ambiental e, por fim, recebeu de braços abertos o novo desafeto de Bolsonaro, Alexandre Frota, sinalizando que outros dissidentes do PSL poderão ingressar no “novo” PSDB.
Mas tudo isso gerou reações dentro do próprio partido, até porque ano que vem temos eleições municipais, e o bolsonarismo ainda é uma força política relevante. Muitos acharam que Doria passou alguns decibéis do tom recomendado e foi precoce demais nos ataques. Os caciques tucanos, portanto, demonstraram força ao rejeitar por 30 votos a 4 um pedido de expulsão de Aécio Neves. O recado não poderia ser mais claro e direto: Doria não comanda a máquina partidária, e precisa colocar suas pretensões de voo solo em banho-maria.
O governador, ciente do duro golpe que esse resultado representa para seu projeto, disse que o PSDB escolheu o lado errado, e outro correligionário foi mais enfático: Aécio “fodeu” com a gente, desabafou. “Passaram a mão na cabeça de um criminoso”, acrescentou. Mas o problema é que o ex-senador não foi condenado ainda, e pelo mesmo critério objetivo, outras cabeças deveriam rolar, como a de Beto Richa.
O impasse estava dado e a situação é delicada. Mas o principal é mesmo a mancha na imagem que Doria tenta dar ao “novo PSDB”. Em política é a percepção que mais conta, e fica a percepção de fraqueza de Doria dentro do partido e também a noção de que falta rigor ético. Essa é uma bandeira importante no país do lavajatismo, após tantos escândalos de corrupção.
Bolsonaro venceu em boa parte por causa disso, e já começa a ter sua imagem desgastada, após movimentos estranhos e suspeitos que parecem ter como meta proteger sua família, ainda que asfixiando a Lava Jato. Era a chance de Doria surfar nessa onda, em que pese sua aproximação de Rodrigo Maia, ele mesmo citado na planilha da Odebrecht.
Doria é o tucano com mais estamina, que não teme bater no PT, ao contrário de seus pares mais pusilânimes e esquerdistas, e que abriga dissidentes do bolsonarismo, como Frota. Eis a mensagem essencial: antipetismo, firmeza, mas sem os arroubos de Bolsonaro, sem os excessos ideológicos do bolsonarismo.
É um bom nicho do ponto de vista eleitoral, sem dúvida. Mas que acaba de sofrer um importante revés na questão ética. Seus próprios companheiros de partido puxaram seu tapete, e o governador terá de ralar muito agora para reconstruir sua narrativa.
Rodrigo Constantino
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