O tema é um dos mais importantes, principalmente para quem acredita, como eu, que a guerra cultural é ainda mais urgente do que a política. O grau de infiltração da extrema-esquerda nas escolas e universidades tem sido espantoso e crescente desde a década de 1960. Não é apenas que a maioria dos professores seja de esquerda; há método e objetivo nisso.
Foi para combater essa situação, tão bem descrita em livros como A corrupção da inteligência, de Flavio Gordon, Radicais nas Universidades, de Roger Kimball, e The Victim’s Revolution, de Bruce Bower (sim, o fenômeno é mundial), que surgiu o movimento Escola Sem Partido, liderado por Miguel Nagib.
Com a vitória de Jair Bolsonaro, essa pauta ganha força e destaque, e por isso temos visto tanta reação. Apenas hoje temos dois artigos na Folha, um do ultra-esquerdista Pablo Ortellado e outro do “isentão” Joel Pinheiro, atacando o projeto e diminuindo o problema da doutrinação ideológica de esquerda.
Ambos tentam passar a impressão de que há problemas dos dois lados, e que se existe mais professores de esquerda, isso não afeta em nada a qualidade do ensino, pois eles seriam imparciais na maior parte do caso. Diz Ortellado:
Vemos o mesmo acontecer com as declarações de Bolsonaro sobre a Escola sem Partido, campanha da direita conservadora que quer eliminar uma suposta doutrinação marxista que ocorreria nas escolas.
Embora, à primeira vista, se apresente com a missão republicana de impedir o proselitismo em sala de aula, a campanha persegue apenas o que acredita ser doutrinação marxista dos professores, ignorando, quando não acolhendo, o proselitismo religioso nas aulas de filosofia ou as apologias ao livre mercado nas aulas de história ou sociologia.
Com uma sensibilidade seletiva, marcada por forte orientação conservadora, o projeto contribui apenas para a redução da diversidade das correntes teóricas e pedagógicas oferecidas nas escolas. Além disso, cria um clima de perseguição e disputa que degrada o ambiente pedagógico. O resultado são relações conflagradas e um ensino menos plural.
Suposta doutrinação marxista?! Não é questão de achismo, mas de fato: basta uma rápida pesquisa objetiva e quantitativa sobre teses de doutorado e mestrado, por exemplo, ou pesquisas de votos dos professores. Levantar suspeita sobre a simples existência da doutrinação é chamar o leitor de idiota. Joel foi mais cuidadoso, não negou a presença forte de esquerdistas, mas tentou diminuir o efeito disso:
Existe, de maneira geral, um viés ideológico na educação brasileira. Quem nunca teve um professor de esquerda? Eu tive vários, e dos que traziam suas convicções políticas para a sala de aula.
Alguns foram do perfil autoritário, que desestimulava o debate e exigia que os alunos “esquerdassem” na prova. Já outros foram professores incríveis, que estimulavam a discussão e incitavam os alunos a pensar por conta própria. A crença política era o material que animava o debate. Fui doutrinado? Se fui, não funcionou.
E eis que esse fato corriqueiro do nosso sistema —muitos professores serem de esquerda— virou o grande bode expiatório da precariedade de nossa educação.
Ninguém se preocupou em medir e conhecer a real extensão da tal doutrinação em sala de aula; mas os proponentes do projeto Escola Sem Partido (que se manifesta em diversas iniciativas e projetos de lei, uma das quais vem sendo debatida pelo Congresso) juram que se trata de um problema gravíssimo e que justifica colocar o Ministério Público para perseguir professores.
[…]
Uma coisa é certa: qualquer que seja a extensão da doutrinação, ela tem menos poder do que no passado. Nunca o professor teve tão pouco poder em sala de aula. Ele está francamente acuado.
Há controvérsias se Joel não foi mesmo vítima de doutrinação, mas o ponto é que desprezar o potencial estrago causado por tais doutrinadores disfarçados de professores é quase um crime contra a juventude, é fechar os olhos para as últimas décadas em nosso país (e no mundo).
Não nego que há outros problemas, talvez tão grandes quanto a doutrinação. A pura preguiça, o despreparo, o mau uso de verbas, a falta de disciplina dos alunos, a precária condição tecnológica etc. Mas desdenhar da doutrinação ideológica, quase toda marxista, é um absurdo!
Para piorar, esse foi o tom escolhido pelo editorial do Estadão também:
Como mostrou o Estado em reportagem da jornalista Renata Cafardo, o clima de radicalização na vida universitária se disseminou em todo o País. Em algumas instituições, circulam listas com nomes de professores acusados de ser fascistas ou comunistas e de expressar “opiniões preconceituosas”. No Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, um docente não conseguiu entrar em sala de aula e teve de ser escoltado até em casa pela guarda universitária. Em universidades do Sudeste, estudantes têm fotografado a lousa em aulas das quais discordam da orientação dos professores e divulgado o conteúdo nas redes sociais. Na USP, a reitoria precisou acionar a polícia para impedir confrontos em algumas faculdades logo após o término do 2.º turno.
[…]
De fato, desde que foi criada no século 12, em Bolonha, a Universidade espelha o ambiente social, econômico, político e cultural em que está situada. Contudo, por mais que seja um espaço de reflexão e debate, à direita e à esquerda sempre há extremistas que, invariavelmente, exorbitam ao acusar de fascista ou de comunista aqueles com os quais não concordam. Em vez de expor argumentos e críticas e debater de modo franco e honesto, eles recorrem ao proselitismo, a falácias e a dogmas e optam por desprezar e desqualificar os interlocutores – estratégias autoritárias que, na prática, dificultam o desenvolvimento do pensamento, embotam a criatividade intelectual e abrem caminho para a censura e para controles ideológicos no ambiente acadêmico.
São esses extremistas que, infelizmente, estão tumultuando nossas universidades. Mas não terão êxito, como disse à reportagem do Estado o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Brasílio Sallum. “Há temores de que coisas arbitrárias possam vir. Mas acho difícil, pois as estruturas estão muito consolidadas na universidade”, afirmou. No que tem toda razão.
Ora, tentar condenar “ambos os extremos”, tanto quem acusa o outro de comunista como quem acusa de fascista com certa facilidade, é bancar o “isentão” e ser injusto, impreciso, cair no erro da “imparcialidade” seletiva. Claro que há infinitamente mais extremistas de esquerda do que de direita nas universidades! Claro que há presença maciça de partidos radicais de esquerda nas escolas e universidades!
O que temos visto, talvez com alguns exageros isolados tratados como regra pelos “neutros”, que precisam de espantalhos, é uma reação tardia de quem não aguenta mais esse quadro caótico e vermelho. Para cada professor marxista, quantos admiradores de Ayn Rand, de Burke ou de Mises existem? Para cada tese sobre marxismo, quantas sobre Tocqueville? Para cada citação de Foucault, quantas de Roger Scruton?
Quem tenta acusar “todos os extremistas”, mas se recusa a admitir o óbvio, que há um domínio quase absoluto dos extremistas de esquerda, presta um desserviço ao país. O problema nem é criticar a resposta do Escola Sem Partido, que pode ser debatido e não é uma panaceia. Mas fingir que o problema sequer existe, ou que existe “dos dois lados”, isso não é aceitável para quem quer debater a sério assunto tão importante.
Rodrigo Constantino
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