Jair Bolsonaro atuou por quase 30 anos como deputado, com um foco em determinado nicho do eleitorado, mais voltado para discursos sensacionalistas do que projetos de lei ou trabalho de bastidores. Por vários fatores, viu a possibilidade de ter uma importante vitória majoritária, e logo para presidente da República. Sua “guinada liberal” data desta época, já em pré-campanha, e por isso tantos desconfiaram da sinceridade de suas mudanças.
O fato é que, uma vez eleito, Bolsonaro cumpriu o básico das promessas: Paulo Guedes, seu “posto Ipiranga”, virou mesmo o poderoso ministro da Economia, e teve amplo grau de liberdade para montar uma equipe de primeira, repleta de liberais. Os projetos de lei apresentados vão na linha liberal. As privatizações vão saindo do papel aos poucos, com algumas recaídas. Mas em seis meses de governo dá para dizer que o discurso liberal não era estelionato eleitoral.
O problema é que o outro Bolsonaro, o populista e corporativista, não desapareceu da noite para o dia. Em alguns momentos deu sinal de vida, mostrando que não se apaga um longo passado num piscar de olhos. O presidente da Comissão Especial da reforma da Previdência, deputado Marcelo Ramos (PL), falou em entrevista ao GLOBO neste domingo sobre esse conflito interno do presidente:
Eu costumo dizer que existem dois Bolsonaros. Existe um Bolsonaro de 28 anos de comprometimento com as pautas corporativas mais atrasadas e existe um Bolsonaro que vestiram de liberal na campanha. Vez por outra, esses dois Bolsonaros entram em conflito. Toda vez que eles entraram em conflito, venceu o populista. Foi o que aconteceu na questão do aumento do diesel, por exemplo, e antes do envio da reforma da Previdência ao Congresso. O Bolsonaro populista, que precisava fazer um gesto para a corporação, entrou em conflito com o Bolsonaro liberal, que não podia ceder à corporação, e com o Bolsonaro estadista, que precisava pensar mais no país do que no seu compromisso de campanha. Mais uma vez, venceu o populista. Vez por outra isso vai acontecer nesse governo.
Essa divisão é visível mesmo. O Bolsonaro populista, por exemplo, voltou a repetir que “o povo” vai dizer se ele está certo ou não sobre Sergio Moro, afirmando que entraria no gramado durante a final da Copa América no Maracanã. Acabou desistindo de descer no intervalo, e foi apenas no final, para receber um misto de vaias e aplausos. O “povo” está dividido, conforme mostra pesquisa da Datafolha, com 33% de aprovação e 33% de reprovação ao governo.
O malabarismo dos bolsonaristas foi imediato: focaram só nos aplausos, ou na calorosa receptividade da seleção brasileira ao presidente, ou ainda lembraram que no Maraca se vaia até minuto de silêncio, como brincava Nelson Rodrigues. Mas ora, quem criou as expectativas foi o próprio Bolsonaro! Se ali seria o teste “popular”, então o incômodo fato é que ele não passou, ou ao menos passou raspando, cada vez com mais resistência, desaprovação.
E não é para menos: a previsão de crescimento econômico está perto de míseros 0,8% este ano, a taxa de desemprego continua acima de 12%, com 13 milhões de desempregados, e várias polêmicas desnecessárias marcaram esse começo de governo. Quanto mais o presidente confundir o país todo com a bolha de sua militância nas redes sociais, mais vai errar, pois jogará para sua plateia de seguidores fanáticos que representa uma parcela minoritária da população. O povo real não quer “mito”, quer resultados. E eles ainda não vieram.
Para tanto, falta um pouco mais de Bolsonaro liberal, estadista, e menos do populista, corporativista. O presidente tem as condições necessárias para seguir na direção certa, desde que deixe de lado essa turma bajuladora que investe no confronto permanente, no conflito eterno. É hora de agregar, de unir, de lutar em prol do Brasil todo, não de um nicho específico. O liberal em Bolsonaro precisa domar o lado populista. Ou isso, ou o governo vai fracassar.
Rodrigo Constantino
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