Fui ver neste domingo “Dunkirk”, o novo filme de Christopher Nolan, diretor da fantástica trilogia do Batman. Trata-se de um filme de guerra, com base na batalha ocorrida poucas semanas antes de Hitler invadir diversos países europeus, e depois de já ter ocupado a Polônia. Um filme diferente, minimalista nos diálogos, intenso nos detalhes, e profundamente angustiante.
Nolan divide o filme em três momentos distintos que acabam convergindo. A praia, que dura uma semana; o mar, que dura um dia; e o ar, que dura uma hora. Acompanhamos no filme os sentimentos mais básicos que uma guerra produz, como o medo, o sofrimento, a dor, o desespero, a esperança.
Não é um filme para todos os gostos. Mas é um filme para adultos. Não há um esforço de “dourar a pílula”; ao contrário: o diretor nos leva diretamente para dentro da guerra, para sentirmos o medo dos soldados, seu desespero, sua angústia na luta pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, há claramente o patriotismo, o senso de dever, como no caso do pai que leva seus jovens filhos voluntariamente para o destino da guerra, disposto a fazer o que estiver ao seu alcance para ajudar.
Li por acaso neste fim de semana também o livro The Father of Us All, de Victor Davis Hanson, que trata justamente sobre a história das guerras, antigas e modernas. Também é um livro escrito para adultos. Dois temas permeiam a obra do começo ao fim: a face inalterável da guerra, e a natureza trágica de sua persistência ao longo dos tempos. A guerra, diz Hanson, parece inseparável da condição humana, um alerta útil especialmente na era pacifista e infantil em que vivemos.
Se os iluministas acharam que a era da razão colocaria fim nas guerras, então se enganaram, e feio. Muitos “progressistas” vivem em bolhas completamente fora da realidade, e passam a acreditar que só a conversa e a diplomacia podem dar conta do recado. Como a personagem de Jodie Foster em “O Deus da carnificina”. Obama era o ícone dessa mentalidade, e ganhou um Prêmio Nobel da Paz antes mesmo de começar a governar – e autorizar bombardeios. Muitos querem acreditar nessas ilusões de que os discursos são capazes de resolver todas as disputas. Ledo engano.
Podemos compreender o contexto em que o pacifismo vingou. Durante a Guerra Fria e a guerra do Vietnã, após a mais sangrenta guerra da humanidade, e sob a constante pressão de um ataque nuclear, esses pacifistas buscaram refúgio nas fantasias. Mas o risco disso é apagar da memória das pessoas sua condição trágica, de que o sofrimento faz parte e pode ser necessário, e uma abordagem realista, de que às vezes não há alternativa ao combate.
“Faça amor, não guerra” pode ser um lema encantador para românticos no conforto de suas casas, mas não impede as atrocidades cometidas por aqueles que não ligam a mínima para tais slogans. E esses sempre existiram, sempre existirão. Outro equívoco mortal, típico dos “progressistas”, é adotar a visão marxista de que toda guerra tem no fundo um interesse econômico e nada mais. Falso. Guerras aconteceram e acontecem por motivos como orgulho e medo, que não podem ser reduzidos a cálculos monetários.
Enquanto o público lota as salas de cinema para ver filmes de guerra, e as livrarias estão repletas de livros populares sobre o tema, o fato é que nas universidades a história militar acabou sendo negligenciada, e isso fez com que muitos intelectuais saíssem de seus estudos sem a devida compreensão do fenômeno, preferindo as teses bobas de que as guerras seriam sempre evitáveis com base na conversa. Essas pessoas estão despreparadas para adotar uma análise realista diante de riscos presentes.
A história militar pode nos ensinar, por exemplo, que a guerra, por mais sangrenta e terrível que seja, pode não ser a alternativa mais custosa em termos de calamidades humanas. A coalisão que expulsou Saddam Hussein do Kuwait perdeu poucas vidas, enquanto a inação em Ruanda permitiu que gangues selvagens e milícias matassem centenas de milhares de forma impune. A interminável guerra do Vietnã foi causa de muita crítica, mas muitos ignoram o genocídio em Camboja por Pol-Pot, sem interferência ocidental. Se Hitler tivesse sido atacado antes, talvez milhões de vidas tivessem sido poupadas.
Existem, enfim, guerras justas e necessárias. Quando os americanos lutaram contra a escravidão internamente, ou contra o nazismo, o comunismo e o militarismo japonês, estavam lutando pela liberdade, pela democracia. A guerra é sempre uma coisa feia, mas não necessariamente a mais feia de todas. Basta perguntar aos coreanos do sul se a terrível guerra da Coreia não foi melhor do que a alternativa: todos viverem sob o regime da Coreia do Norte hoje.
Ensinar história militar, portanto, tem uma função moral: educar as pessoas de hoje sobre os sacrifícios passados que permitiram e garantiram a liberdade e a segurança presentes. Os mimados tomam como garantida essa condição atual, sem se dar conta do enorme custo dessa liberdade e prosperidade. O filme de Nolan traz à memória esse recado, esfregando em nossas caras, em meio ao conforto do cinema, o que nossos antepassados tiveram que enfrentar para que não vivêssemos todos sob o nacional-socialismo hoje. E Hanson também coloca o dedo na ferida da elite intelectual que gosta de cuspir no legado militar americano:
Esquecemos essa antiga verdade do excepcionalismo ocidental. Na era dos estudos culturais, os americanos muitas vezes cometem o erro comum de assumir que nossos inimigos são simplesmente diferentes de nós, e não muito diferentes de nós. Talvez a hesitação para apreciar a singularidade do Ocidente resulte da culpa sobre o colonialismo europeu. Ou pode ser uma humildade louvável. Ou poderia refletir uma ignorância das culturas em geral e da civilização ocidental em particular.
Se o público hoje estudasse os clássicos, eles poderiam redescobrir as origens de sua cultura – e ao fazê-lo, descobririam que não somos nem remotamente semelhantes aos talibãs ou aos sauditas do ponto de vista cultural, mas, de fato, que somos profundamente diferentes na maneira como criamos nosso governo, tratamos nossas mulheres, ganhamos a vida e estabelecemos os parâmetros de nossa religião.
Essa negligência do próprio passado pode, penso, enfraquecer uma sociedade poderosa como a nossa, que deve projetar confiança, poder, humanidade e esperança para aqueles menos afortunados no exterior.
O terrorista reconhece que nossa liberdade e afluência estimulam seus apetites mais do que o Islã pode reprimi-los. Mas tão importante, o terrorista percebe que há uma espécie de culpa aristocrática dentro de uma minoria de americanos influentes, que muitas vezes se sentem envergonhados ou se desculpam por sua cultura.
Pedir desculpas pelos nossos pecados passados pode revelar caráter e, por um tempo, diminuir o antiamericanismo no exterior, mas se for feito sem reconhecer que os pecados da América são os pecados da humanidade e que nossos remédios são muitas vezes excepcionais, então isso só ganha aplausos transitórios – e um desprezo mais duradouro de que nós mesmos não acreditamos nos valores que professamos.
O conflito é onipresente. Muitas vezes é de natureza irracional e mais resultado de emoções fortes do que de necessidade material. A preparação [para a guerra] é mais dissuasora do que a empatia, compreensão ou demonstração de boas intenções. A guerra às vezes é conquistada ou perdida tanto pela confiança na própria cultura como pelos próprios ativos militares. Muitas vezes, não é uma questão de escolha entre o bem ou o mal, mas entre o mal e o pior. E a guerra deve ser julgada como moral ou imoral pelas circunstâncias em que ela se desenrola e as condições em que é travada, e não pelo fato de que a violência é empregada.
São pontos de uma conversa entre adultos, não crianças. Infelizmente, o mundo está repleto de crianças em forma de adulto, gente que gosta de repetir que é contra toda e qualquer guerra, como se não precisasse enfrentar as consequências dessa postura pacifista e boboca depois, caso “alguém” realmente não assumisse o fardo de lutar em seu lugar. Os adultos são realistas, sabem como as guerras são terríveis, mas entendem que elas podem ser inevitáveis ou necessárias, e também justas, dependendo das circunstâncias.
E mais: elevam a moral dos patriotas que se sacrificam para que os demais possam desfrutar da paz e da segurança, que nunca são gratuitas. Se os infantis abominam Churchill por sua “belicosidade”, preferindo Chamberlain com seu autoengano, os adultos admiram Churchill, cujo discurso mais famoso foi feito justamente por conta de Dunkirk, um divisor de águas que alimentou a esperança dos ocidentais e os preparou para os sacrifícios à frente. O leitor roqueiro de bom gosto talvez conheça um trecho por meio da música “Aces high”, do Iron Maiden. O filme de Nolan termina com a leitura desse discurso. Eis um trecho famoso, com o qual também termino esse texto:
Continuaremos até o fim, lutaremos na França, lutaremos nos mares e nos oceanos, lutaremos com crescente confiança e crescente força no ar, devemos defender nossa Ilha, seja qual for o custo, devemos lutar nas praias, lutaremos nas terras, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nós nunca nos renderemos.
Rodrigo Constantino