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“E a delação do Palocci?”: se é guerra, então não podemos tolerar críticas ao “nosso lado”

Existe uma guerra cultural e política em curso contra a esquerda e o establishment corrupto? Existe. Mas é preciso decidir como lutar essa guerra, ou cada batalha. O problema que tenho com quem aceita a 100% do valor de face essa premissa, é que depois segue normalmente numa estrada escorregadia rumo ao abismo do relativismo moral.

Se é guerra contra o PT e companhia, então vale tudo! E essa mentalidade binária, tribal, produz inevitavelmente uma postura de torcida organizada de futebol, onde “nosso time” deve ser defendido sempre, custe o que custar, com muito pano sendo passado para limpar as sujeiras dos “nossos” guerreiros. Quem age assim está a um passo de ser um petista de sinal trocado.

Numa guerra, afinal, a primeira baixa é sempre a verdade. E toda crítica será tratada como munição disparada por inimigos. Não há mais espaço para diálogos, não existe mais o cinza ou nuances, tudo é “mato ou morro”. E é por isso que bolsonaristas aguerridos, que sucumbem a essa narrativa, precisam demonizar todo aquele que ousa tecer uma crítica ao “mito”.

O fundador do Habib’s, Alberto Saraiva, foi um dos empresários que mais abertamente trabalharam pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Apoiador do atual presidente, Jair Bolsonaro, ele diz que o governo cumpre uma função importante de “virar” a economia. Porém, afirma que polêmicas desnecessárias poderiam ser evitadas para dar mais estabilidade ao País. “Acho que falta uma maturidade e planificação comportamental do nosso representante maior”, disse ele ao Estadão.

Vários bolsonaristas, porém, não lidaram bem com a crítica, que parece bem justa, aliás. Saraiva seria desde um “picareta” até um “ingênuo” que não compreende a “guerra” atual. E lá está a premissa da guerra! Se é guerra, não podemos tolerar “fogo amigo”.

Outra tática comum dessa turma é desviar a atenção para o PT. Muitos, comentando em cima dessa crítica legítima do empresário, passaram a perguntar onde estava o Palocci na mídia, alegando que não houve cobertura de sua nova delação, insinuando que há um silêncio cúmplice. Acho até aceitável afirmar que poderia ter havido mais destaque, mas negar que a imprensa tratou do assunto é Fake News, mentira deslavada, como podemos ver numa pequena amostragem numa busca rápida:

Sua nova delação foi destaque em tudo que é veículo de comunicação. A sensação que fica, até porque é muita “coincidência” que tanta gente tire da cartola o mesmo assunto, é que algum comando dá a senha e o gado segue. Parecem os Smiths do filme “Matrix”, todos iguais.

Resumindo: 1. Palocci foi pauta, mas claro que sempre poderia ser mais; 2. não chega a surpreender tanto, apesar das cifras enormes, já que o PT é uma quadrilha criminosa mesmo e isso já ficou claro para todos que não andam com 4 patas no chão; 3. agora o ex-ministro precisa entregar mais provas, pois não basta falar.

Mas a tática bolsonarista já está manjada: sempre que alguém critica alguma coisa no governo ou no presidente, eles puxam em coro da cartola o PT. Além de ser sinônimo de se nivelar por muito baixo, é preciso lembrar quem é poder agora. Acabaram os dias de pedra; hoje Bolsonaro é janela.

E não adianta repetir que é guerra, pois a principal guerra, para liberais e conservadores, continua sendo aquela de princípios e contra abusos do estado – qualquer que seja o governante do momento.

Rodrigo Constantino

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