Que o Brasil é um país insano nós sabemos. Debate-se a correção ou não da reação de uma policial de folga que protegeu crianças e atirou num marginal armado durante a tentativa de assalto. Coisa de louco mesmo! Agora, há outro debate mais delicado, legítimo, que surge nesses episódios: deve a população de bem comemorar a morte desses bandidos?
Não falo, claro, de comemorar o impedimento do crime e a proteção da vida das potenciais vítimas. Isso é óbvio, ao menos para todos que não foram destruídos pelo esquerdismo. Falo de celebrar a morte em si do meliante, vibrar com as imagens dele levando chumbo e caindo morto. Falo dessa reação do meu amigo Flavio Quintela, por exemplo, que é bom pai, trabalhador decente, cristão:
Isso é aceitável? É compreensível? Um texto na Gazeta, de Helen Mendes, tenta argumentar que é compreensível, mas não deveria ser aceitável, ao menos não se queremos viver numa civilização decente. Eis alguns trechos:
Uma das causas que podem explicar por que tanta gente celebrou a perda de uma vida humana são os altos índices de violência no país. O Brasil registra 30,5 mortes por homicídio para cada 100 mil habitantes, segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado em maio de 2017, com dados de 2015.
A taxa de assassinatos no Brasil é pior do que a de países como Haiti (28,1 homicídios a cada 100 mil habitantes) – um país afetado pela pobreza e que ainda se recupera da devastação de um terremoto que deixou 1,5 milhão de pessoas desabrigadas em 2010 – e México (19), que sofre com a violência gerada pelo tráfico de drogas.
Para comparação, o país com a menor taxa de assassinatos nas Américas é o Canadá, com 1,8 homicídio para cada 100 mil habitantes. Outros países com baixas taxas no continente são Chile (4,6), Argentina (4,7), Cuba (4,9), Estados Unidos (5,3) e Uruguai (7,6).
A violência disseminada, que inclui casos de crueldade surpreendente, ajuda a explicar por que as pessoas muitas vezes se sentem aliviadas ao saber de casos em que um assaltante, ou mesmo um suspeito de crime, acaba morto.
No entanto, uma morte, de quem quer que seja, não deveria ser motivo de comemoração. Todo ser humano tem uma dignidade intrínseca e também deveria ter a chance de se redimir e procurar mudar o curso de sua vida para melhor.
[…]
“A reação do cidadão é a seguinte: ‘já não tenho nada, estou perdendo tudo, e vou aceitar esse tipo de coisa? Temos que matar mesmo’. Esse é um problema grave”, afirmou Santos.
É justo que se comemore que uma tragédia maior tenha sido evitada. Mas celebrar a morte de uma pessoa, por pior que seja o seu histórico, nos desumaniza e nos rebaixa como sociedade, nos colocando no mesmo nível de ódio dos criminosos. “Essa é uma situação bárbara, não é uma coisa a se comemorar”, disse Silveira.
Posso – com algum esforço – entender a mensagem, que tem pegada inclusive cristã: toda vida é sagrada. Mas confesso não digerir bem a ideia de que celebrar a morte de um marginal que coloca em risco a vida de crianças inocentes significa sentir um ódio “no mesmo nível” do ódio dos criminosos. Tal equivalência moral, para mim, não faz o menor sentido.
Ignora o que Roberto Campos dizia, por exemplo, sobre a pena de morte: “Os adversários da penalidade máxima argúem que é sagrado o direito de todos à vida. Exceto, naturalmente, o direito das vítimas à vida. O direito à vida não pode ser incondicional. Só devem merecê-lo os que não tiram a vida dos outros”. E não custa lembrar que Campos, que frequentou seminário cristão, quase foi teólogo…
Tenho uma resenha de um livro sobre a desumanização de adversários ou grupos sociais, e sou o primeiro a concordar com o alerta dos perigos de quando passamos a nos referir a seres humanos como “ratos”, “baratas”, “vermes”. Mas há uma clara diferença entre quem assim o faz levando em conta características coletivas e quem está definindo indivíduos, cujas atitudes realmente se assemelham à de bichos sub-humanos – ou piores, já que possuem consciência de seus atos nefastos.
Quem está desumanizando as pessoas são os marginais que matam por um tênis, um celular, como quem mata baratas! Seu desprezo pela vida humana é total, e isso faz com que suas próprias vidas passem a valer bem menos, claro. Alguém com uma inclinação quase santa pode tentar compreender até mesmo os atos mais bárbaros, na linha de Terêncio: “nada que é humano me é estranho”.
Acredito que seja a postura de Theodore Dalrymple ao ter atendido nos presídios tantos pacientes monstruosos ao longo de sua carreira, apesar de jamais ter transformado o vilão na vítima. Talvez seja a postura de um Padre Brown também, personagem de Chesterton. Mas nós, seres humanos normais, não conseguimos fugir da sensação de alívio quando um marginal perigoso morre. Até porque é menos um para colocar em risco outras vidas.
O regozijo com a morte de alguém – de qualquer um – não deveria ser louvado, concordo. Mas é preciso contextualizar, entender que o brasileiro não aguenta mais, não só o crime como a injustiça do sistema impune e a narrativa predominante na imprensa, que transforma bandido em “vítima da sociedade”. Essa gente, por mais difícil que tenha sido suas vidas, escolheu praticar atos monstruosos. A pobreza não é justificativa para o crime, como aponta Flavio Morgenstern:
Karl Kraus ironizava essa postura de quem tenta proteger aquele que agiu como um animal: “Quando alguém se comportou como um animal, ele diz: ‘Ora, eu sou só um ser humano!’ Mas quando é tratado como animal, ele diz: ‘Ora, eu também sou um ser humano!'”
Thomas Sowell, por outro lado, fala do risco de negligência com marginais: “Criminosos entendem que estão em guerra contra a sociedade; mas muitos daqueles cujas funções são proteger a sociedade não querem tratar os criminosos como inimigos mortais”. A mensagem da dignidade humana de todos é sem dúvida bela e refinada, mas devemos ser realistas e entender que, numa guerra, quem oferece a outra face acaba morto.
Quanto vale a vida humana de alguém que está pronto para matar uma criança só porque quer um celular? Bene Barbosa, do MVB, fez um comentário sobre isso que foi compartilhado por Eduardo Bolsonaro:
Ele está certo. Se alguém diz, com suas ações, que um celular vale mais do que a vida de uma criança, então essa pessoa não pode, depois, reclamar um direito ao valor sagrado da sua própria vida, que deixou de ter esse valor no momento em que ela resolveu agir dessa forma desumana. Não sou daqueles que goza ao ver cenas de bandidos estrebuchando no chão, e concordo que, desse jeito, flertamos com a barbárie.
Mas também não vou aqui julgar e condenar, muito menos equiparando essa sensação ao ódio dos marginais, quem fica feliz de ver que o marginal terminou morto. Bandido bom é bandido preso, num sistema que efetivamente funcione para mantê-lo o resto da vida afastado da sociedade, se cometeu crime hediondo. Como essa não é a realidade no Brasil, nem de perto, a alternativa pode ser, sim, a velha máxima “bandido bom é bandido morto”. Afinal, a opção pode ser uma criança inocente morta no dia seguinte…
Rodrigo Constantino
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