Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Como já disse e faço questão de repetir, a definição do candidato à presidência é a menor das prioridades no momento atual. É irrelevante para mim a pessoa em quem alguém diz hoje que vai votar em 2018. Isso não quer dizer, porém, que não devamos observar criticamente as personalidades que despontam com a intenção, delas próprias ou de terceiros, de representar nossos anseios em matéria do bem público, com toda a ponderação e equilíbrio que isso exige.
João Doria, atual prefeito de São Paulo, viu seu nome se alicerçar politicamente na disputa ao cargo sob os auspícios do governador do estado, Geraldo Alckmin, com quem até hoje se considera em dívida e cujas virtudes – inocência, caráter, competência – não hesita em garantir. Seu nome ganhou enorme popularidade e é ventilado para a presidência em função de uma confluência de fatores óbvios.
O primeiro deles, o seu evidente bom trabalho na prefeitura, em seus primeiros dias, naturalmente associado a um habilidoso marketing pessoal que não deveria ser, por si só, condenado em um político. Iniciativas de embelezamento da cidade, mobilização de empregos para moradores de rua, aceleração de filas de hospitais, capacidade de articulação de empresas privadas para suprir necessidades e desafogar o Estado… tudo isso foi verificado ao longo desses dias, de uma maneira ou de outra.
Outro fator é o desejo por fugir, a um só tempo, das esquerdas radicais, particularmente do lulopetismo, e procurar algum nível de sensatez econômica. Por fim, a força que vem ganhando o fenômeno dos outsiders, que surgem de fora das elites políticas tradicionais, rompem seu discurso amaciado pelo politicamente correto e dizem verdades objetivas ou enaltecem valores que a população deseja ver representados. Doria efetivamente não teme chamar pichadores de bandidos, por exemplo, tampouco falar abertamente em privatizações.
Contudo, uma das funções de quem escreve sobre política, ao menos assim me parece, é desanuviar uma certa gramática própria do meio, associada a uma genealogia histórica e ideológica dos discursos. Nesse sentido, por exemplo, a expressão “outsider” se aplicaria a Doria por ele ser um empresário bem-sucedido e não um cacique político tradicional, desses que nos acostumamos a ver nos noticiários, chegando a produzir atrito dentro de sua legenda com esses mesmos líderes antigos; porém, ao mesmo tempo, devemos deixar claro que ele não é um “outsider” absoluto, já que seu partido é o PSDB, uma das maiores forças doestablishment da Nova República, seu padrinho político é Geraldo Alckmin e sua referência estética na política não está no liberalismo ou no conservadorismo propriamente ditos, mas na “social democracia”.
Quando, em entrevista a alguns órgãos de imprensa, como o programa de Danilo Gentilli, Doria disse que era um “social democrata”, entendeu-se haver aí apenas uma estratégia política para não correr certos riscos que posicionamentos em termos de “esquerda” e “direita” parecem tender a criar. Não descartaria completamente que isso esteja no seu cálculo, mas a entrevista concedida à Revista Época esta semana comprova para quem ainda tinha dúvidas que a dimensão de pensamento de Doria se desenvolve a partir de um horizonte cultural e de princípios típico da esquerda moderada, ou da centro-esquerda social democrata “esclarecida” – isto é, é no máximo uma “imaginação moral” que parte da esquerda e se move para o centro, sem um DNA originário à direita.
Tal como alguns partidos e políticos sociais democratas e sociais liberais dos anos 80 e 90, Doria absorveu a mentalidade da modernização econômica e rompe com arcaísmos estatizantes. Na entrevista, ele se diz defensor das reformas trabalhista, previdenciária (para ele, aparentemente, nos moldes da reforma proposta pelo governo Temer, que não enseja tanto quanto gostaríamos o fortalecimento da ideia da previdência privada), política e tributária; a redução da maioridade penal; a realização de mais privatizações na esfera federal; o fim do foro privilegiado; também se mostrou favorável à mudança do ensino médio, à presença de uma parte privada no financiamento de campanhas e à redução de cargos comissionados, bem como contrário à descriminalização do aborto e das drogas.
Nesses pontos, com essa ou aquela eventual distinção de grau, espera-se que a direita de corte liberal-privatista e/ou conservador esteja de acordo. Outros aspectos de suas opiniões, porém, já mudam a coisa de figura. Em primeiro lugar, Doria se diz favorável a uma lei de abuso de autoridade – embora não seja específico quanto aos desejos da turma de Renan Calheiros de, evidentemente, castigar a Lava Jato pelo crime terrível de persegui-los em nome da Justiça. A pergunta também é genérica, portanto podemos deixá-la passar.
Doria disse ainda que não é contrário a que bancos oficiais, como o BNDES, financiem grandes empresas, “principalmente as voltadas à exportação”, pois a “política de apoio a empresas brasileiras” é uma “boa política”. O critério para moderar isso seria “muito cuidado” e “muito zelo com o dinheiro público”, o que, honestamente, parece muito subjetivo e frágil; uma mentalidade mais liberal deveria ter mais desconfiança desse tipo de recurso, objeto de manipulações corruptas durante o lulopetismo cuja extensão provavelmente ainda estamos longe de dimensionar.
Também se disse a favor da “adoção de banheiros livres para transgêneros”, uma ideia que pessoalmente me repugna por julgá-la de uma irracionalidade notória. Banheiros devem ser adequados a realidades biológicas e não a identidades supostamente construídas que nos levariam a perigosos constrangimentos; um homem, mesmo que se julgue, diga se julgar ou se vista como mulher, simplesmente não deveria estar no banheiro das mulheres.
O ponto mais importante de todos, porém, e que mereceu o título deste artigo, é o desarmamentismo de Doria. É inquestionável e indisfarçável. Mesmo diante da calamidade da segurança pública, mesmo em se tratando de um direito de opção a que a população equilibrada e de bem deveria evidentemente ter acesso, mesmo após a decisão democraticamente tomada no referendo de 2005 sobre o assunto pelo povo brasileiro, João Doria prefere cerrar fileiras com o seu partido social democrata e com as sensibilidades esquerdistas da classe política engomadinha: é contra a liberação de posse de armas.
O que até há pouco era uma especulação, agora é uma lamentável certeza. O lado bom disso tudo é que, para o bem ou para o mal, temos um retrato mais claro e amplo do pensamento de João Doria sobre muitos dos temas sociais e políticos que mais nos interessam. Que fazer diante desse conhecimento? Que o tempo e a prudência nos ajudem a decidir.
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