Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Sim, é muito difícil haver amizade entre um liberal e um esquerdista, mas não acho que seja impossível. Sei que isso é raro, mas reitero, não acho que seja impossível. Talvez o leitor mais politicamente aguerrido pense que eu tenha ficado maluco, mas vou dizer o que penso sobre isso.
Creio que a amizade entre um liberal e um esquerdista seja possível quando ambos não pensam somente em política; quando as duas partes sabem que certos assuntos são inconvenientes em determinadas ocasiões e, portanto, como um acordo velado, optam por discutir outros temas. Não estou me referindo, portanto, àqueles chatos que adoram estragar almoços de domingo com discussões intragáveis. Existem vários outros assuntos comuns aos amigos: namoros, esportes, literatura, música, filmes, séries, ou seja, uma infinidade de coisas que não precisam necessariamente adentrar o universo político-ideológico.
Acho inclusive que de vez em quando é melhor deixar o assunto político de lado e preservar aquela velha amizade. Isso porque se tem uma coisa complicada, esta coisa é a politização de tudo. Mais do que isso, eu particularmente não simpatizo com nenhum apaixonado político, ainda que eu concorde com tudo o que ele fale.
O que fazer, por exemplo, quando um amigo de infância se torna eleitor do PSOL? Será que valeria a pena romper uma amizade de longa data por causa disso? Depende. Se ele não for um obcecado e não ver o amigo liberal somente como liberal e desde que o liberal não o veja somente como um eleitor do PSOL, a relação amistosa é possível.
Digo mais, se não houver obsessão em nenhum dos dois, é possível até mesmo falar sobre política. Já conversei com pessoas convictas de seu posicionamento de esquerda sem precisar xingá-las e nem fui xingado ou agredido por pensar que o liberalismo é melhor do que o socialismo. Repito: não é fácil, mas não é impossível.
Às vezes seu amigo esquerdista é alguém bem intencionado, mas que tem a visão coberta por uma venda ideológica. E assim como julgo que seja possível a amizade entre alguém que seja a favor do livre mercado e alguém que seja a favor do socialismo, também penso que seja possível a amizade entre um católico que pensa que o ateu está absolutamente errado e um ateu que pensa que a hóstia é só um pedaço de trigo.
Há cristãos contrários ao casamento gay e que têm amigos gays; católicos que são amigos de umbandistas; libertários que têm amigos conservadores e vice-versa. Isso não é relativismo, é respeito. Aliás, o problema não é você achar que está certo. O problema é como você trata aquele que você acha que está errado. Afinal, a amizade, quando verdadeira, existe mesmo apesar de alguma coisa. É lamentável quando um amigo vai transformando a amizade ao sabor de suas preferências políticas.
Há alguns anos, quando li o ensaio On Being Conservative, de Michael Oakeshott, um trecho sobre a amizade me chamou a atenção. Nele o filósofo britânico escreve que: “Um amigo não é uma pessoa que se comporte de determinada maneira, alguém que satisfaça certas necessidades, que tenha certas habilidades úteis, que possua certas qualidades agradáveis ou detenha certas opiniões aceitáveis [grifo meu]; ele é alguém que ativa a imaginação, que excita a contemplação, que provoca interesse, simpatia, contentamento e lealdade, simplesmente devido à relação estabelecida. […] A relação entre amigos é sentimental, não utilitária; o vínculo é de familiaridade, não de utilidade”. Concordo com ele.
Dito de outra forma, às vezes a amizade entre pessoas que divergem politicamente pode ser mais verdadeira do que uma amizade entre pessoas cuja identificação única é a política. Afinal, enquanto a primeira amizade é conservada a despeito das divergências, a segunda se rompe quando elas aparecem. Isso acontece porque a amizade que nasce por acaso geralmente é sentimental, enquanto a amizade política é utilitária e, por isso mesmo, muito mais fácil de ser desfeita. Como diria Elbert Hubbard, “Amigo é a pessoa que sabe tudo sobre você, e ainda assim gosta de você.”
Em síntese, acredito que a amizade praticamente impossível seja a amizade entre radicais, exatamente entre aqueles que sempre queiram mudar o outro como se fossem missionários. Não estou dizendo que o debate não seja importante, ao contrário, estou convicto de que ele é fundamental, mesmo porque esta é a essência da disputa ideológica, que deve ser feita no campo das ideias. Minha crítica se concentra no fato de que, para algumas pessoas, a questão política está acima de tudo, o que considero ser fruto da mais pura pobreza de espírito.
O leitor discorda? Tudo bem. Espero que a amizade continue a mesma.
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