Seguindo a tendência histórica de eleições de meio de mandato presidencial, conhecidas como midterms, o partido da oposição recuperou a maioria das cadeiras da Câmara dos Representantes na madrugada desta quarta (7) nos Estados Unidos.
As eleições de meio de mandato mais caras e importantes dos últimos tempos tiveram um final dramático que escancarou a profunda polarização do país, mas o resultado do pleito ficou aquém da esperança democrata de demonstrar uma onda de repúdio ao presidente Trump.
A guerra de Trump contra imigrantes ilegais e os ataques aos democratas parecem ter mobilizado republicanos suficientes para conter a “onda azul” que o partido temia – em referência à cor símbolo dos democratas. O presidente ajudou os republicanos a ganhar corridas apertadas ao Senado como em Indiana, Missouri, Dakota do Norte, Tennessee e Texas. Segundo ele, o resultado da eleição foi um “sucesso tremendo”. Os republicanos mantiveram o controle em todo o sul e em áreas rurais.
Mas os Democratas, movidos por uma rejeição ao Trumpismo, conquistaram vitórias em locais que, há apenas dois anos, ajudaram Trump a chegar na Casa Branca. Eles tiveram bons resultados no norte do centro-oeste e até mesmo no Kansas, estado historicamente republicano, onde Laura Kelly foi eleita governadora após a disputa com o candidato apoiado pelo presidente, Kris Kobach. Na Virgínia Ocidental – onde Trump é muito popular e fez diversas campanhas para os republicanos – a reeleição do senador democrata Joe Manchin foi como um golpe pessoal ao presidente.
“Graças a você, amanhã será um novo dia na América”, disse a líder democrata da Câmara Nancy Pelosi, da Califórnia, que está pronta para recuperar a posição de porta-voz da casa que perdeu há oito anos. A vitória democrata, segundo ela, “significa a restauração de freios e contrapesos da Constituição para a administração Trump”.
Aquele discurso de “vencer, vencer e vencer” de Trump precisa ser adaptado. O presidente também perde, e terá um desafio enorme agora para governar, pois vai precisar chegar a acordos com os democratas, num clima de guerra (basta ver o tom usado por Pelosi).
Claro que Trump, o rei do marketing, não deixaria de focar no aspecto positivo do resultado. Foi o que o presidente fez, como se tivesse obtido uma grande vitória:
Mas para “fazer as coisas acontecerem”, Trump terá de demonstrar maior habilidade de consenso, pois vai ter que trabalhar em conjunto com democratas. O problema, claro, é que os democratas nunca estiveram tão radicais à esquerda, com uma retórica extremista e com Trump sendo tratado como a grande ameaça à América. Imaginar pautas comuns nesse contexto é complicado.
Se Trump terá mais pedras no caminho para governar nos próximos dois anos, ele ganhou de presente uma oposição desejada para 2020 por outro lado. Pelosi não é exatamente querida nem pelos democratas. Está em seu décimo-sexto mandato na Câmara, e muitos gostariam de vê-la fora da política. Sua postura intransigente contra Trump vai fornecer ao presidente um discurso útil para as próximas eleições. Alexandre Borges analisou o resultado:
Democratas recuperaram o controle da Câmara, mas os republicanos ainda mandam no Senado. A perda na Câmara era esperada, o sucesso no Senado foi acima da expectativa, o que facilita, por exemplo, a aprovação de mais um juiz na Suprema Corte, caso necessário. As reformas e leis prometidas em campanha terão extrema dificuldade de aprovação agora, o que pode jogar Trump antecipadamente em campanha para 2020. O tom belicoso com a Câmara deve mudar bastante. Vai ser um inferno aprovar o orçamento e reformas com cortes de impostos, por exemplo, já podem ser esquecidas. É bom lembrar que muitas das principais reformas não tinham sido aprovadas mesmo com republicanos com maioria, agora então é que não saem mesmo. O assunto de Trump a partir de hoje é 2020.
Alguém como Trump, que parece eternamente em campanha, poderá extrair vantagens dessa situação. Mas a dificuldade extra de aprovar reformas não é boa para a economia americana, que vinha se recuperando bem graças às mudanças lideradas pelo presidente. Os democratas farão de tudo para infernizar a vida do presidente nos próximos anos, e podemos esperar mais investigações e até papo de impeachment.
O bottomline da eleição é que foi levemente ruim para os republicanos, mas não tanto quanto a mídia esperava. A tal “onda azul” não se materializou, e Trump demonstrou mais força do que a esquerda gostaria. A vantagem para retomar a Câmara foi menor do que o previsto, e estados importantes, como a Flórida, permaneceram nas mãos de republicanos.
Mais desafios para Trump à frente no restante de seu governo, muitos discursos inflamados de democratas radicais, mas nada que o presidente não esteja acostumado a lidar. Menos reformas, mais polarização e foco em 2020: é isso que a eleição aponta.
Rodrigo Constantino