Sejamos francos: os evangélicos são alvos de profundo preconceito por aquela elite “descolada” que supostamente não tem preconceito algum. Eis um fato inegável. Basta ler os artigos na imprensa, conversar por alguns minutos com qualquer membro da esquerda caviar. Para essa turma, os evangélicos não passam de uma massa ignorante e alienada vítima do oportunismo de bispos como Edir Macedo, da Igreja Universal.
Em parte, isso ocorre mesmo. Não dá para negar que muitas pessoas mais simples e ignorantes sejam enganadas por exploradores da miséria alheia. Mas será que é só isso? E mais: será que a turma da esquerda caviar não olha com ódio para esse fenômeno porque enxerga nesses bispos seus concorrentes, de certa forma? A esquerda “progressista” não é também uma seita religiosa que procura monopolizar as virtudes?
Ao ler no GLOBO hoje o artigo de Chico Alencar, deputado socialista pelo sectário PSOL, fica claro o confronto de visões de mundo entre evangélicos e esquerdistas, sendo que isso foi ignorado quando o bispo Macedo era apoiador do PT (mais sobre isso à frente). Diz o socialista:
O neopentecostalismo de resultados avançou. Ele não opera a fé como inspiração para a luta cidadã dos fiéis por justiça e igualdade, no âmbito do Estado laico e plural. Não pratica a política como “dimensão maior do amor ao próximo”, assim definida pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, nos anos 60 do século passado, e reiterada agora pelo Papa Francisco. A separação Igreja-Estado, ainda que exaltada em todo discurso, fica tisnada por um projeto político-partidário de poder, de viés confessional, “evangelizador” e expansionista, altamente conservador e com forte apelo de massa. Muitas contradições vão aflorar.
Ora, sejamos honestos: deveria alguém deixar totalmente sua fé de lado na hora de pregar medidas políticas? Mas e se seu código de moral deriva dessa fé religiosa? Questões como o aborto, as drogas, a “identidade de gênero”, são sempre delicadas. A esquerda leva sua visão de mundo para o debate, uma visão ideológica, para não dizer “religiosa”, mas o evangélico não pode se manifestar como evangélico? Não pode condenar o aborto por considerá-lo um crime contra a vida humana, um pecado? E o “progressista” pode banalizar o aborto na boa, como se o ovo da galinha valesse mais do que o feto humano?
Ver um socialista do PSOL, defensor até mesmo do nefasto regime comunista soviético, falando em justiça e amor ao próximo é de embrulhar o estômago. Sabemos bem qual é, na prática, o “pluralismo democrático de um estado laico” dessa gente: o totalitarismo da foice e do martelo. O PSOL de Alencar e Freixo defende o modelo venezuelano, o modelo cubano, onde cristãos foram perseguidos. Haja tolerância…
A “solidariedade” que os socialistas pregam é aquela imposta pelo estado. Ora, cobrar voluntariamente o dízimo do crente é mesmo tão pior assim do que cobrar compulsoriamente a metade (ou mais) do que ganha cada trabalhador por meio de impostos? Os “progressistas” querem enfiar goela abaixo dos filhos dos outros a sua tosca “identidade de gênero”, mas os evangélicos não podem reagir com base em suas crenças e valores, para proteger os seus filhos? E o autoritário em busca de um projeto político-partidário de poder é o outro, não o próprio socialista?
Isso sem falar do eterno duplo padrão dessa esquerda radical, apelando para a seletividade constante. Agora Crivella e Macedo, que derrotaram Freixo e o PSOL, são uma ameaça, mas antes eram aceitáveis e dignos, pois apoiavam o PT? Não vamos esquecer que Lula e Dilma eram os primeiros da fila no lançamento do Templo de Salomão.
Como diz Ricardo Mariano, autor de livro sobre o avanço dos evangélicos no país, nessa entrevista ao GLOBO: “Edir Macedo foi aliado do Lula e do PT desde o segundo turno de 2002 e o partido, criado em 2005, foi da base dos dois governos Dilma. Só saiu quando Dilma estava à beira do precipício”. Ou seja, foi só quando pularam para o outro lado, concorrendo diretamente com os “progressistas”, que eles passaram a representar o que há de pior na política nacional. Até então eram companheiros, camaradas, aliados.
Em primeiro lugar, portanto, é preciso reconhecer que existem vários grupos evangélicos, não algo monolítico como alguns pensam. Em segundo lugar, é importante ter em mente que a Universal é o grupo mais “pragmático”, no sentido pejorativo do termo, ou seja, disposto a se adaptar dependendo das circunstâncias, como faz o PMDB.
Por fim, é necessário ter em mente que a “bancada evangélica” carrega uma mensagem moral mais conservadora que, no atual momento do país, em meio a essa revolução cultural imposta pela esquerda, representa um bom freio a essa agenda “progressista”. Diz Mariano sobre a vitória de Crivella:
É uma vitória muito notável por seu caráter simbólico, já que o Rio é uma vitrine mundialmente conhecida. É também uma vitória de um bispo da Igreja Universal, que é uma denominação controversa mesmo dentro do meio evangélico, criticada por vários setores da mídia e por membros de movimentos feministas, do ativismo LGBT, de defensores de direitos humanos.
Quem se coloca contra os movimentos feministas, LGBT, raciais etc? Justamente os evangélicos. Nas favelas, muitas vezes o morador tem como alternativas apenas o traficante ou o pastor. Quem carrega uma mensagem melhor do ponto de vista moral? Não esqueçamos Roberto Jefferson contando o que viu de dentro da prisão: o PSOL tenta corromper todos com seu discurso de vitimismo, como se a culpa do crime fosse do “sistema”, enquanto os evangélicos ao menos tentam recuperar esses bandidos, mesmo que sob o preço do dízimo depois. Não é melhor?
Um amigo meu do mercado financeiro me mandou a seguinte mensagem outro dia:
Fala Rodrigo, tudo bem? Tenho tentado encontrar uma visão mais objetiva dessa coisa de IURD. Diferente do Estado, ninguém é obrigado a se filiar à igreja. E se fosse esse horror todo, o “turnover” de fiéis seria muito maior e ela não seria tão bem sucedida. Esse troço é um tipo de “welfare” voluntário. As pessoas gastam dinheiro, mas em troca têm uma rede de proteção física (ajuda a desempregados, alcoólatras, mulheres que sofrem violência etc.) e psicológica (minha vida aqui é horrível, mas o pastor me salvou). O que incomoda muito as pessoas (inclusive eu!) é que os pastores ficam com uma parte grande da grana em troca de um benefício altamente questionável do nosso ponto de vista. Mas entre escolher dar dinheiro pra uma igreja ou ser forçado a dar dinheiro para o Estado, fico com a primeira opção todos os dias (obviamente escolheria não dar dinheiro nenhum). Conheço bastante gente humilde que foi salva da desgraça por esse sistema. Enfim, não tenho certeza do que estou falando, mas fica aí a provocação.
Acho que ele tem um ponto. Silas Malafaia já disse isso numa entrevista para a Marilia Gabriela: se esses pastores e igrejas não oferecessem nada de valor em troca, você acha que tanta gente seria idiota de continuar contribuindo de forma voluntária? Talvez o “progressista” tenha essa imagem sim, de que são todos umas bestas, enquanto ele é o esclarecido, colaborando com os partidos socialistas, com a quadrilha petista…
Tenho alguma implicância com certos pastores e crentes? Sem dúvida. Tenho receio do projeto político de poder dessas igrejas? Com certeza. Mas nem por isso farei o jogo de seus maiores adversários, concorrentes, que são os socialistas. Entre o Kit Gay do Haddad e os evangélicos, fico com os últimos, sem dúvida. Entre a “identidade de gênero” e o conservadorismo moral religioso, escolho este em vez de aquela, sem pestanejar.
Em suma, se temos uma esquerda organizada, ideológica, religiosa, tentando usar o estado para impor à força sua visão tacanha de mundo, e se os evangélicos representam um obstáculo a esta agenda podre, uma grande barreira, então não vou ajudar os “progressistas” a destilar preconceito contra os crentes e deixar o caminho livre para seu totalitarismo socialista. Posso discordar de muitas coisas que vejo nessas igrejas evangélicas, mas sinto ojeriza do que observo nesses movimentos coletivistas em nome das “minorias”.
Espero que um dia as escolhas não sejam tão limitadas assim, especialmente pela ótica de um liberal clássico. Mas entre Crivella e Freixo, fico com Crivella. Entre Silas Malafaia e Lula, fico com Malafaia. Entre o pastor Everaldo e Chico Alencar, é o pastor na cabeça! Entre Bolsonaro e Jean Wyllys, claro que vou de Bolsonaro! E por aí vai.
Essas escolhas não representam, obviamente, a legítima direita que defendo, tampouco um conservadorismo que mereça tal rótulo. Ainda assim, chamando do nome que quiser, é bem menos pior do que o lulopetismo, o socialismo, o “progressismo” hedonista e imoral dessa esquerda radical que vinha controlando a política, a imprensa e a cultura no país há décadas. Detonar os evangélicos, hoje, significa ajudar essa corja, e isso eu não vou fazer nunca.
Rodrigo Constantino