Por Roger Scruton*
No momento em que a paz foi estabelecida após 1945, com a Alemanha em ruínas e os Estados-nação do Leste Europeu sob rígido controle soviético, uma espécie de consenso foi surgindo entre a nova classe política – categoria que foi incumbida de reconstruir as nações derrotadas. Segundo esse consenso, a Europa foi dilacerada pelo nacionalismo e o futuro do continente poderia ser garantido somente se as lealdades nacionais, que provocaram tanta beligerância, fossem serena e discretamente substituídas por outra coisa.
Entretanto, a reação contra o nacionalismo era correta? Respondendo laconicamente à minha indagação: nacionalismo, como uma ideologia, é perigoso apenas à medida que as ideologias são perigosas. Ocupa o espaço deixado vago pela religião e, ao fazê-lo, estimula o verdadeiro crente a venerar a ideia nacionalista e buscar nesta concepção aquilo que ela não pode oferecer – o propósito último da vida, o caminho da redenção e o consolo para todas as aflições.
Para as pessoas comuns, que vivem em livre associação com seus semelhantes, “nação” significa simplesmente a identidade histórica e a lealdade que as une no corpo político.
Há alguém mais importante do que a maioria, especificamente, o indivíduo que dela discorda. Devemos protegê-lo. Ele é o único que pode levantar a questão que nenhuma multidão quer ouvir, isto é, se ela está com a razão.
Uma identidade comum abranda a divergência. É o que torna possível o antagonismo e, consequentemente, a discussão racional. É o fundamento de qualquer modo de vida em que a solução conciliatória é a regra, não o despotismo.
O Estado-nação, como o concebemos, é o subproduto da sociabilidade moldada pela “mão invisível” dos incontáveis acordos firmados entre as pessoas que falam a mesma língua e vivem próximas. É o resultado das soluções conciliatórias obtidas após muitos conflitos e expressa a concordância construída vagarosamente entre vizinhos, tanto para garantir o espaço do outro quanto para proteger essa área como um território comum.
A União Europeia nasceu da crença de que as guerras na Europa foram causadas pelo sentimento nacionalista e que era necessária uma nova forma de governo transnacional que unisse os povos em torno de interesses comuns em uma coexistência pacífica. Infelizmente, as pessoas não se identificavam dessa maneira.
A União Europeia, que se propôs a transcender tais lealdades, por esse motivo sofre uma permanente crise de legitimidade.
Por que a experiência de um governo federal, que na Europa resultou em um império injustificável, conduziu a uma democracia viável nos Estados Unidos? A resposta é simples: porque o federalismo norte-americano não criou um império, mas um Estado-nação.
Isso foi possível porque a comunidade norte-americana instituiu um estado de direito secular, uma jurisdição territorial e um idioma comum em um lugar em que as pessoas reivindicavam como sendo a sua pátria (lar).
Em suma, a democracia exige fronteiras, e as fronteiras precisam do Estado-nação.
O commom law dos anglo-saxões, por exemplo, do qual as leis emergem da resolução dos conflitos locais e não pela imposição do soberano, tem uma ampla função a cumprir ao favorecer a compreensão inglesa e norte-americana de que a lei é propriedade comum de todos aqueles que residem dentro de sua jurisdição, em vez de ser uma era invenção de padres, burocratas e reis.
O aspecto essencial sobre as nações é que crescem de baixo para cima por hábitos desenvolvidos a partir da livre associação entre vizinhos e que resultam em lealdades que são anexadas ao lugar e à sua história, e não à religião, à dinastia ou, como na Europa, a uma classe política que se autoperpetua.
As histórias são fruto de uma lealdade compartilhada, não a sua criadora. Não acontecem porque são críveis; são críveis porque a lealdade delas necessita.
Por essa razão, os mitos nacionais tendem a ser celebrados de três maneiras: narrativas de glória, narrativas de sacrifício e narrativas de libertação, cada qual representado nos livros de história da época.
O que os movimentos islamitas prometem aos seus adeptos não é cidadania dentro de uma jurisdição territorial, mas irmandade – ikhwan – sob o reinado de Deus.
As distinções que tenho feito entre a herança política ocidental, baseada na lei secular, na cidadania e no Estado-nação, e a visão islâmica tradicional, ancorada na lei divina, na irmandade e na submissão à fé universal, são, obviamente, apenas uma parte da história.
O mundo islâmico, contudo, mantém uma desconfiança em relação às divisões nacionais impostas pelos poderes ocidentais e pelas Nações Unidas. Era inevitável, portanto, que os islâmicos voltassem o seu ressentimento contra o Ocidente, visto como o criador e incutidor de uma ordem política de natureza diversa.
É a essa “cultura de repúdio”, como a chamo, que devemos atribuir os ataques recentes contra o Estado-nação e à ideia de nação. O conservadorismo, no entanto, é uma cultura de afirmação. Diz respeito às coisas que valorizamos e que queremos defender. Qualquer um que compreenda o que está em jogo no conflito global atualmente em curso, creio, verá que a nação é uma das coisas que devemos manter.
* Trechos do capítulo “A verdade no nacionalismo”, de Como ser um conservador.
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