• Carregando...
Em defesa do federalismo. Ou: Quem é o presidente da Suíça?
| Foto:
Suíça, ícone do modelo federalista descentralizado

Dando continuidade à homenagem ao economista Gordon Tullock, que morreu nesta segunda, segue o segundo texto com base em suas ideias, que consta no meu livro Uma Luz na Escuridão, dessa vez em defesa da descentralização de poder, tão necessária para nosso Brasil centralizador:

Em defesa do federalismo

“O federalismo limita a restringe a força soberana dividindo-a e delegando ao governo somente alguns direitos definidos.” (Lord Acton)

O federalismo normalmente está associado aos modelos de governo americano ou suíço, mas há vários outros exemplos no mundo. Resumidamente, significa uma divisão de tarefas de governo, entre funções que devem permanecer centralizadas no governo central e atividades que podem ser desenvolvidas de forma mais eficiente pelo governo local. Respeita-se o princípio da subsidiariedade, deixando quem é mais capaz de cuidar do assunto fazê-lo. Vamos abordar as principais vantagens desse modelo descentralizado de tomada de decisão política.

Antes, porém, vale ressaltar que mesmo nos Estados Unidos esse federalismo, que foi fundamental para o desenvolvimento da nação, vem perdendo força. Entenderemos melhor o porquê disso também. Em 1900, o aparato estatal era muito menor que hoje, e o governo federal constituía somente cerca de um terço do total. Atualmente, com governos maiores em todos os níveis, o governo federal abarca cerca de dois terços do total das despesas federais e locais. Além disso, o governo federal exerce um controle bem maior sobre os demais, através de regulamentações e leis. Tem havido uma concentração de poder, que reduz a liberdade do povo e prejudica a eficiência do governo.

O argumento mais básico a favor do federalismo é bastante simples: muitas atividades do governo não necessitam de uma política abrangente nacional, que apenas encarece o processo e dificulta a tomada de decisão. Sem dúvida, é uma forma muito mais eficiente de lidar com problemas corriqueiros de cada local deixar que as pessoas mais diretamente afetadas tomem as decisões. Basta pensar nas regras de um condomínio, ou no sistema de transporte público. Por isso que nos Estados Unidos e na Suíça há plebiscitos sobre muitos assuntos meramente locais. A decisão sobre a construção de novas escolas ou de projetos rodoviários é freqüentemente submetida aos eleitores de cada cidade, município ou cantão.

Há também um argumento mais teórico a favor do federalismo. O eleitor é apenas um entre milhões nas eleições presidenciais. É evidente que sua influência é quase nula no contexto geral, e isso reduz seu interesse na busca por maiores informações sobre os candidatos. Sua participação é ínfima, e tudo é muito distante. Quanto mais próximo dele, e quanto mais ele sentir que tem peso na decisão, mais ativa será sua participação. A importância do cidadão é gradualmente maior à medida que tratamos de níveis de governo cada vez menores. Muitos participam da reunião de condomínio, pois o poder de voto de um indivíduo pesa. Quando passamos para a Câmara dos Vereadores, o interesse já despenca, tendendo ao nulo quando falamos da distante Brasília.

Uma enorme vantagem do federalismo é o poder de “votar com os pés” que os indivíduos possuem. Sendo os residentes livres para morar onde quiserem, os vários governos são forçados a competir entre si. A concorrência é uma característica básica do federalismo, e ela é sempre desejável, pois na sua ausência resta o ineficiente e acomodado monopólio. A Alemanha Oriental, comunista, estava sendo “despovoada” pelos seus cidadãos, que estavam justamente “votando com os pés”. A resposta foi o Muro de Berlim, cujo colapso foi comemorado por todos, com a exceção dos servidores públicos de lá. A liberdade básica de ir e vir, aliada ao poder maior a nível local, estimula uma saudável competição entre os governos. Os serviços acabam tendo qualidade superior a um custo tributário mais baixo, pois tanto os benefícios como os custos serão pesados na hora de decidir onde morar ou abrir uma empresa.

Os governos locais podem ainda terceirizar muitas atividades, delegando ao setor privado certas tarefas, o que garante maior eficiência. A coleta de lixo é o exemplo mais óbvio, mas existem outras infinitas atividades que podem ser efetuadas com custo menor e qualidade maior pelas empresas privadas. Até mesmo penitenciárias entram nessa lista. Em geral, não ocorre mais terceirização pela resistência dos entrincheirados funcionários públicos, que não apreciam a idéia de perda do emprego ou poder. Assim, acabamos tendo governos menos eficientes e mais corruptos. Mas o federalismo, ao estimular uma competição entre eles, dificulta esse conservadorismo maléfico.

Se o federalismo é tão melhor, e até mesmo Charles de Gaulle o defendeu, por que na prática é complicado chegar lá? São algumas possibilidades de resposta, mas uma das principais é que os burocratas do governo central obviamente desejam aumentar seu poder, e os burocratas locais muitas vezes gostariam de ser parte do governo federal, pressionando na mesma direção. Se o cidadão não exercer seu papel, pressionando, votando em partidos que pregam uma descentralização do poder, a lei natural será nos afastarmos do federalismo, com o governo central decidindo sobre os mínimos detalhes, de forma mais ineficiente e corrupta. O Brasil já é um caso triste de absurda concentração de poder no governo central.

Um erro intelectual por parte de muitos eleitores não ajuda também. Eles parecem acreditar que o dinheiro do Estado cai do céu, e pressionam sempre o governo federal para mais projetos e gastos, ignorando que esse custo vem de todos. A visão acaba sendo míope, focando apenas nas vantagens dos projetos locais de interesse, considerando o custo deles baixo quando pulverizado entre toda a nação. Mas no somatório dessas ações, o resultado é claramente desvantajoso para a maioria, sem falar que isso estimula uma verdadeira “guerra de grupos”, cada um lutando por seus interesses no poderoso governo central. Quando o foco e o poder voltam para a esfera local, há maior preocupação com os custos, pois dói no bolso. Ninguém fica defendendo inúmeras obras no condomínio, pois sabe que elas vão sair do próprio bolso. Quando o poder é centralizado, e o dinheiro é da “viúva”, as pessoas começam a defender uma infinidade de gastos sociais, assistencialistas, obras públicas etc, pois não enxergam diretamente onde recai o custo disso tudo.

O federalismo é, de longe, o melhor modelo de divisão de poderes. A concentração do poder gera corrupção e ineficiência, além de suprimir cada vez mais as liberdades individuais. Precisamos, urgentemente, pressionar mais para que o poder chegue realmente onde deve: no povo. Isso não ocorre votando-se em políticos que defendem maior concentração de poder em Brasília. O poder é do povo quando cada um decide sobre o que realmente importa para si, arcando também com os custos disso. O federalismo é que garante tanto esse direito de escolha, como o dever de bancar a escolha feita.

PS: Absolutamente ninguém saberia dizer quem é o presidente da Suíça! Isso ocorre pois não há um, e sim um colegiado com sete representantes. Apenas por isso a “democracia direta” não resvala no autoritarismo demagógico por lá, pois os cantões têm bastante poder e o governo federal menos.

Rodrigo Constantino

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]