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Empalados por Vlad: a Rússia de Putin
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Um sujeito que chega a diretor da KGB aos 32 anos é um cabra mau. Com esse pano de fundo estudei a Rússia de Putin por alguns anos, enquanto cobria seu mercado acionário em uma gestora de recursos. Isso já faz um bom tempo, mas desde então, acompanhando só en passant os acontecimentos locais, minha impressão de Putin só piora. A Rússia é um país dominado pela máfia. A KGB não morreu; só mudou de nome, mas continua no poder. É a prova de que o capital nada pode contra o poder político. Quem controla o aparato estatal, controla tudo nesses países sem sólidas instituições republicanas.

Eis que mais um opositor de Putin foi assassinado, tudo planejado meticulosamente. Não posso ser leviano e acusar o poderoso Putin, mas há suspeitas estranhas no ar. O mesmo tipo de suspeita que paira sobre o governo de Cristina Kirchner com a morte de Alberto Nisman, o promotor argentino que estava prestes a denunciar o envolvimento da presidente com o regime iraniano para acobertar um ato terrorista do passado. Ou a mesma suspeita que persegue o PT com o assassinato de Celso Daniel. Coisas que fazem os livros de ficção de Sidney Sheldon parecerem pouco criativos.

Escrevi, lá atrás, um texto sobre o perfil de Putin, constatando que nada me surpreenderia vindo desse filhote da KGB. Não podemos desprezar o maquiavelismo dessa gente, forjada nos porões do regime comunista, com a crença de que os fins justificam quaisquer meios. A vida de Putin daria um incrível filme, digno do melhor 007. Um vilão que nem Ian Fleming pensaria em criar. Segue o texto:

Empalados por Vlad

“É muito melhor ter inimigos declarados que amigos velados.” (Napoleão Bonaparte)

Conta a História que o príncipe da Valáquia, Vlad Drakul, que reinou na Romênia no século XV, não ficou famoso como cruel e implacável à toa. Somente no dia de São Bartolomeu, Vlad teria mandado torturar, empalar, esfolar e assar cerca de trinta mil pessoas. Traído pelo próprio povo, foi preso, e conta-se que ele “brincava” de empalar ratos em sua cela. Tão assombrosa foi a figura do príncipe, e não conde, que Bram Stocker nele se inspirou para criar “Drácula”, eternizando fatos e mitos desse mestre da empalação.

Em 2000, assumiu a presidência da Rússia Vladmir Putin, ex-diretor da KGB. Seu governo tem sido um misto de viés liberal, com decentes reformas em áreas cruciais, lideradas pela facção de São Petersburgo, e um retrocesso assustador no típico estilo soviético, apoiado pelos siloviki. Muitos vem tentando interpretar Putin, ora justificando suas ações anti-democráticas pelo contexto russo, ora acusando-o simplesmente de ditador. No meio do terremoto, fica complicado dar um parecer com muita convicção, dado que existem argumentos convincentes de ambos os lados. Mas uma coisa é certa: o estilo de Putin ao combater um suposto inimigo torna a analogia com Drácula pertinente, ajudada ainda pelo nome igual.

Após a queda do regime genocida dos bolcheviques, que dominou a Rússia por 70 anos, seguiu-se um período de vácuo de poder, quando Yeltsin foi presidente. Como o risco do retorno dos comunistas não era nada desprezível, a turma liberal pressionou Yelstin para tocar um amplo programa de privatizações às pressas, sendo uma das principais cabeças por trás do plano o sério economista Chubais, assim como Gaidar. No calor do momento, a necessidade substituiu o planejamento calculado, e foram distribuídos para a população inúmeros vouchers, títulos que davam direito aos ativos estatais. Tamanha pulverização, com assimetria de informação, e gigante demanda reprimida por anos de comunismo, possibilitou que poucos oportunistas comprassem com enorme desconto esses títulos, tornando-se grandes sócios das principais empresas. Na crise de 1998, com o governo quebrado e sedento por dólares, esses poucos milionários influentes iriam fechar acordos vantajosos, praticamente criminosos. Emprestaram dinheiro para o governo, e em troca tiveram como garantia as ações estatais que controlavam ainda as principais empresas russas. Porém, todos sabiam que o governo não teria condições de pagar, e assim os ativos passaram para as mãos privadas, a preço de banana. O escândalo ficou conhecido como loans for shares, e representaria a criação da nova classe dominante russa: os oligarcas.

Esses oligarcas iriam lembrar muito a máfia siciliana, nos velhos tempos. Eram poucos homens, sendo que os mais poderosos, apenas sete, encontravam-se em Sparrow Hills para decidir o futuro da nação. O líder, na época, era Berezovsky, a típica figura de um mafioso. Ele foi calculista em sua estratégia de infiltração no Kremlin, aproximando-se antes da filha de Yeltsin, e depois conquistando a confiança deste. Sua influência chegou ao ponto de afirmarem que a escolha do sucessor de Yeltsin foi obra do próprio, Berezovsky, que avaliou principalmente a lealdade de Putin. Mas o destino prega peças interessantes, e Berezovsky foi o primeiro oligarca a ser perseguido por Putin, que aparentemente não tinha nos planos pessoais ser apenas uma marionete dos oligarcas.

Em seguida foi a vez de Gusinsky, poderoso oligarca no setor de mídia. Putin declarava considerar a televisão uma das armas mais ameaçadoras na Rússia, e durante sua vergonhosa guerra na Chechênia, a cobertura dos canais de Gusinsky iriam representar um entrave aos planos de Putin. O oligarca foi perseguido numa operação cinematográfica, envolvendo centenas de seguranças particulares em confronto com a polícia. Depois se seguiu uma pressão asfixiante a Gusinsky, já preso, envolvendo até ameaças à sua família. Este “aceitou” vender suas empresas por preço irrisório, e acabou fugindo do país. Os dois principais oligarcas estariam foragidos, e a mídia seria praticamente monopólio estatal. Mas isso era pouco.

Khodorkovsky era o oligarca mais rico, dono da Yukos e de uma fortuna estimada em mais de $10 bilhões. Suas ambições não pareciam satisfeitas, entretanto, e alguns especulavam que ele pretendia ser presidente. Bancava o liberal Yabloko e o Partido Comunista, lados bem opostos ideologicamente. Privatizar a Duma era seu objetivo, acusavam alguns. E nessa empreitada, os planos de Putin estariam no caminho. O confronto parecia evidente. O desfecho também. Em uma chuva de acusações, que passou por assassinato a mando de sócios de Khodorkosky, evasão fiscal e tudo que se pode imaginar, o oligarca acabou preso e sua empresa destruída. O total de impostos devidos pela Yukos, segundo o governo, ficou em $24 bilhões para os anos de 2000 a 2003, quase a totalidade da receita da empresa no período! A empresa teria utilizado esquemas de otimização fiscal que ferem o espírito da lei, coisa que todos fizeram. Mas o império da lei parece ser bem seletivo. O caso da Yukos deixou evidente a motivação política, com todas as barreiras possíveis sendo colocadas para impedir a empresa de pagar o absurdo valor exigido. Confisco é a única palavra que se aplica, sem eufemismos. No extremo, até os diretores estrangeiros da empresa fugiram, lembrando os tempos bolcheviques em que a família Nobel teve que sair às pressas para a Finlândia, abandonando quase 3/4 de século de presença dominante no setor petrolífero russo. Mais um importante oligarca saía de cena, devidamente “empalado”.

A Rússia experimentou ainda um dos seus piores atentados terroristas dos últimos tempos, com várias crianças morrendo em uma operação catastrófica da polícia. A guerra com os chechenos tem sido duradoura e desgastante, mas a escassa cobertura da mídia funciona como uma proteção da popularidade de Putin. A capital da Chechênia chegou a ser totalmente arruinada, e os militares russos são constantemente acusados de abusos grotescos. Após o atentado na escola de Beslan, Putin propôs medidas que fazem o Ato Patriótico americano, criticado por muitos, parecer a coisa mais liberal do universo. Entre outras propostas, está o fim de eleições para governadores, que passarão a ser apontados diretamente pelo presidente. Uma total concentração de poderes, abolindo o federalismo na prática. Alguns justificam que o semi-feudalismo existente no país era um grande obstáculo na aprovação de reformas necessárias. Mas tal concentração de poder não deixa de dar calafrios aos defensores da liberdade.

Pode ser que existam justificativas razoáveis por trás de medidas tão autoritárias de Putin. Muitos argumentam que tais oligarcas impossibilitavam a Rússia de entrar numa democracia verdadeira, controlando a Duma. Outros dizem que a Rússia precisa de uma mão firme, e que o povo depende, acostumado, de um Estado forte. E tem os que entendem que a centralização do poder era o único caminho para colocar a Rússia numa trajetória mais justa e democrática. Mas pode não ser nada disso. Pode ser simplesmente uma retomada dos anos de chumbo, da cortina de ferro, do totalitarismo. O recado para os demais oligarcas está claro: siga as ordens do Kremlin…. ou morra! Isso caracteriza o fascismo, onde a empresa pode ser privada, mas obedece ao governo como um cachorrinho adestrado. Se Putin irá utilizar tamanho poder para fazer de fato as reformas necessárias para o país ainda é uma incógnita. O recente anúncio de atraso na privatização do fundamental setor elétrico não corrobora essa hipótese. Mas uma coisa parece certa, sem espaço para dúvidas: o próximo oligarca que desobedecer Putin, que tentar enfrentá-lo, terá o mesmo destino que os demais. Será empalado por Vlad.

Rodrigo Constantino

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