Quando me mudei para a Barra, em 1982, o bairro era bem diferente de hoje. Havia muito espaço vazio, mas um enorme empreendimento já estava lá: O BarraShopping. Quantas memórias daquele cinema e daquela praça de alimentação! Só mesmo alguém muito empreendedor e ousado para construir um colosso daqueles na Barra da Tijuca daqueles idos anos 80.
Isaac Peres, o fundador do grupo Multiplan, enxergava longe, e tinha bastante coragem para apostar em algo assim. Pensei nisso ao ler sua entrevista ao GLOBO de hoje, ele que é conhecido por sua discrição e costuma fugir dos holofotes. As respostas mostram a tensão com o atual momento do Brasil, claro, pois um empresário desse patamar não pode ser um alienado; mas dá para perceber que os contratempos não o intimidam.
Quem já sobreviveu a tanta tempestade causada por governos irresponsáveis sabe que é preciso olhar lá na frente para continuar avançando. Eis a crucial diferença entre um intelectual e um empreendedor: este não pode se dar ao luxo de ser um pessimista inveterado como aquele. Claro que o intelectual honesto, que aponta os defeitos e faz alertas dignos de uma Cassandra, tem seu papel, pois impede a negligência dos demais. Só que para criar riqueza é necessário não ignorar, mas sem dúvida mitigar todos esses alertas e apostar na capacidade da sociedade de superar os obstáculos. Sem isso não há investimento produtivo.
Outra coisa que transparece na entrevista também é o cuidado do empresário ao criticar o governo. Devido ao seu tamanho, e ao enorme poder arbitrário do governo brasileiro, não poderia ser diferente. Nenhum empresário pode se dar ao luxo de se tornar um inimigo do partido no poder, e é preciso cautela na hora de colocar os pingos nos is. Para isso existimos nós, os críticos independentes que podem ligar a metralhadora giratória e colocar em palavras claras e diretas aquilo que muitos desses empresários sem dúvida gostariam de dizer. Vamos, então, aos trechos de destaque na entrevista, com meus comentários em seguida:
O Brasil não tem verdadeiramente um problema econômico, mas político. O país tem tudo: reservas internacionais, grau de investimento, recursos naturais, indústria, setor terciário expressivo, empresários diversificados. O maior problema é a educação. A questão central na atividade e em tudo na vida é massa cinzenta. O que o Brasil precisa é de capacidade empresarial, pessoas que tenham capacidade de transformar riqueza natural em atividades produtivas. O Brasil não está crescendo. Está enterrado numa série de coisas. Agora mesmo se discute a questão da terceirização, que já existe no mundo inteiro. Uma companhia tem que contratar outras empresas que têm um grau de conhecimento e especialização maior em cada atividade que não é a dela. Já passamos do tempo em que a empresa vivia uma época totalmente vertical. Se você perde o foco, perde sua capacidade produtiva e competitiva.
A crise é tanto econômica quanto política, mas entendo o ponto do empresário: a economia vai mal e passa por uma fase necessária de ajustes, mas sem mudança política isso não vai adiante. Ou seja, o Brasil tem muito potencial econômico, só que a política atrapalha. A mentalidade contra o empreendedorismo em nada ajuda. O caso da terceirização, citado pelo empresário, é um ótimo exemplo. O Brasil ainda não acordou para o mundo globalizado. Vive de preconceitos sindicais, de ranço esquerdista. Sem mudança de postura, todos os recursos naturais serão apenas isso, recursos inexplorados da natureza, e não riqueza efetiva.
A inflação é um tema que o preocupa? Está afetando o consumidor?
Muito. Ela afeta o consumidor. Mas o ruim da inflação é que desorganiza a economia, desestrutura. Você vai fazer um planejamento e não tem ideia exata de quanto vai gastar, de como estará o mercado consumidor em dois ou três anos. Ainda temos a oportunidade de voltar a uma inflação mais domesticável, de 4% a 5% (ao ano). Mas o ideal é o Brasil voltar a ter juros civilizados. Temos mais de 13%, e isso rouba a capacidade competitiva, além de onerar a produção. Mas entendo que, neste momento, o Banco Central tem que ser duro, o ajuste fiscal tem que ser duro.
A inflação é o pior imposto que existe, pois disfarçado e incidente de forma desproporcional sobre os mais pobres. É uma política deliberada de governo, e cabe ao Banco Central evitá-la. A taxa de juros alta é um sério problema para os empreendedores, pois o custo de oportunidade para investir fica muito elevado, mas é mais um sintoma do que causa dos males. Não se pode reduzir a taxa de juros na marra, artificialmente, como Dilma fez no primeiro mandato. Deu no que deu: uma taxa ainda maior na frente. É preciso atacar o mal pela raiz, ou seja, cortando os gastos públicos.
O consumidor não está tão retraído ainda por causa da inflação, pelo menos no nosso setor. Oitenta por cento da nossa atividade trabalham com as classes A e B, que sentem menos o efeito da inflação. Mas as pessoas estão inseguras, do meu ponto de vista, por diversas razões. A primeira é o medo do desemprego. E quem olha do ponto de vista político está preocupado com o rumo que o país vai tomar. Somos uma economia de mercado. Uma democracia que precisa se consolidar e está se consolidando. Mas há muitas coisas no ar. Quando se fala, por exemplo, em regular a mídia. A gente sabe perfeitamente como são outros países da América Latina. Começa com essa história de regular a mídia e depois toma conta do conteúdo. Como vai ser a reforma política é outro elemento que traz certa insegurança a quem investe a longo prazo. A outra questão que é um fantasma que paira sobre nós é o ajuste fiscal, porque, se nós não fizermos o dever de casa, vamos perder o grau de investimento. Se perdemos, vamos voltar 20 anos para trás.
As incertezas em relação ao futuro assustam mais o empreendedor do que qualquer coisa. Ele precisa ter um mínimo de confiança nas regras do jogo, na solidez da democracia. Ao citar a constante ideia petista de controlar a imprensa, e lembrar de outros casos latino-americanos, Peres toca no nervo da questão: o bolivarianismo é um risco que ainda paira no ar, asfixiando o apetite de nossos investidores. O risco de o próprio PT e a base aliada do governo não conseguirem aprovar o ajuste fiscal também é mencionado, pois sem essa mudança, sem esse estelionato eleitoral, o país certamente perderia o grau de investimento e isso seria caótico. O governo Dilma plantou as sementes dessa confusão toda.
Eu sou um subproduto de uma desordem econômica. Sou empresário há 50 anos e vivi com todo regime que se pode imaginar: congelamento de preços, inflação de 200% e de 1.000%, “n” planos econômicos, foram cortados não sei quantos zeros (das moedas). E nós crescemos, apesar da inflação. Não vejo, do ponto de vista estrutural, cenário no Brasil pior do que vivemos no passado, falando da época anterior a Fernando Henrique Cardoso. Todo o esforço fiscal que está sendo feito, estamos no caminho certo. A questão central no Brasil hoje não é nem a economia, mas a confiança. O empresário está retraído porque se sente inseguro a respeito de contratos, por exemplo. Resgatar a confiança é a palavra certa. O Brasil ainda pode crescer 5% a 6% ao ano. O fundamental é ter uma gestão econômica que dê confiabilidade ao investimento. Se o estado cuidar bem de educação, segurança e saúde, o resto vem. Acho que assim que a economia melhorar um pouco, os empresários darão um grande salto. Mas é importante haver cortes de despesas no governo. Não adianta só pedir esforço fiscal da sociedade.
Aqui o empreendedor mostra sua cara, ao se afastar da árvore (podre) e vislumbrar toda a floresta. Sim, o Brasil não está nada bem. Diria que está bem doente mesmo. Mas quem já passou por tantos planos, por hiperinflação, por congelamento e confiscos, sabe que vai superar o petismo também. E a receita oferecida não poderia ser mais acertada: colocar o governo cuidando do básico, como segurança, saúde e educação (de preferência por meio de vouchers, deixando a oferta com a iniciativa privada), além de garantindo regras claras e previsíveis, e deixar o restante com o setor privado. Liberalismo na veia!
O governo do PT avançou muito nas questões sociais e se excedeu nessas questões. Fez mais do que era necessário. Isso produziu um gasto que o governo não tem mais como pagar. Não pode ter aquela coisa de o sujeito trabalhar seis meses e pedir seguro-desemprego. A carga tributária também é acachapante e isso vai tornar as empresas menos produtivas e competitivas. E só tem uma maneira, é reduzindo o peso do Estado. Precisamos de 39 ministérios?
Aqui entramos provavelmente naquela seara do que certos empresários simplesmente não podem dizer. Repetir que o PT fez muito pelo social, até “em excesso”, é uma forma sutil de acusá-lo de populismo. Os gastos públicos explodiram sob o PT, e geraram esse rombo nas contas públicas. Só há uma saída: reduzir drasticamente o tamanho do estado.
Essa questão que estamos vivendo hoje (a corrupção) mata mais do que o crime nas ruas, porque são hospitais e escolas que deixam de ser construídos. Existe outro lado que é tão grave quanto a corrupção, que é a burocracia.
Corrupção é subproduto de excesso de governo, baixa transparência e impunidade. Sob o PT, tudo isso piorou muito, mas ao menos temos instituições de estado funcionando ainda, e punindo os corruptos, ainda que parcialmente. Claro que seria fantástico ver “o chefe” atrás das grades, mas vamos avançando aos poucos. E eis a marca do empreendedor: ao olhar 20, 30 anos à frente, ele leva em conta essas mudanças graduais, muito aquém do que um intelectual esclarecido ou um economista gostariam, é verdade, mas na direção certa.
Parênteses: como fica claro, o discurso esquerdista de que empresário é ganancioso e só pensa em maximizar seu lucro no curto prazo é mais uma grande ladainha. Mesmo um bilionário como Peres demonstra preocupação com o futuro distante, pois deseja ver sua criação, seu empreendimento, prosperar ao longo do tempo, deixar seu legado, sua marca, preservar os empregos criados. Normalmente é o político que terá visão míope de curto prazo, pois só pensa nas próximas eleições. Fecho parênteses.
O que um empreendedor como Isaac Peres poderia fazer a mais num país menos hostil ao empreendedorismo, com menos impostos, menos burocracia, mão de obra mais qualificada, infraestrutura melhor e regras do jogo mais confiáveis? É essa pergunta que precisa ser feita. E quem a fizer em busca de uma resposta sincera, saberá que o caminho a ser adotado é o liberalismo.
Rodrigo Constantino