Apesar de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados analisar somente a admissibilidade da reforma da Previdência, deputados pressionam para que o governo, através do relator, exclua pontos polêmicos do texto já nesta primeira etapa de tramitação. A pressão é liderada pelo Centrão – grupo formado pelo PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade – e tem o apoio de siglas como MDB e PSD.
Esses partidos conseguiram adiar a votação da reforma no colegiado para a próxima terça-feira (23). A expectativa do governo era que o texto fosse votado antes do feriado de Páscoa, já que o relator, o delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), tinha apresentado um parecer recomendado a admissibilidade total.
Mas entre esta terça (16) e quarta-feira (17), líderes de partidos de centro começaram a pressionar o governo e o relator para que pontos que não têm relação com a Previdência, na visão dos partidos, sejam suprimidos do texto, ou seja, excluídos da reforma. Caso contrário, o governo poderia até mesmo perder a votação na CCJ.
A confusão gerada na CCJ ontem colocou todos em estado de alerta. Falta articulação, o PSL é um “saco de gatos” (ou ratos), e deputados alegam, nos bastidores, que as propostas de cargos do governo são constrangedoras e até ofensivas. O dólar subiu e a bolsa caiu por conta desse clima azedo.
O deputado Paulo Eduardo Martins chegou a desabafar nas redes sociais: “Depois do que ocorreu hoje durante a sessão da CCJ, sinto que a reforma da previdência foi para o espaço. Que Deus tenha misericórdia desta nação”.
O pessimismo está aumentando, pois muitos percebem que a “nova política” não vai ter sucesso. Se a tática for bancar a vítima purista de um Congresso corrupto, no estilo Jânio Quadros, o tiro poderá sair pela culatra. O povo vai sentir os efeitos negativos da rejeição da reforma e vai culpar o governo, o presidente.
O ministro Paulo Guedes, porém, não demonstra tanto pessimismo. Claro que se até ele jogasse a toalha era mesmo o fim. Ele precisa manter a esperança – e os trabalhos. Ele reconheceu que há “jabutis” na proposta, mas alegou que o mercado está errado, e que a reforma passa com economia perto de um trilhão mesmo:
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta terça-feira (17) que há “jabutis” na PEC da reforma da Previdência. Ele disse que apresentou um texto exclusivamente técnico e outros artigos foram incluídos pelo time político do PSL.
Sobre a revogação da “PEC da bengala” (aposentadoria compulsória de ministros do STF aos 75 anos), incluído no texto da PEC da aposentadoria, Guedes afirmou que “pode ter sido um jabuti e que pode ser recuado”. Ele deu entrevista ao programa de TV Central GloboNews.
No jargão adotado no Congresso, um tema sem pertinência com a matéria principal de um projeto costuma ser chamado de jabuti – alusão ao fato de que o animal não sobe em árvore sozinho, e se está lá é porque alguém colocou, por algum motivo.
Sobre a desidratação da PEC e a consequente queda na economia que ela representaria, Guedes afirmou que o “mercado está errado”. “Conta cada um faz a sua. Vamos economizar mais de R$ 1 trilhão”, disse.
“Se vier uma reforma menor e uma economia de R$ 500 mil [R$ 500 bilhões] ou R$ 600 mil [R$ 600 bilhões], vai ser uma reforma à la Temer”, disse, em referência à proposta apresentada pelo governo anterior, que foi desidratada na comissão especial da Câmara e nem chegou a ser votada em Plenário.
Tomara que Guedes esteja certo! Tomara que a reforma seja aprovada e sem muita desidratação. Mas, enquanto o ministro se esforça para salvar a coisa, o presidente prefere fazer “live” para falar de índio. Não discordo da mensagem, que fique claro. Bolsonaro está certo ao criticar as ONGs, a Funai e o Ibama, e também ao ameaçar demitir diretores:
“Assim como o povo brasileiro tem que dizer o que eu vou fazer como presidente, o índio tem que dizer o que a Funai vai fazer”, disse. “Se não for assim, eu corto toda a diretoria da Funai.”
O presidente voltou a defender a exploração mineral em terras indígenas,principalmente na área da reserva ianomami onde, segundo ele, há “bilhões ou trilhões de dólares” debaixo da terra. “A [reserva] ianomami, Raposa Serra do Sol [em Roraima], é riquíssima. Por isso que tem ONG dizendo que tá defendendo índio lá. Se fosse uma terra pobre, não teria ninguém lá. Como é rica, tá lá esses picaretas internacionais, picaretas dentro do próprio Brasil, picaretas dentro do governo, dizendo que protegem vocês”, disse, apontando para os indígenas. No vídeo, os índios defendem o direito de cultivar nas terras e produzirem atividades para geração de riquezas.
Bolsonaro criticou ainda a atuação de fiscais do Ibama, da Funai e de ONGs indigenistas. “Nossos irmãos, os mais humildes, trabalhando e sendo multados pelo Ibama. Por isso, junto com o [Ricardo] Salles, nosso ministro do Meio Ambiente, tomamos providências para substituir esse tipo de gente. Esse tipo de gente é brasileiro, não está preocupado com o meio ambiente”, disse Bolsonaro, que gravou o vídeo em pé, sem o habitual cenário que vinha adotando nas outras transmissões.
Segundo o presidente, existiria uma indústria de multas ambientais para favorecer ONGs. “Parte dessa multa vai para ONGs que dizem que é para fiscalizar a questão ambiental. Não é. Nós vamos acabar com esse percentual de multa que vai pra ONGs. ONG, se é não governamental, é fora do Estado, não vai ser conosco e ponto final”, disse.
Repito: concordo com o presidente! E reconheço que sua agenda é abrangente, que ele precisa atacar vários problemas de uma vez. Mas ao julgar pelo foco, pelas prioridades, parece que nem há uma reforma previdenciária subindo no telhado, e que ela não é crucial para o país e seu governo, questão de vida ou morte. Parece que estamos em condições normais de temperatura e pressão, para o presidente fazer “live” sobre índios num momento desses.
É preocupante. O partido do presidente é uma confusão só, com neófitos sem qualquer experiência liderando uma “articulação” ineficiente. O “centrão” fisiológico sente a fraqueza e aumenta o preço do apoio, enquanto os deputados mais sérios se sentem traídos ou abandonados. O mercado acusa o golpe e o dólar encosta novamente em R$ 4.
Sem apreender a urgência dessa pauta, o governo Bolsonaro vai naufragar antes de decolar. Mas tudo tranquilo: as “lives” vão receber muitos “likes” nas redes sociais da militância ideológica…
Rodrigo Constantino
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