Associações de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), prometem barrar no Congresso a proposta de emenda à Constituição (PEC) que coloca os conselhos profissionais como entidades da iniciativa privada, sem nenhuma relação com a estrutura da administração pública.
Na visão de algumas entidades, o texto enviado na semana passada acaba com a obrigatoriedade de inscrição em conselhos de fiscalização profissionais. Por isso, presidentes de órgãos de classe têm procurado apoio entre os parlamentares.
Assinada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a PEC prevê que não poderão ser estabelecidos limites ao exercício de atividades profissionais nem ser obrigatória a inscrição em conselho profissional, salvo quando a ausência de regulação caracterize “risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social”.
“Conselhos são entidades privadas sem fins lucrativos que atuam em colaboração com o poder público, às quais se aplicam as regras do direito privado e a legislação trabalhista”, diz trecho da proposta.
Atualmente, o Brasil tem mais de 900 ocupações reconhecidas, sendo que apenas 68 delas são regulamentadas por alguma instituição. Somando as entidades de abrangências nacionais e regionais, o Tribunal de Contas da União (TCU) contabiliza cerca de 600 conselhos profissionais.
O texto não estabelece que profissões poderiam continuar tendo a obrigatoriedade de inscrição mantida. Hoje, a exigência de que profissões precisam de aval de entidades de classe é determinada por leis federais e vale para categorias diversas, como médicos, engenheiros, advogados, corretores e músicos.
O Ministério da Economia argumenta que a PEC não muda em nada a estrutura atual dos conselhos profissionais e não tem o objetivo de impedir a continuação das suas atividades. Segundo o governo, o objetivo é deixar claro na Constituição que esses conselhos são entidades privadas, e não autarquias. Ou seja, constitucionalizar que o Estado não deverá se meter na regulamentação de qualquer profissão, mantendo a autorregulação para as atividades cujos conselhos estão previstos em leis.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o objetivo da PEC é “calar a advocacia e desproteger o cidadão”. Em nota, a OAB afirma que a proposta é “diametralmente oposta” à intenção de promover o desenvolvimento econômico e foi apresentada sem debate com conselhos e outros setores da sociedade.
“Ao desobrigar os profissionais da inscrição em seus respectivos conselhos, a proposta ceifa um dos mais importantes instrumentos de defesa da sociedade na fiscalização profissional. A fiscalização do exercício profissional não é obstáculo, e sim instrumento de fortalecimento das atividades e dos serviços prestados à sociedade”, afirma a entidade.
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Wellington Leonardo da Silva, disse que ao transformar os órgãos de classe em entidades privadas, o governo acaba com o “poder de polícia” dos conselhos e impede a fiscalização. “Um grupo privado não terá autoridade para fiscalizar profissionais. É mais um ataque ao mundo do trabalho. Já fragilizaram a Justiça do Trabalho, as regras trabalhistas, e agora querem acabar com sistema de fiscalização de profissões”, afirmou.
Ele defende que, apesar de terem características públicas, os conselhos têm autonomia orçamentária e não recebem repasses do governo. “Os conselhos vivem do que arrecadam, ninguém recebe nenhum centavo do governo”, afirmou.
Conheço alguns advogados sérios que acham que a OAB, apesar dos pesares, exerce uma função importante de filtro, e que sem esse filtro a qualidade dos advogados seria ainda pior, o que poderia prejudicar muito o andamento do sistema de Justiça.
Um desses amigos advogados disse: “Alguns conselhos são importantes. O advogado representa os interesses de alguém que busca defender os seus direitos. Uso a palavra na acepção mais estrita. Há uma obra famosa, de Rudolph Von Jhering, chamada A Luta pelo Direito (em inglês, The struggle for law). Esse livro dá a dimensão da importância do Direito para a sociedade. Certa vez, eu participei da correção do Exame da Ordem. É triste. Reprovamos mais de 80%. E não dava para passar. Os reprovados não tinham as condições básicas para defender os direitos dos cidadãos em juízo”.
Entendo o ponto e estou disposto a refletir sobre ele, mas por enquanto sigo com minha opinião de que esse tipo de imposição é antiliberal. Gosto da noção de “caveat emptor”, ou seja, que cada um assuma a responsabilidade pelo que escolhe. Só não vale fraude, ou seja, dizer que é uma coisa sem ser. Mas se o sujeito quer ser defendido por alguém que não tem a carteirinha da OAB, ou se prefere contratar para análises econômicas alguém que não se formou em economia, isso deve ser impedido?
No filme “Justiça Vermelha”, com Richard Gere, um empresário injustamente acusado de um crime na China procura se defender sozinho, pois percebe que pode estar sendo enganado pelos advogados. Ele resolve estudar o código penal e buscar argumentos jurídicos para seu caso. Conceitualmente falando, o que impede alguém de assumir como seu próprio advogado de defesa?
Podem alegar que, sem os devidos conhecimentos, isso pode gerar uma confusão danada e atrasar todo o processo. É verdade. Mas há a garantia de que por ter passado numa prova o sujeito seja mesmo mais eficiente? Ainda assim, entendo o argumento de quem considera esse um filtro relevante no caso da advocacia. Aqui nos Estados Unidos ninguém pode advogar sem o “BAR”, e vale notar que ele é estadual, ou seja, advogados não podem sequer atuar em outros estados sem passar antes no exame daquele outro estado.
O problema é que esses conselhos de classe não só viram mecanismos de reserva de mercado, muitas vezes impedindo gente mais eficiente de atuar no setor se não contribuir com a mensalidade, como propagam as ideologias mais retrógradas do mundo. A OAB mesmo vive tendo presidentes defensores do esquerdismo radical, até da quadrilha petista, a ponto de ser chamada jocosamente de Ordem dos Advogados Bolivarianos.
Já o meu “querido” Corecon… O panfleto que sou obrigado a contribuir defende do nacional-desenvolvimentismo até o marxismo puro, e chegou a apoiar abertamente o modelo venezuelano. Se no caso dos advogados há um argumento plausível, no caso dos economistas isso não faz o menor sentido: então o sujeito precisa de um selo oficial para atuar como economista?! Qual o sentido?
Conheço engenheiros com muito mais noção de economia do que doutores em Economia! Aliás, vejam só o estrago causado no Brasil por economistas cheios de títulos. E não custa lembrar que o “pai da economia”, Adam Smith, não era um economista.
Na prática, poucos desses conselhos merecem justificativa. Quase ninguém deseja um médico fazendo cirurgias sem ter o devido filtro profissional, ou no caso do advogado há o risco de prejudicar o andamento da Justiça, como vimos. Mas e tantos outros casos? Fica parecendo mesmo só reserva de mercado e esquema para bancar sindicalista.
Se um selo é tão importante, acho que o livre mercado pode cuidar disso, sem obrigatoriedade. As pessoas vão exigir o tal selo se ele de fato garante qualidade do serviço. Acho, portanto, que Paulo Guedes vai na direção correta, e era esperado que a turma prejudicada reclamasse. Todo prestador de serviço que é obrigatório e sem concorrência tende a se acomodar e ficar ineficiente.
Rodrigo Constantino