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Entre o cetro do poder e a coroa da honra
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Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal

Perguntaram-me, há mais ou menos um ano, por que não entrava no mundo político como um candidato. Guardei aquela possibilidade em minha alma e refleti sinceramente sobre a possibilidade — apesar de sempre dizer que minha missão seria puramente intelectual e não prática. Nesse ínterim conheci alguns homens e mulheres do aparato público de gestão; com alguns debati, com outros jantei e mantive contato, com outros brevemente conversei ou apenas troquei e-mails; mas pouca coisa fora tão nevrálgica quanto conhecer dois ex-assessores de alguns políticos nacionais de renome. O que eles me relataram — obviamente com palavras fugidias e ilações indiretas — foi uma espécie de dificuldade geral desses políticos em se manterem fora de esquemas, acordões e conchavos, apesar das suas sinceras vontades; dando a entender que, cedo ou tarde, todos cedem ou já cederam em algum momento a algum grau de corrupção.
Isto confirmou a minha eterna impressão de outsider: os políticos brasileiros vivem num limbo de caráter penosíssimo — apesar de conveniente. Aparentam lutar constantemente com as aparências artificialmente construídas por eles próprios, fazem negociatas e enrolam ataduras a fim de tapar os cancros deixados pelas jogatinas imorais do passado; andam a se esquivar de dardos envenenados de corrupção e conchavos. Uma vida não tão digna como os gregos queriam que acreditássemos. Numa conversa de bar qualquer, a impressão que os insiders me passaram é a de que jaz uma naturalidade nessa situação, um conformismo sem remorso diante da putrefação da moralidade; o elástico da ética, para esses sacrossantos homens e mulheres, estica mais do que os da mera plebe.

Assim como Jean Valjean, que fugia de Javert pelas sombras dos muros e esgotos de Paris, não demorando para se ver entranhado nas linhas de frente da primeira trincheira revolucionária que se apresentasse – assim vivem os homens públicos “cá” no Brasil. Ao mesmo tempo em que escodem seus passados e acordos obscenos no escuro dos esgotos do foro privilegiado, nos colos murados dos padrinhos de alta patente, vivendo na eterna alta tensão da expectativa de serem descobertos ou delatados; ao mesmo tempo, se empavoam diante da primeira câmera e microfone, com discursos grandiloquentes e querem mostrar o quão grandiosamente dignos são — esquecendo-se levianamente dos pacotes há pouco escondidos nos esgotos.

Dizem sustentar uma verdadeira revolução ao falar de moralidade em igrejas, de justiça social em fóruns, de ética pública em debates de uma opinião só, de direitos LGBT na Fátima Bernardes. Participam de feiras literárias com ares de sublimes intelectuais, posam de indiscutíveis letrados nas letras de sua turba partidária; no entanto, bem sabemos: sorriem num tom amarelo, amontoados em vergonhas inauditas e em hipocrisias tão evidentes que sequer comovem mais as suas últimas gotas de honra.

Lendo os jornais, tentando subtrair os fatos que geralmente jazem detrás dos penduricalhos ideológicos do redator, percebemos que assim como é impossível ir ao chiqueiro sem sair fedendo a porcos, da mesma maneira é impossível habitar os esgotos amorais da coisa pública sem trazer o seu azedume — para muitos tal aroma já virou loção pós-barba. Se prestarmos atenção, se focarmos bem a nossa mente em localizar os odores que emanam de certos discursos, identificaremos o cheiro típico da hipocrisia em negar a posse de arma ao cidadão e ter 20 seguranças fortemente até armados para levar o seu pinscher para a tosa; se repararmos bem, perceberemos quem são os que atacavam o foro privilegiado durante a campanha e, agora, se agarram tão fortemente a ele que parecem siameses. Ora, se não sofrermos de lapsos de atenção, logo perceberemos que nepotismo é nepotismo e ponto final; que os mesmo defensores aguerridos da reta conduta pública na “longínqua” era petista, são agora os “passadores de pano” oficiais de algumas “incondutas”; que a sacra e intocável Lava-Jato hoje não é mais tão gloriosa e inviolável assim para os mesmos que ontem rezavam em seu altar.

Não sei a vocês, mas parece muito que existe um portal um tanto quanto fugidio — porém indiscutivelmente real — que separa os arames modeladores da ética dos invertebrados homens de pouca honradez. Trata-se de uma fronteira entre o discurso e a prática; a boa vontade e a vontade de poder; entre a moralidade pura e simples e o simplesmente conveniente. Eu sei, sou apenas um filósofo gordo que gosta de pensar que ainda existe — por aí, perdido em qualquer canto — aquilo que os velhos escolásticos chamavam de “lei natural”, ou seja, uma regra de brio que indiscutivelmente permeia nossa existência, que não escolhe raça, credo, cor, sexo ou times de futebol. Uma espécie de GPS do caráter que nos conduz àquilo que todos identificariam como o mais natural dos “bens”, assim como nos levaria ao afastamento do que todos reconheceriam como “males” indiscutíveis.

Enfim, deixe-me encerrar por aqui. Talvez eu seja apenas um moralista tolo. De fato, talvez eu tenha me transformado num idealista de um bem, de uma ética e de um pacto de postura que não existe para além do fantasmagórico “bom piedoso” imaginado por Joaquim de Fiori na cidade do 3º Espírito, na cidadela comunista de Thomas More, ou na lousa de qualquer velho jesuíta que não se prostituiu com a teologia da libertação. Não que eu não esteja preparado para lidar com isso. Afinal, como analista político, minha missão é justamente essa: empolgar-me com as tramas políticas sem que elas sejam nada mais do que munições para minhas críticas — “onde se ganha o pão não se come a carne”.

Calma! Eu bem sei que há aqueles que sobrevivem às tempestades das propostas escusas, às tentações gostosas da burla, aqueles que ainda trazem o estandarte surrado da honestidade junto a um exército ínfimo de bravos guerreiros que ousaram não desertar da retidão. A esses o meu maior e indizível respeito, independentemente da ideologia que defendam!

Não sou inocente, eu sei bem onde piso; não passei dormindo as últimas décadas. Eu só não imaginava o conformismo vadio com a corrupção que ainda existe entre políticos, analistas e assessores; só não sabia que, em geral, o preço do ingresso na coisa pública brasileira nos levaria indubitavelmente ao camarote da desonra do espírito, que a nossa ereta espinha da dignidade fosse tão facilmente dobrável, que os valores e os princípios que os velhos roceiros se orgulhavam de deixar para seus filhos fossem tão facilmente relativizáveis. Talvez o erro seja meu, por não gostar de corrupção, por não mancomunar e não achar que seja dispensável o bom exemplo ao meu filho, por não entender a ética contingente que alguns tenazes homens públicos ostentam orgulhosos como se houvesse honra na putrefação, como se os vermes merecessem louros por mastigar a nossa carne corruptiva. As opções do sistema me parecem simples: dobrar-se para ser portador do cetro do poder ou aceitar o “nada ser” para manter a coroa do brio.

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