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Entrevista com Adolfo Sachsida: A ideologia é o problema mais sério no Ipea hoje

Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal

Em momento em que o país atravessa desafios profundos e uma crise econômica aguda, muitos supostos entendedores vêm apresentando o aumento de tributos e impostos como a grande saída. Em oposição a isso, a Livraria Resistência Cultural oferece uma pequena luz em meio às sombras, trazendo racionalidade ao debate público. Em parceria com o Instituto Liberal, a editora promove o lançamento do livroConsiderações econômicas, sociais e morais sobre a tributação, de nosso colaborador e colunista Adolfo Sachsida. Aproveitamos a ocasião para uma enriquecedora conversa sobre seus pensamentos e sua ativa trajetória em defesa da causa liberal.

Adolfo Sachsida possui doutorado em Economia pela Universidade de Brasília (2000), e realizou seu pós-doutorado na University of Alabama (2005). Lecionou economia na University of Texas, e na Universidade Católica de Brasília, também foi professor na Universidade de Brasília, na FGV e no IBMEC. Além disso, foi consultor short-term do Banco Mundial para Angola. A convite da JICA, visitou o Japão para um intercâmbio com experts japoneses sobre modelagem macroeconômica. A convite do Friederich Naumann Institute, visitou a Alemanha para participar de discussões referentes à liberdade econômica. Atualmente é pesquisador do IPEA. Tem experiência na área de Macroeconomia, com ênfase em política fiscal, política monetária, e crescimento econômico. Publicou vários artigos nacional e internacionalmente, sendo um dos pesquisadores brasileiros mais produtivos na área de economia. É autor de outros dois livros: Fatores Determinantes da Riqueza de uma Naçãoe A Crise de 2007-09: Uma Explicação Liberal. Por fim, termina sua graduação em direito em dezembro de 2015.

Como o senhor conceituaria a própria posição sócio-política? Quais são as suas principais referências e inspirações, que autores leu para formar suas opiniões e perspectivas?

Sou um liberal clássico ou conservador. Tenho tremenda admiração por Hayek, que em minha opinião foi o maior economista do século XX. Também gostei muito de ter lido A Sociedade Aberta e seus Inimigos, de Karl Popper, eLiberalismo segundo a Tradição Clássica de Mises. Mais recentemente, gostei muito de ler Como ser um Conservador de Roger Scruton, e “A Mentalidade Conservadora” de Russell Kirk. Conheci a genialidade de David Hume ao ler seu impressionante Ensaios Morais, Políticos e Literários. Além disso, compreendi a dificuldade de se desmontarem certos argumentos lendo o excelente Dois Tratados Sobre o Governo, de John Locke. Por fim, aprendi muito lendo os diversos trabalhos do Professor Olavo de Carvalho.

Sua presença tem sido notada nas diversas iniciativas e mobilizações de oposição legítima ao governo brasileiro. Em que pé o senhor acredita que estão, hoje, essas iniciativas, e que tipo de envolvimento o senhor ainda mantém com elas?

As iniciativas de mobilização estão sobrevivendo como podem. Ao contrário dos poderosos movimentos esquerdistas (que não raras vezes são financiados por sindicatos, ONGs internacionais, empresas públicas, e até mesmo pelo setor financeiro) nosso financiamento é escasso, dependendo basicamente de nós mesmos. Mesmo com todas as dificuldades (além de não termos recursos, também não temos experiência de mobilização) realizamos as três maiores mobilizações da história brasileira. Milhares de pessoas, em todo o Brasil, foram às ruas em três domingos para pedir o impeachment ou a renúncia da presidente da República. Foi graças à mobilização popular que o TCU rejeitou as contas desse governo. Foi graças à mobilização popular que ainda mantivemos acesa a chama do impeachment. Após quase um ano de mobilização, a maior parte das pessoas está cansada. Somos pais de família, trabalhadores, estudantes, é difícil para um grupo assim manter-se mobilizado todo tempo. Mesmo assim, o resultado de nosso trabalho é expressivo. Ano que vem, com um pouco de descanso, e reorganização necessária, voltaremos às ruas para exigir que a Constituição de nosso país seja respeitada. Mantenho um forte relacionamento com diversos grupos que pedem pelo impeachment da presidente da República. Ajudo como posso, participo da organização e divulgação da maior parte das iniciativas a nível nacional que clamam pelo impeachment.

Adolfo Sachsida

Nota-se também um reconhecimento, da parte de muitos liberais e conservadores, da sua coragem de criticar economistas celebrados pela elite do país, bem como de criticar o próprio IPEA, órgão em que atua. Qual é o panorama que o senhor enxerga na área e na instituição no atual momento do país? Temos uma maioria de profissionais dignos ou com percepções inteiramente enviesadas, quer por ignorância, quer por má intenção?

Infelizmente a imprensa brasileira insiste em dar voz a economistas que, quando tiveram sua chance, foram verdadeiros fracassos à frente das políticas públicas. Delfim Netto, Bresser Pereira, Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Nelson Barbosa, são apenas alguns exemplos de péssimos economistas que, por mais que errem, continuam com amplo espaço na mídia. Por outro lado, nosso país tem excelentes economistas que já demonstraram seu comprometimento com a verdade, mesmo que à custa de pesados ônus pessoais. Rodrigo Constantino e Alexandre Schwartzman são dois dos exemplos mais conhecidos. Mas existem outros: Roberto Ellery, Tito Moreira, Mario Jorge Cardoso de Mendonça, Paulo R.A. Loureiro e Mansueto Almeida são exemplos de excelentes economistas que vêm trabalhando duro para tentar levar o bom senso de volta à política econômica. A questão é dar espaço para quem tem mérito, espaço para quem acerta suas predições e propõe políticas sensatas. Infelizmente, no atual governo, o espaço está sendo dado a economistas com afinidades ideológicas independente do mérito dos mesmos. O resultado é a crise que se abateu sobre nossa sociedade.

Sobre o IPEA, vou ser bem claro. O IPEA tem entre 40 e 50 pesquisadores de excelente gabarito. O IPEA tem quadros de alto nível – Alexandre Xavier Ywata de Carvalho, Guilherme Resende, Daniel da Mata, Vinicius dos Santos Cerqueira, Marcio Bruno Ribeiro, José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, e Bernardo Patta Schettini, são apenas alguns exemplos; infelizmente a maior parte desses quadros é posta de lado pelo governo atual. Esse é o problema mais sério do IPEA hoje: a ideologia (e não o mérito) está dominando a escolha dos diretores e do presidente da instituição.

É notória a sua postura crítica ao ministro Joaquim Levy. Que reformas o senhor considera que seriam prioritárias para o Brasil na agenda do dia? Como sair da crise em que estamos mergulhados? O que podemos fazer sem promover mudanças constitucionais? Qual a profundidade das reformas que são possíveis se houver vontade e condições políticas para tal?

Minha crítica ao Ministro Levy é bem simples: ele não entregou nada daquilo a que se propôs. Começou o ano prometendo um superávit primário de 1,2% do PIB, seis meses depois mudou de posição e passou a prometer um superávit primário de 0,17% do PIB. No mundo real, o Brasil vai encerrar o ano com um déficit primário de mais de R$ 100 bilhões. Creio que isso diz muito sobre o trabalho feito pelo ministro. Pior do que isso. Qual mudança importante o ministro capitaneou? Ele capitaneou alguma agenda de reforma estrutural? Reforma tributária? Reforma nas leis trabalhistas? Abertura Econômica? Alguém ouviu o ministro defender algumas dessas agendas? No caso específico da previdência, tudo que o ministro propôs foi um paliativo pequeno e insuficiente para o problema. Alguém ouviu o ministro defender abertamente o fim da aposentadoria por tempo de serviço? A igualdade na idade de aposentadoria para homens e mulheres? O aumento da idade mínima para se aposentar? Nada. A única agenda de longo prazo defendida por Levy é a volta da CPMF.

O Brasil precisa urgentemente rever sua legislação tributária, trabalhista, e previdenciária. Precisamos de mais abertura econômica e maior respeito às regras estabelecidas. Precisamos de um Banco Central que combata a inflação, e precisamos parar imediatamente com as transferências do Tesouro para o BNDES. Certamente são medidas difíceis, mas quem está num cargo de Ministro da Fazenda não pode se furtar a essa agenda com ou sem o apoio do Congresso. Cabe ao Ministro da Fazenda colocar a agenda de reformas sobre a mesa, cabe a ele explicar a real magnitude da crise que vivemos (e que irá piorar no ano que vem), e cabe a ele participar do debate. A decisão final será do Congresso Nacional. Contudo, se o próprio ministro Levy diz que a crise é pequena e passageira, exatamente por que o Congresso aceitaria reformas tão grandes? Infelizmente o ministro Levy insiste em minimizar a crise, essa não é a postura adequada para quem precisa aprovar reformas constitucionais.

O livro em lançamento se intitula “Considerações econômicas, sociais e morais sobre a tributação”. De onde surgiu a concepção do livro? Por que escrever agora sobre esse assunto?

Desde quando dava aulas sobre tributação, notava o quão pouco os alunos e pessoas em geral sabiam sobre o tema. Pior do que isso, não apenas não sabiam como tinham concepções completamente erradas. Fui notando então que um livro que explorasse essas questões seria extremamente importante para a discussão de política econômica.

No momento, diversas decisões de política tributária são feitas com pouquíssima reflexão. Por exemplo, as ideias recentes de voltar com a CPMF e de instaurar um imposto sobre grandes fortunas, refletem a regra no Brasil: aqui o governo gasta muito, e depois tributa mais a população. Esse livro é um importante alerta contra essa política. Mostro ao longo do livro que a carga tributária brasileira tem aumentado ao longo das últimas duas décadas, e nem por isso os serviços públicos têm melhorado sua qualidade. Alerto que a solução não passa mais pelo aumento de impostos. Pelo contrário, urge reduzirmos nossa carga tributária. Além disso, é fundamental que simplifiquemos as regras tributárias de nosso país.

O livro “Considerações Econômicas, Sociais, e Morais sobre a Tributação” é um importante alerta para a população brasileira: impostos geralmente recaem mais pesadamente nas classes médias e baixas da população, é um erro acreditar que impostos como a CPMF (ou mesmo o imposto sobre grandes fortunas) será pago apenas pelos ricos. Além disso, o livro explora a falta de justificativas morais para se tributar mais as pessoas que têm mais sucesso. Por que uma pessoa que trabalha 15 horas por dia deveria pagar mais imposto do que alguém que trabalha apenas 6 horas? Por que uma pessoa que passa o final de semana trabalhando deveria pagar mais impostos do que alguém que gasta seus finais de semana jogando bola e indo ao cinema? O Brasil precisa urgentemente parar de tributar o sucesso.

Para um país crescer, é necessário que seus melhores talentos trabalhem muito. Infelizmente a política tributária brasileira pune os empreendedores, pune os esforçados e capazes, e beneficia o lazer em detrimento do trabalho. Essa não é a melhor maneira de um país se desenvolver. Esse livro é um importante alerta para nossa sociedade: tributos não servem para redistribuir renda. Políticas de redistribuição de renda devem ser feitas via gasto público; a tributação deve se restringir a seu objetivo básico de financiar as atividades do Estado ao menor custo possível para a sociedade.

Em que medida e/ou em que aspectos a discussão sobre o tema “tributação” é, respectivamente, econômica, social e moral? Em que medida a maneira como a tributação é aplicada no país é efetiva e bem-sucedida nesses três campos – ou seja, até que ponto ela é economicamente saudável, socialmente aceitável e moralmente justa?

A tributação no Brasil é economicamente ineficiente, socialmente injusta, e moralmente injustificável. No nosso país os tributos servem para financiar um Estado cada vez maior e ineficiente. Em 1995 a carga tributária brasileira era de aproximadamente 27% do PIB. Em 2000 já tinha atingido 30% do PIB, e em 2014 chegou próxima de 36% do PIB. Em 2015, os governos estaduais aumentaram o IPVA e tentaram aumentar as alíquotas de ICMS, os governos municipais aumentaram o IPTU, e o governo federal quer porque quer recriar a CPMF e instaurar o imposto sobre grandes fortunas. Em resumo, a sanha arrecadatória do governo não tem limites. Ou damos um basta a isso ou viraremos escravos dos governantes. Na Idade Média os vassalos eram obrigados a trabalhar um dia por semana de graça para o rei (um dia de trabalho gratuito para o Estado a cada 7 dias). Hoje o brasileiro médio trabalha mais de quatro meses por ano só para pagar tributos (algo em torno de 2,4 dias de trabalho gratuito para o Estado a cada 7 dias). Basta!

Que outro (s) país (es) o senhor considera referências no assunto “tributação”?

É difícil falar sobre experiências internacionais. Já morei nos Estados Unidos e sei o quanto se fala de besteira sobre o sistema americano. Não quero cometer o mesmo erro dos analistas que critico. Para falarmos de comparações internacionais é necessário ter um sólido domínio da legislação e das políticas tributárias de cada país. Não tenho tal conhecimento. Então me limitarei a uma resposta geral: o melhor é copiarmos o que dá certo. 1) Sistemas tributários simples são superiores a sistemas complexos e confusos; 2) baixa tributação é mais eficiente do que tributação pesada; 3) impostos sobre o capital são mais ineficientes do que outros impostos, logo não devemos exagerar na tributação de empresas; e 4) é fundamental ligarmos o financiamento do Estado ao bolso da população. Isto é, é fundamental que a maior parte da população pague impostos. Este fato é uma garantia contra políticos populistas que criam benefícios a um segmento, mas impõem o custo a outro segmento da população. Quando todos pagam impostos, quando todos entendem que terão que pagar mais impostos por causa de determinadas políticas populistas, fica mais fácil limitar o tamanho do Estado, controlando assim as pretensões totalitárias dos governantes.

Por que o público do Instituto Liberal deveria ler esse livro?

Creio que esse livro é uma importante linha de defesa contra a sanha arrecadatória do Estado. Mais importante: esse livro apresenta argumentos simples contra um amplo rol de tributos. Argumentos não apenas econômicos, mas também morais e sociais. O livro mostra que, na tradição brasileira, é um erro acreditar que mais impostos servem para realizar o ajuste fiscal. Aqui, mais impostos implicam apenas mais gastos do governo no futuro. Dessa maneira, no Brasil, o ajuste fiscal deve ser feito necessariamente por meio da redução dos gastos do governo. O livro explora também possíveis soluções para o sistema tributário brasileiro. Isto é, o livro não fica apenas no plano das ideias. Soluções concretas são fornecidas para melhorar o bem estar de nossa sociedade.

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