Marina Silva não se saiu tão mal, em minha opinião, na entrevista ao Jornal da Globo. Muito tempo foi dedicado ao aspecto de sua fé religiosa, o que compreendo, pela fama de fundamentalista, mas considero exagerado. Marina soube dar respostas até razoáveis, ainda que vagas, nesse quesito. Disse:
“Todos nós agimos em base na relação realista dos fatos, mas os seres humanos, eles têm uma subjetividade. Uma pessoa que crê, obviamente que tem na Bíblia uma referência. Assim como tem na referência a arte, a literatura. Às vezes você pode ter um ‘insight’ assistindo um filme. O quanto nós já avançamos, do ponto da ciência, da tecnologia, pela capacidade antecipatória que você encontra, enfim, na indústria cinematográfica…”
A Bíblia é uma fonte de inspiração, como a cultura, mas não uma fonte única ou absoluta para a tomada de decisões. Acho que passa. Não é que ela vá abrir aleatoriamente o livro sagrado em uma página e decidir se sanciona ou não determinada lei. Rebateu que isso é uma tática que adotam para pintá-la como fanática.
Marina atacou, ainda, a “arrogância fatal” dos que se julgam 100% racionais, o que não deixaria pensadores de peso como David Hume e Hayek incomodados. Só existe um lugar onde há pessoas que são 100% racionais e, portanto, estão 100% do tempo certas: o manicômio. Disse:
“Essa pessoa estaria presa à realidade, e com certeza, se os especialistas do comportamento forem avaliar uma pessoa como essa, vai ver que ela tem uma subjetividade muito pobre. Qualquer pessoa forma, toma as suas decisões considerando vários aspectos. Ele é atravessado pela cultura; se tem crença, pela espiritualidade; se é da ciência, pelo conhecimento científico. O ser humano não é uma unidade, digamos, pura de alguma coisa não é? Somos seres subjetivos, e a subjetividade é uma riqueza interior, para qualquer ser humano”.
Sim, um tanto no estilo de Gilberto Gil, mas espremendo podemos compreender, eu acho. E não creio que seja o aspecto mais relevante em jogo nessas eleições. William Waack apertou Marina em tema bem mais relevante, que é o da democracia direta. Waack quis obter uma resposta direta sobre a tal “participação popular”, especialmente por meio dos “conselhos populares”, com cores claramente bolivarianas.
Marina tentou sair pela tangente, defendendo uma mistura de democracia representativa com maior participação popular, sem explicar em detalhes o que significa usar mais a sociedade para governar. Permanece o ponto de interrogação. Afinal, ela apoiou o Decreto 8.243 de Dilma, o que é temerário.
Sobre economia, Marina voltou a frisar a importância do resgate do tripé macroeconômico, para garantir a estabilidade da economia e a confiança da sociedade e dos investidores no governo. A presidente Dilma perdeu tal confiança, o que é muito grave. Na área econômica, uma das mais importantes, lembrando que já estamos em estagflação, Marina falou por meio de Giannetti, o que tranquiliza os mais esclarecidos. É a convergência ao programa tucano, só que sem o mesmo quadro técnico.
Comprometeu-se a não subir impostos, até porque ninguém mais defenderia abertamente mais impostos em um país com carga tributária chegando perto de 40% e sem contrapartida alguma. Marina acha que basta gastar melhor, cortar desperdícios, alocar os recursos de forma mais eficiente. Todos têm insistido nessa tecla, resta saber quem realmente conseguiria entregar. Aécio Neves demonstra o melhor histórico e a melhor equipe, mas dificilmente Marina faria pior do que Dilma, que arruinou as contas públicas e aparelhou totalmente a máquina estatal.
Marina voltou a se comprometer a um mandato apenas, rejeitando a reeleição. Não é boba, sabe que terá menos dificuldade de governabilidade desta forma. A turma do PMDB não teria tantos motivos para puxar seu tapete, pois quatro anos não são oito anos.
Enfim, Marina não conseguiu escapar de certas contradições, mas em geral não escorregou muito. A presidente Dilma não vai ter como escorregar, pois fugiu da entrevista, recusou o convite. Mas sabemos que se fosse espremida por William Waack, as infindáveis contradições viriam à tona, mostrando que entre uma e outra não resta muita dúvida de qual é a pior. Mas vale lembrar que ainda há uma terceira alternativa, ao menos no primeiro turno…
Rodrigo Constantino
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