Seria chover no molhado dizer que Fernando Haddad expõe incrível hipocrisia na entrevista concedida a Mônica Bergamo na Folha, ou apontar para o fato de que a entrevistadora se mostra incapaz de apertar minimamente seu entrevistado com questões mais difíceis. Não seria o PT nem a Folha se fosse diferente. Ainda assim é um espanto ler a entrevista, pois ficamos com a clara sensação de que ambos – entrevistado e entrevistadora – habitam um mundo paralelo e bizarro, sem qualquer elo com nossa realidade.
Para Haddad, a vitória de Bolsonaro representa uma guinada à “extrema direita” que tem se replicado no mundo todo, por conta da crise econômica de 2008, uma crise do “neoliberalismo”. Ou seja, o PT ficou no poder por 14 anos, mas Bolsonaro venceu por culpa do “neoliberalismo”. E agora temos um “neoliberal” no poder, com Bolsonaro. É impressionante como a extrema esquerda puxa da cartola o termo “neoliberalismo” sempre para justificar qualquer problema, crise ou derrota. Mas, como Roberto Campos já dizia em seu tempo, “O Brasil está tão distante do liberalismo – novo ou velho – como o planeta Terra da constelação da Ursa Maior!”
Sobre o processo que levou Lula à prisão, com todos os direitos legais que só um acusado multimilionário teria acesso, Haddad acusou de “frágil”, algo que “nenhum jurista sério reconhece como robusto”. Podemos imaginar apenas que tipo de jurista o petista considera sério. Para Haddad, Lula teria sido eleito, quiçá no primeiro turno. O mesmo que jamais venceu no primeiro turno antes, quando não era ainda visto como corrupto pela maioria. E a jornalista se esqueceu de perguntar qual o motivo, então, de Haddad ter retirado Lula e o PT da campanha no segundo turno, se ambos são tão importantes e poderosos como ele diz.
No mais, o derrotado faz o que os perdedores crônicos fazem: aponta para bodes expiatórios para justificar sua derrota. Fake news, o atentado contra Bolsonaro, sua ausência nos debates, tudo isso explica, segundo Haddad, a vitória do “extremista de direita”. Para ele, Ciro Gomes errou o diagnóstico e isso prejudicou a união dos “democratas” no segundo turno. Democratas, na novilíngua petista, são aqueles que apoiam os regimes cubano e venezuelano, enquanto cospem na Justiça do próprio país.
O entrevistado chama o modelo que vem aí de “neoliberalismo regressivo”, e diz que a elite perdeu o verniz ao apoiar Bolsonaro, de quem sempre gostou no fundo. João Doria seria um Bolsonaro com verniz, pois cara de tucano. É tanto absurdo que nem merece resposta! Bolsonaro venceu apesar da elite, do establishment, e não há nada de regressivo no liberalismo clássico de Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda. Claro que é possível pensar em pura ignorância mesmo, de um “professor” especialista em marxismo soviético. Mas a tese mais provável é má-fé. Essa gente sabe o que está fazendo, e faz porque mentir, enganar e distorcer são seus instrumentos de trabalho cotidiano.
Quando Bergamo pergunta sobre uma eventual “autocrítica” do PT, como se uma quadrilha que dilapidou e quebrou a nação precisasse apenas de uma autocrítica, Haddad pega a bola levantada a corta para sua plateia de alienados: “Não tem uma entrevista minha em que eu não tenha apontado um erro de diagnóstico, uma falha”. E fica por isso mesmo! Ou seja, o mensalão, o petrolão, o uso de estatais para fins partidários, os esquemas com ditaduras comunistas, o Mais Médicos para bancar Cuba, o aparelhamento da máquina estatal, tudo isso vira “erro de diagnóstico” ou “falha”, que seria a tão cobrada “autocrítica”. Seria cômico, não fosse trágico para o jornalismo brasileiro.
A entrevista em destaque, em todos os aspectos, é uma vergonha. O entrevistado não explica nada de concreto, apenas suas fantasias de uma mente transloucada. E a entrevistadora não o coloca contra a parede em momento algum, incapaz de fazer o que uma jornalista deveria fazer ali: expor a hipocrisia, as fugas, os delírios de quem perdeu uma eleição porque representava uma organização criminosa que tinha acabado de mergulhar a nação no caos.
Rodrigo Constantino