Resolvi dar um “rolezinho” nos meus arquivos, e encontrei esse artigo que vem bem a calhar no momento atual que nosso país vive. É a resenha de um ótimo livro de Babbitt, que recomendo na íntegra:
O espírito socrático
“O principal antídoto para a credulidade é, numa era de emancipação individualista, a ação completa e livre do espírito crítico.” (Irving Babbitt)
Em Democracia & Liderança, Irving Babbitt defende uma maior responsabilidade moral dos indivíduos, alegando que a postura crítica diante dos “ideais” se faz fundamental para resgatar os padrões e evitar os conceitos vazios. Para Babbitt, se os “revolucionários modernos experimentaram desilusões de severidade quase sem paralelo, foi com freqüência porque emprestaram suas imaginações às palavras, sem se assegurarem de que essas palavras tinham correspondência com as coisas”.
A Revolução Francesa e seu famoso slogan “liberdade, igualdade e fraternidade” são bons exemplos disso. A definição correta dos conceitos é fundamental para qualquer civilização. Quem deseja atacar uma civilização, costuma sempre adulterar os conceitos básicos de certas palavras, atribuindo sentidos muitas vezes opostos a elas.
No mundo moderno, essa inversão de conceitos parece cada vez maior. O adjetivo “social”, por exemplo, costuma ser aplicado de forma insistente em tudo que é expressão, conquistando uma legião de autômatos através das emoções. Nos Estados Unidos, foco das preocupações de Babbitt, a esquerda foi tão eficiente na manipulação de conceitos que até o termo “liberal” passou a ser associado a políticas claramente antiliberais, que pregavam sempre maior intervenção estatal na economia. Para ele, “o sofista e o demagogo florescem numa atmosfera de definições vagas e imprecisas”.
Um dos conceitos mais deturpados de todos é, sem dúvida, o conceito de justiça. Adicionando-se o termo mágico “social” à palavra justiça, tem-se a morte da verdadeira justiça e sua substituição por algo totalmente diferente, arbitrário e vago, que costuma levar a grandes injustiças. Justiça social, como muito bem coloca Babbitt, “significa na prática justiça de classes, justiça de classes quer dizer luta de classes, e luta de classes, levando-se em conta toda a experiência do passado e do presente, significa o inferno”.
Babbitt se mostrava bastante cético com a democracia num ambiente sem respeitáveis lideranças nas minorias. Ele via o homem médio como naturalmente indolente do ponto de vista espiritual, ou seja, as massas não teriam o desejo de reconhecer padrões nem se disciplinar com referência a eles, preferindo “se expandir livremente de acordo com seu desejo dominante”. Nesse contexto, o homem “se apega avidamente a qualquer coisa que pareça favorecer seu desejo”. A “vontade popular” acaba levando ao imperialismo, significando “a vontade de uma multidão de homens que mais e mais se emanciparam dos padrões tradicionais” e cada vez mais se entregam à busca irresponsável de emoções.
Essa simpatia pelo homem comum pode ser, no fundo, demagógica: “O idealista democrático, todavia, quando recorre ao homem comum, não o faz pensando na sobriedade de seu julgamento. Ele raciocina sempre com a vontade imediata de uma maioria numérica”. Para Babbitt, “a noção de que a sabedoria está na maioria popular num determinado momento deveria ser a mais desacreditada de todas as falácias”. Babbitt especula que Jesus teria sido escolhido, pelo voto, para morrer na cruz em vez de Barrabás, tivesse ocorrido um plebiscito em Jerusalém. Sócrates recebeu o veneno de cicuta como castigo por “corromper a juventude e crer em deuses diferentes”, praticamente num referendo popular.
Falando em Sócrates, eis justamente o que Babbitt considera um bom escudo contra essa “psicologia das massas”, que coloca as emoções acima do julgamento crítico: o questionamento socrático. Com a ajuda do crítico socrático, segundo Babbitt, “o povo poderia ter alguma oportunidade de distinguir entre amigos e bajuladores”. Afinal, como é sabido, o diabo não é muito perigoso a menos que passe por um anjo. O alerta de Schopenhauer seria importante aqui: “Quem espera que o diabo ande pelo mundo com chifres será sempre sua presa”. Muitas vezes o diabo reveste seus chifres com a capa do altruísmo, ou então manipulando conceitos e dando significado contrário às palavras, bem ao estilo orwelliano do “duplipensar”.
A fórmula revolucionária contida no slogan da Revolução Francesa, já citado acima, é em si “apenas um portentoso jogo de palavras”. Em vez de liberdade, veio a escravidão; em vez da igualdade, vieram os novos privilégios; e em vez da fraternidade, veio o Grande Terror de Robespierre. Fraternidade passava a significar guilhotina. Os fins justificam os meios. O monopólio da virtude supostamente presente nos revolucionários fornece uma carta branca para as mais espantosas atrocidades. Não foi diferente na revolução bolchevique liderada por Lênin.
É importante destacar que os inimigos da verdadeira liberdade não são apenas diabos com chifres que deliberadamente desvirtuam conceitos. O caminho do inferno está repleto de bem-intencionados. Como lembra Babbitt, “acreditar que as boas intenções são suficientes para lidar com os homens é o mesmo que achar que elas bastam para um químico que trabalha com altos explosivos”. Afinal, “sob certas condições, a própria natureza humana pode se transformar no mais poderoso dos explosivos”.
A fé num messias salvador, no “bom revolucionário”, costuma representar justamente isso: o imperialismo como fruto da boa intenção. Muitos homens se sensibilizam com uma personalidade impressionante, “ao passo que poucos são capazes de pesar as tendências fundamentais das idéias”. Novamente, as emoções solapam o julgamento crítico dos indivíduos, levando ao caos e a resultados opostos àqueles intencionados.
Os demagogos, aproveitando-se das emoções das pessoas e manipulando o conceito das importantes palavras, acabam direcionando a nação rumo à tirania, caso não haja uma mentalidade mais crítica no povo e, principalmente, nas lideranças. Babbitt alerta: “A disputa democrática, a que todos deveriam ter chance, é excelente, desde que cada um tenha a oportunidade de se igualar aos padrões elevados. Se a extensão democrática da oportunidade for, por outro lado, um pretexto para rebaixar os padrões, a democracia será, então, incompatível com a civilização”.
Babbitt, que era americano, escrevia basicamente para o público americano. Todos aqueles que vivem na América Latina tem a obrigação de levar ainda mais a sério o seu alerta. A “justiça social” nessa região parece um conceito divino, que permite qualquer tipo de agressão à propriedade e à verdadeira justiça. Por outro lado, o espírito socrático da população – inclusive das lideranças – é praticamente inexistente.
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