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O resultado das eleições municipais foi inequívoco, inapelável: a esquerda sai enfraquecida na política nacional, foi a grande derrotada nas urnas. Isso não quer dizer, porém, que a direita, ou a “nova direita”, deva comemorar muito. A fase atual é de “gerenciamento de danos”: impedimos o pior, a desgraça socialista, o destino venezuelano, mas estamos longe de poder festejar uma guinada real à direita que presta, aquela que venho chamando de “boa estirpe”.

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Quando Thiago Kistenmacher escreveu um texto sobre a direita caricata, levou pedradas em vez de contra-argumentos. Quando resolvi simplesmente criticar uma manifestação patética a favor de Trump na Paulista, fui alvo de duros ataques, mas nada de argumentos. Eu passava a ser um “vendido”, um “socialista”, alguém pronto para voltar a escrever na “inVeja”, um lacaio dos comunistas, ou seja, de Hillary Clinton. Eu, que tenho tantos textos contra ela e em defesa de Trump como o “mal menor”.

Isso demonstra como há uma ala da “direita” que é tacanha, autoritária, só consegue “pensar” em formato binário: ou é “um dos nossos”, ou é um “inimigo”. Essa turma acaba sendo a esquerda de sinal trocado, e muitos vêm, de fato, das hostes esquerdistas. Mudam o ídolo, mas não mudam o método, o estilo. E essa patota fanática está no meio da tal “direita”, misturando alhos e bugalhos, num mix ainda indefinido.

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Porto Alegre, por exemplo, livrou-se do PT, de Tarso e Luciana Genro, e elegeu como prefeito um tucano. Mas para a ala radical dessa “direita”, Nelson Marchezan Jr. é como um petista, pois o PSDB é igual ao PT. Não enxergam nuanças, não são capazes de compreender um mundo mais complexo, com vários tons. Marchezan é tucano sim, pois a política brasileira é problemática. Mas tem claro viés liberal, venceu com o apoio do MBL, e sem dúvida representa um incrível avanço para os gaúchos.

Só que a mente binária enxerga apenas “nós” e “eles”, e Marchezan definitivamente não é um Bolsonaro, tampouco um fiel seguidor de Olavo de Carvalho. Então não presta! Atenção, aos que não sabem interpretar textos: isso não quer dizer que o próprio Bolsonaro e o filósofo de Virgínia não prestem, tampouco que todos os seus seguidores são fanáticos, e sim que alguns são, e têm agido exatamente como seus arquiinimigos do lado esquerdo.

Depurar esse crescimento da direita será uma tarefa e tanto pela frente. Primeiro ainda temos que enterrar de vez a esquerda, que está viva, pendurada nas instituições culturais, de ensino, da mídia e do estado e sindicatos. Longe, portanto, de ter desaparecido. Sofreu um duro baque nas urnas, mas está viva e pode muito bem retornar com força.

Mas em seguida será preciso separar o joio do trigo dentro da direita, ou do que se chama direita hoje. O conservadorismo de boa estirpe, aquele inspirado em Burke, Tocqueville, Hume, Kirk Russell, Roger Scruton, Michael Oakeshott e tantos outros pensadores decentes, não combina com o fanatismo de certas figuras, que enaltecem Pinochet e Ustra como grandes heróis, que vibram com a imagem de um bandido agonizando antes de morrer, que encaram como inimigo mortal aquele que ousa discordar de uma vírgula de sua cartilha.

Francisco Razzo, autor de excelente livro sobre a “imaginação totalitária”, que pode vir tanto da esquerda como da direita, comentou:

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A humilhante derrota das esquerdas nas urnas não implica vitória da “direita”. No cenário ideológico atual, a direita ainda não engatou uma narrativa política que efetivamente a represente. Ideologicamente tudo anda muito nebuloso e incerto, pois há muitas novas vertentes de “direitas” que não foram digeridas politicamente. Em estado de crisálida, a “nova direita” ainda se expressa de maneira crítica negativamente e tímida afirmativamente.

As universidades e a grande imprensa ainda são predominantemente de esquerda — com algumas células de resistência emergentes aqui e ali. A direita, por sua vez, é um fenômeno espontâneo da sociedade civil com força nas redes sociais. O que chamamos de “direita” entre os vitoriosos políticos continua sendo a velha política populista e reacionária (no sentido pejorativo do termo).

Profundamente decepcionados com o projeto petista de justiça social — eufemismo politicamente correto para projeto megalomaníaco de poder —, o eleitor médio, aquilo que abstratamente chamamos “povo”, optou pelo “status quo”, não no sentido afirmativo que demonstre uma substancial consciência do que venha a ser posições políticas mais robustas acerca da “direita” política, mas no sentido negativo em que pese a decepção com o atual estado de coisas e a falta de representação de políticos de direita com clara consciência do que significa realmente defender ideais de “direita”.

Infelizmente, no Brasil atual, qualquer político que se posiciona contra as esquerdas imediatamente é associado ao conservadorismo, ao liberalismo, ao atraso, ao obscurantismo, ao fundamentalismo, ao fascismo. Nesse sentido, o número de brancos, nulos e abstenções são importantes. Ao serem comparados à enérgica rejeição aos políticos de esquerda, que só atraem a elite intelectual e a elite caviar das grandes cidades (só ver o perfil do eleitor de Freixo no Rio para se ter uma ideia), os votos brancos, nulos e abstenções demonstram uma negação muito mais radical: a rejeição da política como esperança.

E o que fazer disso? Não é fácil dar uma resposta. A perda das esperanças com a política pode ser algo bom, um primeiro passo para o amadurecimento, contra as utopias revolucionárias. Ao mesmo tempo, é impossível fazer as mudanças necessárias sem a política, pois as reformas passam por ela. Logo, precisamos eleger políticos mais liberais e conservadores para reverter o estrago causado pela esquerda.

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Mas ainda falta muito para uma leva de políticos que realmente mereça esse voto de confiança e possa empolgar os eleitores, não como gurus messiânicos empolgam fanáticos, mas sim a ponto de votarmos com convicção em bons quadros, nos melhores disponíveis, não apenas nos menos piores para evitar um destino mais trágico ainda.

Espero que cheguemos lá. E para tanto será preciso um esforço contínuo no campo das ideias. Ou seja, o movimento liberal e o movimento conservador precisam continuar plantando as sementes saudáveis, que poderão florescer na frente. Vamos mostrando o caminho, recomendando boas leituras, estimulando o surgimento de políticos alinhados com nossos valores e ideais, reagindo aos nossos inimigos, da esquerda principalmente, mas também de dentro, pois são ervas daninhas que mancham a reputação de todos nós.

Aos interessados nisso, em ter um maior embasamento na defesa dos valores liberais, recomendo meu curso online “A Trajetória das Ideias Liberais”, onde apresento um bom resumo de 40 pensadores e seus principais argumentos em prol de um liberalismo com algum viés conservador nos costumes, mas sempre com foco no indivíduo, a menor minoria de todas.

Se a nova direita está mesmo em fase de crisálida, então todo cuidado é pouco: queremos que saia daí uma bela borboleta, não uma vespa venenosa, capaz de matar a jararaca à esquerda, mas igualmente perigosa para a sociedade, para o indivíduo.

PS: Li neste fim de semana o novo livro de Mario Vargas Llosa, Cinco Esquinas, o décimo que leio dele, um grande escritor e também um grande liberal. O livro retrata a era Fujimori no Peru, com seu braço-direito, o temido “Doutor”, um advogado corrupto, autoritário, que usava a imprensa marrom sensacionalista para destruir os inimigos do poder. Estes poderiam ser empresários, jornalistas, críticos em geral. E só era possível esse regime ditatorial porque, do outro lado, o pavor era ainda maior com os terroristas comunistas, com o Sendero Luminoso e outros grupos guerrilheiros marxistas. Mas isso não quer dizer que a alternativa fosse boa. Os liberais não suportavam o comunismo, mas nem por isso precisavam ser fãs de Fujimori. Vargas Llosa se vinga com o livro daquele que o derrotou nas eleições presidenciais de 1990. A “direita” repressora, corrupta e autoritária representada por Fujimori pode ter sido um “mal menor” se comparada ao Sendero, mas os liberais e os conservadores de boa estirpe devem continuar combatendo ambos, até que a liberdade possa vencer.

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Rodrigo Constantino