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Estado mínimo é abandonar os mais necessitados?

Por José L. Carvalho, publicado pelo Instituto Liberal

O conceito de Estado mínimo está justamente associado a manter as atividades estatais circunscritas àquelas que ele deve desenvolver para manter e preservar as liberdades individuais e favorecer o uso eficiente dos recursos escassos. Nesse sentido a organização do Estado em uma federação pode contribuir para um a maior eficiência de suas atividades e favorecer a liberdade pela desconcentração de seu poder pelos três níveis administrativos: a União, os Estados e os Municípios. Semelhantemente à divisão do trabalho entre o Estado e o setor privado, há critérios de liberdade e eficiência que justificam uma divisão do trabalho no setor estatal entre esses três níveis administrativos. Como o cidadão é o maior interessado nas atividades estatais, quanto mais próximo a ele estiver dentro de tais decisões, maiores as chances de que as atividades do setor publico sejam produtivas.

Uma discussão importante diz respeito a possibilidade de o Estado desenvolver ações de natureza humanitária, uma vez que a valorização da vida humana ocorre em todos os paradigmas de organização social. A questão, portanto, é que tipo de atividade estatal deve compreender as chamadas ações humanitárias. Como a vida é um dos valores fundamentais da sociedade, as pessoas nessa sociedade desenvolverão mecanismos privados e estatais para a preservação da vida dos desvalidos, isto é, aqueles que não tem condições de se manterem, ainda que investimentos sejam feitos na sua pessoa.

De um modo geral, aqueles que se intitulam social-democratas parecem querer monopolizar possíveis soluções para os chamados problemas sociais.

Tais problemas podem ser resumidos em uma única palavra: pobreza. O combate à pobreza é facilmente concebido por um conjunto de políticas publicas ditas políticas sociais. Na repartição do poder político, os partidos autodenominados progressistas insistem em manter o controle das secretarias ou ministérios cujas atividades estão ligadas às políticas sociais. Em quase todo o mundo, em nome de promover a melhoria da qualidade de vida dos pobres tais políticos tem acabado por penalizá-los. Para usarmos a imagem de Adam Smith, em políticas públicas as autoridades, com intuito declarado de promoverem o bem-estar dos desvalidos, são como que conduzidas por uma mão invisível dos grupos de interesse a promoverem o bem-estar de poucos a expensas de muitos. Os exemplos são tão abundantes que dificilmente passariam despercebidas a um observador ingênuo dos eventos sociais: Quem gosta de pobreza é intelectual. Pobre gosta é de luxo (Joãozinho trinta, carnavalesco).

Os desastres da intervenção equivocada das autoridades públicas tem sido objeto de análise por parte de vários autores. No caso brasileiro temos acompanhado os benefícios apropriados pela classe média alta em decorrência de políticas sociais (o subsidio à aquisição da casa própria; o subsidio à educação superior em universidades públicas), bem como a penalização de grupos que se deseja proteger com a intervenção (salário mínimo, proteção à mulher trabalhadora). O conceito de capital humano é muito útil para considerarmos ações publicas contra a pobreza.

Podemos dizer que o capital humano de cada indivíduo corresponde aos atributos natos e aos atributos adquiridos por meio de um processo de aprendizagem, o qual os economistas chamam de investimento. Dessa forma, se quisermos analisar como o capital humano é acumulado a partir dos atributos natos temos que considerar o que limita a capacidade de aprender das pessoas na acumulação de atributos adquiridos.

Os atributos natos são aqueles que nascem com o individuo, isto é, suas características hereditárias, sua capacidade de aprender, sua habilidade pessoal etc. Esses atributos podem ser ampliados, retardados, estimulados, desestimulados durante o processo de vida do indivíduo. Os atributos adquiridos são aqueles produzidos no seio da família ou mesmo na coletividade, e estão condicionados aos atributos pessoais originais. Os indivíduos têm capacidade consciente de promover apenas os atributos a serem adquiridos, porquanto os atributos natos, por definição, são as características individuais ao nascer. Dessa forma, condições de saúde e educação inibem ou incentivam, por meio dos atributos adquiridos natos, formando consequentemente, o capital humano do indivíduo. Isso quer dizer que é possível se acumular capital humano por meio de investimento em saúde e educação.

Para efeito de análise, o que nos interessa são os atributos adquiridos, porquanto os atribuídos natos dependem, fundamentalmente, de questões éticas (exceto em casos especiais), uma vez que esses atributos são determinados, até certo ponto involuntariamente, pelos pais do indivíduo. O que determina então os atributos adquiridos pelo indivíduo? Evidentemente, as condições socioeconômicas nas quais o indivíduo se desenvolve são fundamentais. Cremos que a inter-relação entre renda familiar, saúde e educação deve explicar grande parte da possibilidade de os indivíduos adquirirem capital humano.

Por certo, a renda familiar é extremamente importante. Ela se constitui na grande restrição quantitativa imposta às famílias, na aquisição de bens e serviços, inclusive aqueles necessários à formação do capital humano de seus membros. Os membros economicamente ativos em uma família têm um nível de saúde e educação no momento atual, o qual resulta de gastos anteriores, realizados por eles mesmos ou por seus familiares. Como, de um modo geral, alta renda esta associada a alto conteúdo de capital humano, a inter-relação de saúde, educação e renda determina, para as famílias mais pobres, o que se convencionou chamar de círculo vicioso da pobreza e da miséria.

A grande dificuldade em se quebrar este círculo vicioso reside principalmente na impossibilidade de os indivíduos se endividarem com base nas suas rendas futuras provenientes de seu trabalho. Pela impossibilidade de investirem em si próprios, devido às restrições de baixa renda e às distorções no mercado de capitais, estes indivíduos não podem aumentar sua produtividade e, consequentemente, seus rendimentos provenientes do trabalho. Esse circulo vicioso estende-se aos membros da família, isto é, os filhos dos trabalhadores pobres tendem a continuar pobres, porque sua família não tem capacidade de lhes propiciar os meios materiais, psicológicos e ambientais necessários ao desenvolvimento de seus atributos natos (que, por questões de saúde, já são bastante limitados nos casos de maior pobreza) de modo a aumentar-lhes seu capital humano.

Embora a quebra do circulo vicioso da pobreza e da miséria só possa ser conseguida em longo prazo, parece-nos claro que a forma mais viável de se quebrar tal circulo vicioso é pela implementação de políticas que visem ao aumento do conteúdo de capital humano das pessoas mais pobres. Nesse caso especifico, a intervenção é justificada: primeiro, pelas externalidades associadas às condições de educação e saúde da coletividade e, segundo, pela impossibilidade de as pessoas que possuem apenas capital humano terem acesso ao mercado de capitais, isto é, tomar emprestado para acumularem capital humano e então amortizarem suas dividas. Além disso, a importância da educação no processo produtivo familiar, constatada em muitos trabalhos empíricos, sugere um maior investimento em educação. Especialmente, esses investimentos devem se concentrar na pré-escola e nos cursos fundamentais médios, pelo seu maior impacto sobre a eficiência dos indivíduos na produção de bens, domésticos ou não, e sobre sua capacidade de absorver informações.

Investimentos em educação e saúde devem ser feitos visando, precisamente, à melhoria da qualidade de nossas crianças. É mais ou menos aceito por todos os cientistas sociais, médicos inclusive, que os seis primeiros meses de vida de uma criança são extremamente importantes no que se refere à sua capacidade de aprender e, consequentemente, à sua capacidade de acumular capital humano ao longo de sua vida. Assim, investimentos na pré-escola, de modo que as crianças de famílias pobres possam freqüentá-la a partir dos seus primeiros meses de vida, além de ser o principal instrumento de combate à pobreza, se constituem, juntamente com os investimentos na escola (curso fundamental e médio), na política pública recomendada pelos princípios liberais. Note que os investimentos na pré-escola e na escola não implicam que o estado mantenha unidades educacionais. Tais investimentos podem ser feitos por meio de cheque-educação e outros estímulos para que o setor privado invista em tais atividades.

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