Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Conversando com meu amigo Antonio Pinho, chegamos a uma conclusão: o avanço tecnológico deu mesmo origem a um Estado policial que funciona paralelamente a democracia. Isso porque, como temos visto de alguns anos para cá, dado o aumento exponencial da tecnologia, mais e mais pessoas são registradas e censuradas por seus comportamentos muitas vezes nem tão reprováveis assim. São nestes momentos que George Orwell aparece como profeta.
Importante destacar, contudo, que não falo crimes de verdade. Para isso a tecnologia bem serve. Graças a ela criminosos podem ser registrados e posteriormente punidos. Não é disso, portanto, que aqui me refiro. O que se pretende salientar é que a expansão da técnica não é uma via de mão única: se ela registra crimes, opera também como ferramenta de censura ideológica.
A demanda por novos recursos, a exigência e a necessidade de mais desempenho, tudo isso também redundou em novas maneiras de registrar o comportamento alheio e com mais desempenho para compartilhá-lo pelas redes sociais. Mas claro que essa censura toda não nasceu a partir do nada.
Há, na sociedade atual, uma nefasta assimilação até mesmo inconsciente, em alguns casos, do politicamente correto, como norma de conduta – tudo isso facilitado pela mídia, claro. Assim, às vezes, mesmo aqueles que não defendem sistematicamente tal cartilha, trabalham em seu favor.
Eis a ambigüidade: pelo fato do consumo ser democrático – pois os novos produtos são vendidos para pobres e ricos, liberais e até socialistas que adoram iPhones – a tecnologia serve a todos. Consequentemente, seu uso por censores de toda sorte é mais uma forma daqueles que adoram execrar o mercado valerem-se de dispositivos produzidos pelo próprio mercado.
Desse modo, se um revólver pode amparar tanto ao homem de bem quanto ao bandido, do mesmo jeito ocorre com os celulares, que compartilham uma piada e censuram outras; que servem ao enaltecimento e ao linchamento – vide o caso de Everson Zoio sobre o qual escreviaqui. Basta um comentário pelas redes sociais, um vídeo, uma piada, qualquer coisa que chame atenção da patrulha politicamente correta para que o sujeito seja constrangido publicamente e sem que haja salvação – posto que tudo o que é postado ou registrado, uma vez na internet, para sempre na rede.
Ainda há quem insista na ideia de que hoje somos muito mais livres do que na Idade Média. Por um lado, claro que sim. Mas, por outro, é evidente que não, sendo que naquele período você podia pegar um cavalo e desaparecer, o que hoje, na era dos celulares, das câmeras e do GPS, é praticamente impossível.
Daí o paradoxo de vivermos um Estado policial em meio à democracia. Se antes, ao longo das diversas ditaduras, havia milícias do governo ou agentes disfarçados, hoje existem soldados ideológicos perambulando pelas ruas. Entretanto, diferentemente dos fascistas clássicos, esses novos censores não recebem salário; são apenas recompensados pela vaidade de parecerem bonzinhos aos olhos dos outros por “indignarem-se” com uma piada – “racista”, “fascista”, “machista”, “homofóbica“ – e pelo narcisismo proveniente dos likes.
Depois disso tudo, não se pode negar: a evolução tecnológica, que é necessariamente efeito das mais livres sociedades de mercado, serve e facilita a vida do politicamente correto, que não passa de um pensamento autoritário. Então, o que fazer? Se fôssemos socialistas poderíamos optar pela proibição da venda de celulares. Mas graças a Deus não estamos num socialismo e não somos contra a democracia no consumo, não é mesmo? Em outros termos, somos também favoráveis à venda de celulares etc., mesmo para comunistas ferrenhos, certo?
Então, já que é assim, a única coisa que nos resta é lidar com essa perigosa ambivalência – mais uma entre as milhares que existem na vida. Assim sendo, creio que uma das alternativas é conservar e intensificar o discurso de contraposição a esse Estado policial funesto que se agiganta gradativamente e que procura intervir cada vez mais sobre nossas vidas privadas.