Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Estamos aqui novamente para abordar o tema Bolsonaro. Digo isso porque meu último artigo aqui no Instituto Liberal tratou do mesmo candidato. A propósito, eis um adendo importante: não faço parte de torcida, portanto prefiro fazer análise mantendo certa distância. Dito isso, vamos ao objeto principal do texto.
Ao falar sobre a situação política contemporânea com uma amiga, ela, que é médica e atende no SUS, me disse ter sido agredida por um homem que não aceitava algumas condições inevitáveis dadas as precariedades do sistema público de saúde. Vejamos ao ponto absurdo no qual chegamos: um bárbaro agredindo uma médica que não tem culpa nenhuma por uma saúde pública infectada pelo descaso. Claro que nada aconteceu com o sujeito – e aqui observamos a impunidade, outra moléstia atual.
Algo semelhante ocorreu pouco tempo depois. Mas dessa vez ela foi agredida por uma senhora viciada em drogas e que também não aceitava a ausência de alguns medicamentos. Novamente, nenhuma punição sofrida pela agressora – a epidemia de impunidade novamente se fez presente.
E como se não bastasse isso tudo, não demorou muito tempo para ocorrer algo ainda mais assustador. Sobre o episódio, colo aqui a mensagem que recebi hoje no Whatsapp: “Já tive que me esconder em banheiro de paciente armado querendo me dar um tiro na cara.”
Essa revelação bizarra me lembra aquilo que minha irmã, que estuda medicina em outra cidade, me disse há poucas semanas: “Fiquei sabendo que mataram uma enfermeira.” A razão? Também a questão da demora, da falta de agilidade por causa da carência de recursos etc. Quanto à punição do assassino, não sei dizer o que sucedeu.
Tudo isso aconteceu no SUS que, a despeito de importante de certa forma, jamais terá a qualidade do atendimento privado – aliás, raramente ouvimos falar de agressões ou assassinatos em consultórios particulares. Mas no que tange ao sistema público, ainda de acordo com a minha amiga: “O que mais tem por aí é agressão.”
Sim, até agora pouco falamos de Bolsonaro, que entra em cena a partir da seguinte síntese: através desses episódios relatados, observamos a união de três fatores que não saem da mente dos eleitores do candidato do PSL e que compõem a tríade saúde-desarmamento-segurança. Donde a ideia de que, para muita gente, Bolsonaro seja a única forma de quimioterapia que possa combater o gigante tumor vermelho, efeito colateral de décadas de vício ideológico.
Considerando o que ocorreu com a minha amiga, nota-se primeiramente que, além da saúde estar numa condição deplorável, ninguém tem direito à defesa e, se é agredido, o malfeitor não recebe a devida punição.
Se olharmos por outro ângulo, podemos inferir rapidamente o que pensa uma eleitora como ela: se Bolsonaro entrar talvez haja menos corrupção – e consequente melhora na saúde pública; direito à autodefesa – e com isso menos receio de se vitimada por um desequilibrado armado; e aumento da segurança com a redução da impunidade – caso alguém me agredir, vai parar na cadeia.
Por falar em cadeia, essa mesma amiga trabalhou por algum tempo numa penitenciária e diz ter presenciado início de rebeliões e regalias – que Bolsonaro promete extirpar – e domínio de facções que mandam mais do que o poder público – ela me enviou uma foto de um homem no ambulatório da penitenciária que levou dez estocadas com uma arma feita com uma chapa de ferro e que acabou morrendo. É o caos. A anarquia em termos de poder público. Sendo assim, é compreensível que ela queira votar no único candidato que fale sem travas na língua a respeito da punição de criminosos e não faça discurso bonitinho, não é mesmo? A lógica é pura e simplesmente essa.
Assim, com exceção da saúde pública – que é pauta genérica –, não é por que Bolsonaro discursa em favor da autodefesa e pela punição severa de criminosos que ele tem arrebanhado tantos eleitores? É claro que sim! Desse modo, minha amiga – que está há mil anos luz de ser desinformada– converteu-se em eleitora de Bolsonaro, que não promete medicar a política de forma mágica.
Além do que, depois de eu brincar dizendo que ela votaria no fascista Guilherme Boulos e ela responder que votaria em Bolsonaro, sua frase foi a seguinte: “Gente, sou médica e trabalho no SUS.” – ou seja, ela queria, com tal frase, dizer isso: como é que vou votar na esquerda depois de ver e viver isso tudo?
O Brasil agoniza na educação, na indústria, no desemprego e, claro, na saúde. Bolsonaro surge como uma alternativa ao projeto de poder da esquerda. Claro que seu fenômeno se deve muito a indignação e – atentemos para este próximo termo – ao revanchismo político. Minha amiga, depois de passar por isso tudo, foi também picada por este revanchismo – que entendemos em termos emocionais e mesmo políticos, mas que não significam necessariamente a melhor escolha. Entretanto, a emoção, como sempre, tem sua influência sobre a razão. E o ódio à esquerda inverte o sinal para ligar o louvor a Bolsonaro. Produto relativamente perigoso em termos de Filosofia Política, mas um fato impossível de passar despercebido.
Não é sem razão, portanto, que Bolsonaro seja visto como um socorrista ao qual recorre grande parte daqueles que foram seriamente feridos pela corrupção. Ou ainda como o único cirurgião que parece ter a ousadia de amputar os músculos pútridos que comprometem o corpo público. Enfim, para seus eleitores enfurecidos, Bolsonaro surge como um cirurgião plástico que promete mudar a cara do Brasil.
Consequentemente, por causa da situação de exposição e de precariedade sofrida no trabalho pelos médicos do SUS, minha amiga, por fim, assevera: “A ‘medicada’ vai votar em peso no Bolsonaro.” Dessa forma, é notório que esses médicos vêem o Brasil como um paciente em estado terminal que deve sair da UTI para o PSL e diagnosticaram a esquerda como um tumor maligno que precisa ser tratado com doses cavalares de Bolsonaro.
Nota do blog: Estive recentemente fazendo check-up numa clínica na Barra (RJ) e o urologista puxou conversa sobre política. Começou pelas beiradas, falando mal de todos os candidatos, e passou a falar da violência, dos assaltos que sofreu na Tijuca. Eu já sabia onde ele queria chegar. Perguntei: vai de Bolsonaro? Ele, um tanto tímido, confessou que sim, e quis saber minha opinião. Ora, com a parte mais importante do meu corpo em suas mãos, ele poderia se declarar um petista fanático que eu encontraria um ou dois elogios para fazer a Lula. Felizmente não foi necessário mentir para proteger meus ativos valiosos. Disse que compreendia perfeitamente o fenômeno. Se vai resolver mesmo é outra questão. Mas o “basta!” ao esquerdismo, praga que assola o Brasil há décadas, é algo extremamente legítimo e lógico.
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