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A estatização da bondade: filantropia deve ser sempre voluntária

ISSO é caridade. (Foto: )

Nós liberais e também conservadores defendemos duas teses básicas quando o assunto é bondade humana: 1) que o ato, para ser moral, deve ser sempre voluntário, já que não faz sentido falar em “ato de caridade” quando quem o pratica o faz sob a mira de uma arma (mesmo que do governo); 2) que a estatização dessa “bondade”, ou seja, que a transferência dessa responsabilidade para o estado é não só ineficiente nos resultados para aqueles de que mais ajuda necessitam, como acaba minando a própria solidariedade humana com o tempo.

Não são poucos os casos que conheço de pessoas que dizem que não pretendem mais praticar atos de caridade pois já pagam quase 40% do que ganham para o governo cuidar disso. Na China, país comunista, cansamos de ver a negligência para com crianças abandonadas nas ruas. O paternalismo estatal, o “welfare state”, o coletivismo incorporado ao modelo de governo acabam destruindo o próprio senso de responsabilidade individual frente às mazelas sociais.

Com isso em mente, uma das coisas mais nefastas que aconteceram nos últimos tempos foi justamente a tentativa de “monopolizar as virtudes” por parte da esquerda estatizante. Só defende os pobres quem prega o socialismo, só se preocupa com as “minorias” quem pretende estatizar a bondade, transferir a obrigação moral de ajudar os mais necessitados ao governo, justamente àquele que obtém seus recursos de forma compulsória, ou seja, retirando a volição da ação caridosa, o que mata o próprio conceito de caridade.

Já isso é Já isso é “welfare state”.

Tenho vários textos sobre isso, e não veria sentido em escrever mais um, o que seria redundante. Mas resolvi escrevê-lo mesmo assim, por um aspecto interessante: um sociólogo esquerdista, que foi fundador do PT, escreveu em sua coluna de hoje no GLOBO coisas muito parecidas com essas ditas acima. E isso, convenhamos, é coisa rara e merece destaque (mas calma que há uma pegadinha, como veremos adiante).

Paulo Delgado foi fundador do Partido dos Trabalhadores ao lado de Florestan Fernandes, Mário Pedrosa, Antonio Candido, Sérgio Buarque de Hollanda, Paulo Freire, entre outros. Foi da primeira direção nacional do PT junto com Apolônio de Carvalho, Luiz Inácio Lula da Silva, Vladimir Palmeira, Plínio de Arruda Sampaio, Francisco Weffort, Lélia Abramo, Olívio Dutra, entre outros. Nessa ocasião ocupou o cargo de Secretário de Filiação e Nucleação do partido. No PT, exerceu as funções de Secretário de Organização e de Relações Internacionais. Integrou a 1ª Diretoria Executiva da Fundação Wilson Pinheiro, fundação de apoio partidário instituída pelo PT em 1981 e antecessora da Fundação Perseu Abramo.

Ou seja, trata-se de um “petista de carteirinha”. E o PT, como sabemos, foi um dos maiores responsáveis por essa visão socialista e coletivista no país, que usurpou dos indivíduos o “dever moral” de ajudar os mais necessitados, ao concentrar no governo tal poder e papel. E esse mesmo Delgado parece ter se dado conta de que a “estatização da bondade” foi terrível:

Atenção: a política pretende estatizar a compaixão.

A filantropia é o caminho dos otimistas. Nasceu da moral privada das pessoas de bem. E só, muito depois, contaminou a ética pública dando origem ao estado de bem-estar social e os regimes democráticos. No Brasil, chegou com as Santas Casas de Misericórdia, ainda no período colonial. Muito antes da Independência e da Proclamação da República.

Quando praticada de forma verdadeira é vocação que não engana nem frustra a confiança das pessoas. A riqueza que produz é salvar setores vulneráveis do esquecimento. Imaginar sua razão de ser no campo tributário é achar que o imposto é um deus e desconhecer o milagre que a faz funcionar com milhares de colaboradores. O coletor de impostos não sabe o papel dos serviços de natureza social na economia invisível da sociedade.

Instrumento de promoção e integração de pessoas à cidadania plena, o que a impulsiona é o desprendimento, solidariedade, altruísmo, o voluntariado. A filantropia é o oposto do egoísmo. Em quase mil municípios brasileiros a única instituição de saúde é filantrópica.

[…]

O esforço do governo para se meter em tudo não é democracia. Assim, o Estado não deve pretender, em todos os casos, ser o titular, o formulador da política para a sociedade. Muitas entidades filantrópicas têm mais a ensinar do que a aprender dos governos. 

Ora, reduza tudo à tributação, obrigação, igualdade e a direito que do ser humano você só verá o vassalo, o subcidadão. A política não é tudo. Por isso, é sempre hora de valorizar o que nossa cultura, e pessoas beneméritas com visão de futuro, construíram. Afinal, que virtude pode ter a Sociedade onde só ao Estado cabe fazer o bem?

Sábias palavras! Vivo nos Estados Unidos, país onde é bem mais comum ver a filantropia diariamente, em todos os níveis de renda. E há também um estado de bem-estar social muito menor aqui, apesar de Obama e a esquerda terem feito de tudo para aumentá-lo, para torná-lo mais “latino”. A filantropia é inversamente proporcional ao paternalismo estatal, e isso precisa ficar bem claro.

Mas não é muito estranho um esquerdista com essa mensagem liberal? É sim. E eis o busílis, conforme prometido: Delgado solta, em meio a essas pérolas, alguns porcos bem fedidos, fruto do velho ranço petista. O que ele quer, pelo visto, não é reduzir o estado e deixar os indivíduos, livremente, praticarem o bem; ele quer que o estado não corte recursos de ONGs que dizem praticar o bem, o que é algo muito diferente. Diz ele:

A filantropia autêntica ultrapassa o que pede a Lei. Constrói, fora do Estado, tão sólida ética pública que são bons governos que valorizam as parcerias com o setor. A assistência social, de alcance universal, sem ônus para seus beneficiários, é a mais moderna e autônoma política pública. Não pode ser objeto de escolha política errada em razão de crise econômica provocada por má governança das contas públicas. Respeitados os princípios contidos na Constituição Federal, de gratuidade, controle social e transparência deveria ser bem-vindo quem a ela se dedicasse.

[…]

Foi essa autocontenção do Estado, em relação à sua competência regulatória total, que deu origem à parceria público-privada, da qual a filantropia é o mais elevado exemplo.

Sai Dr. Jekyll e entra Mr. Hyde. O médico dá lugar ao monstro. Delgado não quer abolir a “estatização da bondade”; ele quer investir na “parceria público-privada”, ou seja, a grana estatal e a gestão “privada”, das ONGs que ignoram a letra N na sigla e dependem do governo, normalmente pregando o estatismo como contrapartida. Pergunto: se a fonte dos recursos continua sendo estatal, obtida por meio de impostos, onde entra a moralidade da ação caridosa?

O sociólogo de esquerda continua pregando, como podemos ver, a mesma “estatização da bondade”. Ele só quer “autonomia” na hora de usar os recursos obtidos, não por doação, como deveria ser na filantropia, mas por imposição do governo. E o indivíduo continuaria delegando a bondade ao estado, que não pode ser bom, pois nasce da força. Pode, no máximo, ser um “mal necessário”, para impedir coisa ainda pior.

Quem defende a verdadeira filantropia, a caridade cristã, precisa pregar a desestatização da bondade, ou seja, o fim do estado paternalista de bem-estar social, e a devolução da caridade para indivíduos e organizações realmente voluntárias. Aprecio bastante o conceito de caridade para deixá-la nas mãos do estado.

Rodrigo Constantino

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