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Impossível ver as cenas dos “protestos” na França recentemente e não lembrar do influente livro The Strange Death of Europe, de Douglas Murray. Sim, Paris foi palco de muitas revoltas, a começar pela mais sangrenta de todas, a própria Revolução Francesa. Mas uma análise mais distante e isenta vai comprovar: a Europa vive dias tensos em que seu futuro mesmo se encontra em jogo.

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Pode-se apontar para as demandas pontuais dos “coletes amarelos”, para a proposta de aumento de impostos, ou para a fraca liderança de Macron. Mas tudo isso é conjuntura. A estrutura, que está podre, fala muito mais fundo aos corações: os europeus em geral e os franceses em particular deixaram os pilares de sua civilização se erodirem a tal ponto que uma reconstrução pode ser inviável agora.

A tese central de Murray é que uma população culpada pelo passado, que perdeu o contato com os valores morais tradicionais e a religião que os garantia, resolveu se tornar a “casa do mundo” e abraçou o multiculturalismo, escancarando suas fronteiras para imigrantes, em especial muçulmanos que se recusam a assimilar a cultura que os recebe. Esse somatório de imigração descontrolada, autoestima reduzida e o multiculturalismo estão levando a um suicídio cultural, acelerado por lideranças fracas.

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Faltou na equação o modelo econômico paternalista, que promete muito e entrega pouco, cobrando caro demais para tanto. A “utopia” universalista que seduziu os europeus, ao mesmo tempo em que as lideranças políticas ignoravam a importância do patriotismo, foi fatal. Bancar o politicamente correto e o bonzinho, embarcar na histeria ecológica e receber todo tipo de imigrante sem qualquer preocupação com sua assimilação cultural, justo num momento de fragilidade da identidade e enfraquecimento religioso, pode ter sido fatal.

A França é um caso ainda pior por conta de sua mentalidade dirigista, da força descomunal dos sindicatos, de uma elite extremamente arrogante e culpada ao mesmo tempo, ícone da esquerda caviar global. Estado de bem-estar social com pesados impostos, multiculturalismo que rejeita a superioridade da cultura ocidental, desprezo religioso confundido com laicidade, perda de identidade nacional e invasão bárbara: eis o caldo que entornou no caos social de hoje.

É triste ver a nação que nos deu Tocqueville, Bastiat e tantos outros pensadores liberais sucumbir desse jeito sob o peso do “progressismo”. É lamentável ver o continente de Goethe, Kant e Shakespeare se tornando cada vez mais irreconhecível. Mas é o preço da utopia. E a reação nem sempre será positiva. Ou alguém acha mesmo que Marine Le Pen seria a salvação? Pobre Europa. Colhendo aquilo que plantou. Será que ainda é possível evitar um destino tão sombrio?

Artigo originalmente publicado na revista IstoÉ