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Evite as trilhas para o sucesso: cuidado com os picaretas que oferecem milagres!
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O mundo é cheio de oportunistas e embusteiros, que tentam explorar as fraquezas e vícios dos homens. O que não falta são vendedores de terrenos na Lua – e quem os queira comprar. Em seu novo livro, Filosofia para Corajosos, Luiz Felipe Pondé fala de um tipo desses, o “picareta do espírito”. Diz ele:

Existem três grandes áreas de choques na vida. 1) Saúde e doença, 2) dinheiro e trabalho e 3) amor e família. Quase tudo pode ser incluído nessas áreas, e elas, pelo menos uma delas, sempre dá problema, sendo a saúde a definitiva. Esses picaretas do espírito, assim como os xamãs pré-históricos faziam, anunciam coisas que sempre podem acontecer: viagem a trabalho, doenças na família, oportunidades de grana, traições afetivas.

[…]

Para ser um picareta do espírito você precisa ter algum talento especial. No mínimo ser observador, manipular bem as três áreas de choque às quais me referi e entender um pouco de psicologia humana para saber que somos uns desgraçados amedrontados, carentes, abandonados, e que isso se vive no dia a dia, com os pais, os filhos, os cônjuges, os colegas de trabalho.

Pois bem: aqui vou focar no tipo de picareta que seduz suas vítimas com promessas irreais quanto ao dinheiro. Costumam usar frases de efeito, tais como “a última oportunidade de sua vida”, “multiplique seu patrimônio por dez em poucos meses” ou “você não pode perder essa oportunidade de ficar rico rápido”. É fácil detectar quando estamos diante de um embusteiro. Mas muita gente, infelizmente, cai nessa.

Quando eu era gestor e tinha uma coluna no jornal Valor Econômico, escrevi um texto exatamente sobre isso. Estava irritado com alguns fundos fazendo “malabarismos”, com muitos colegas comentando sobre a “genialidade” de um gestor coreano que era apenas maluco, e de jovens encantados com o Forex nas redes sociais, pensando ser possível ficar milionário sem muito esforço e em pouco tempo.

Eis o texto então, que reproduzo aqui para que meus leitores fiquem muito atentos a esse tipo de enganação na era do Miojo, onde tudo deve ser “instantâneo”, como “notícias” de 140 caracteres e propostas de enriquecimento imediato:

Evite as trilhas para o sucesso

“Eu acredito muito na sorte, e descubro que quanto mais duro eu trabalho, mas eu tenho dela.” (Thomas Jefferson)

Desconfie de todos os atalhos para o sucesso. Normalmente, seu caminho é árduo e longo, repleto de obstáculos. Demanda esforço, trabalho, coragem, tolerância ao risco, dedicação, paciência e humildade. Thomas Edison dizia que a genialidade era 1% de inspiração, e 99% de transpiração. As trilhas costumam levar a penhascos com freqüência.

Exemplos do cotidiano não faltam. Quem deseja emagrecer, pode tomar aquelas bolinhas para cortar caminho. Não sem graves seqüelas. A saúde cobra um elevado preço. O barato sai caro. O mesmo para quem deseja ficar forte num piscar de olhos. Os anabolizantes fazem o serviço parecer mais fácil, mas é tudo ilusão. O corpo vai contabilizando com juros o preço da aventura.

Quem deseja conhecimento passa pelo mesmo dilema. Aqueles livrinhos que fazem resumo do resumo para cada filósofo, prometendo aprendizado em apenas 90 minutos de leitura, atraem muita gente com preguiça de beber direto da fonte. Mas ninguém vai conhecer de fato a filosofia de Nietzsche ou Schopenhauer, lendo um livro desses. Para uma conversa de bar, esses livros podem ser úteis. Mas o conhecimento verdadeiro custa mais caro em termos de investimento do tempo disponível.

Os saltos discretos normalmente não ocorrem no progresso da mente ou do corpo. Não há porque ser diferente quando se trata do bolso. Claro que existem exceções. Alguém pode ficar rico de repente, por ter tido alguma idéia brilhante ou ganhado na loteria. Mas contar com isso é mais que arriscado: é irresponsável. O gradualismo quase sempre faz parte do sucesso, principalmente daquele sustentável. O campeão não se torna campeão no ringue; ali ele apenas é reconhecido, colhendo o que foi plantado ao longo de um período de árduo treinamento. Na vida, colhemos aquilo que plantamos, não o que sonhamos. Os golpes de sorte ou os raros casos de genialidade existem, justamente para comprovar a regra. Portanto, uma boa dose de ceticismo diante de promessas fantásticas é sempre saudável. Aquilo que parece bom demais para ser verdade, normalmente não é verdade!

Como gestor de recursos, sempre olho com desconfiança redobrada para aqueles gestores com desempenho exageradamente positivo. Conseguir dobrar o capital em um ano pode acontecer uma vez, por mérito do gestor ou mesmo sorte. Mas quando alguém apresenta retornos incríveis por três, quatro anos seguidos, uma luz amarela acende automaticamente. Pode acontecer, sem dúvida, como pode acontecer de alguém ganhar na loteria. Mas eu prefiro não arriscar o patrimônio dos clientes em um produto desses. Quando a esmola é demais, o santo desconfia. Essa sabedoria popular com freqüência é ignorada no mercado financeiro. A tentação de ficar rico num curto espaço de tempo é sedutora demais. 

O melhor exemplo desse risco foi a derrocada do LTCM em 1998. O fundo apresentou retornos incríveis por três anos seguidos, até que tudo veio abaixo em poucos dias, como um castelo de cartas. Descobriu-se que o excesso de alavancagem e o risco de liquidez podem custar caro demais: a própria sobrevivência do negócio. No Brasil, o caso do GWI reforça a lição de que um desempenho bom demais pode ocultar por algum tempo um risco elevado demais também. Quando os ventos mudam de direção, a realidade fica exposta. A observação de Warren Buffett vai direto ao ponto: “Quando baixa a maré é que a gente vê quem estava nadando pelado”. 

Voltando à analogia com o corpo, todos sabem no fundo o que deve ser feito para emagrecer: fechar a boca e fazer exercício físico. Mas é mais fácil falar do que fazer. Esforço contínuo, perseverança e paciência são ingredientes necessários numa dieta saudável. E nem todos conseguem seguir essa trajetória. No caminho, os atalhos poderão ser tentadores demais, como o canto das sereias em Odisséia. E como Ulisses teria feito, amarrando-se no mastro, devemos criar mecanismos próprios de controle contra tais tentações. Elas podem ser fatais.

O mesmo costuma ocorrer quando se trata de riqueza. Como dizia novamente Warren Buffett, não importa quão grande seja o talento ou esforço, algumas coisas simplesmente demandam tempo: não é possível produzir um bebê em um mês engravidando nove mulheres. Evite as trilhas para o sucesso. Se fosse fácil chegar lá, todos já teriam chegado. E anotem em local de destaque a seguinte lição de David Starr Jordan: “Sabedoria é saber o que fazer; virtude é fazer”.  

Rodrigo Constantino

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