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Existe protecionismo justo?

Dando sequência ao tema do livre comércio, segue mais um texto meu que refuta a tese badalada de que há um papel importante para o governo no caso de medidas protecionistas “justas”, como evitar o dumping. Nem mesmo nesses casos a intervenção estatal é benéfica. Acaba prejudicando os consumidores brasileiros em nome do interesse nacional.

Protecionismo justo?

“O hiato entre a retórica e a realidade da política comercial antidumping é simplesmente enorme.” (Douglas Irwin)

Que o livre comércio internacional é benéfico para a humanidade é algo bastante lógico, e comprovado pelas experiências empíricas. Mas há um tipo de protecionismo que gera muita controvérsia. Trata-se de medidas antidumping, que supostamente protegem as indústrias domésticas contra as trocas injustas. Será que, na prática, tais medidas são realmente eficazes? Ou será que elas acabam sendo utilizadas como um privilégio dos produtores, em detrimento dos consumidores da nação?

Em primeiro lugar, devemos deixar claro que, mesmo que um subsídio de um governo estrangeiro prejudique os produtores domésticos, ele permite que a nação importadora compre produtos com preços menores, graças à “generosidade” dos pagadores de impostos estrangeiros. A economia feita pelo preço menor seria realocada em outros setores, evitando perdas líquidas de empregos. Mas claro que, em nível mundial, tais subsídios não são desejáveis, pois atrapalham a alocação eficiente de recursos nas empresas com vantagens comparativas. Mas vamos analisar o protecionismo sob o pretexto de antidumping do ponto de vista doméstico.

O processo de antidumping é repleto de armadilhas sutis e bases arbitrárias, que na prática favorecem sempre as indústrias nacionais. Chega a ser irônica a alegação de que tais medidas visam à proteção das regras de comércio justo. Os abusos são constantes, e vamos analisar o caso americano, onde temos mais informações, e por este país representar o bastião do livre comércio mundial.

A acusação de que estrangeiros praticam preços diferenciados no mercado doméstico é delicada, já que a diferenciação de preços é uma importante estratégia de negócios. Dentro mesmo dos Estados Unidos, as empresas podem praticar preços distintos. Mas quando uma firma estrangeira fixa seu preço abaixo de outros mercados ou de seu mercado doméstico, está automaticamente exposta ao risco de penalidades por antidumping. Os conceitos costumam ser subjetivos, e muito poder é concentrado nos burocratas, que sofrem pressões políticas dos produtores domésticos.

Política predatória de preços ocorre quando os exportadores colocam seus preços abaixo dos seus custos de produção. Tal tática seria justificada somente se essas empresas pudessem gerar danos fatais às indústrias domésticas, e havendo barreiras à entrada no setor. Caso contrário, uma outra empresa sempre poderá retornar ao mercado, abalando a situação de monopólio da predadora, acabando assim com as chances dela recuperar suas perdas iniciais através de preços sustentáveis acima do normal.

Julgando pelos casos existentes nos processos de antidumping americano, o que podemos notar é que quase nunca esta situação esteve presente. Na verdade, o uso do protecionismo pelo argumento de antidumping serviu sistematicamente para proteção de indústrias domésticas contra a competição internacional, às custas dos consumidores, claro. Os casos mais conhecidos são o do aço e do setor têxtil. Os problemas dessas indústrias americanas são estruturais, já que elas não são competitivas vis-à-vis outros países. A nação como um todo ganharia se pudesse comprar aço mais barato do Brasil, Coréia ou Rússia, e roupas mais baratas do Vietnã, Camboja ou Brasil. Mas as empresas americanas abusaram da prerrogativa do antidumping para manterem os produtos mais baratos fora do mercado doméstico, prejudicando seus consumidores, assim como essas nações exportadoras.

São inúmeros casos onde houve clara arbitrariedade por parte dos juízes, comprovando que o uso do antidumping como justificativa para barreiras protecionistas pode ser muito perigoso. Muitas vezes somente a ameaça de entrada com processo de antidumping fez com que as importações despencassem, pois multas retroativas podem incidir sobre os compradores. Esses casos deveriam, ao menos, sucitar um debate mais intenso sobre a questão, aumentando o questionamento quanto a real utilidade do protecionismo em nome do “fair trade”. Na maioria das vezes, o “fair trade” será o “free trade”, regulado pelo próprio mercado, e não por poucos políticos sob forte pressão do lobby organizado de produtores domésticos, que objetivam na verdade a redução da competição.

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