Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Talvez a bizarra cena da exposição degradante de um homem nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo sendo tocado por uma criança visivelmente incomodada, sob o estímulo de uma mãe desnaturada, já tenha dado muito o que falar. Pensamos, porém, que não. O acontecimento pode parecer isolado, mas é ilustrativo de questões relevantes de nosso tempo, razão por que julgamos conveniente ainda insistir nisso.
Não há, de nossa parte, nenhuma exaltação da “massa” como detentora do monopólio da verdade. Nossas aderências whigs não permitiriam tal apreço pela demagogia ou tal fé cega no grande coletivo. Contudo, votamos ainda menos simpatia pelo desprezo completo da sensibilidade popular, nutrido por uma arrogante “elite” intelectual contaminada, quer pelo “progressismo” político de nossos tempos – alçado a norma sacrossanta de perspectiva moral -, quer pelo elogio da suposta própria “neutralidade” frígida e eruditamente embasada, quer por ambos, quando se trata de pautas como essa.
Não nos ocuparemos aqui de discutir os argumentos que foram levantados à exaustão para defender aquela estultice, tais como “a nudez é natural” ou “a maldade está nas pessoas, não na criança”. São subterfúgios de quem propositadamente ignora a trajetória e características da cultura e da civilização em que está inserido, tal como se fôssemos indígenas ou aborígenes; ou então de quem parece menosprezar as dificuldades posteriores de explicar a uma criança o que exatamente ela não deveria fazer com um adulto.
O que nos importa nesse rescaldo da polêmica é que, tão logo houve reação popular ao fato, à imagem, ao registro em vídeo, à cena em si, frise-se, da criança sendo constrangida a tocar o homem nu, de imediato irromperam as vozes superiores e impolutas. “Reagiram como histéricos”, dizem uns. “Atitude de reacionários animalescos”, julgam outros. “Não sabem o que é arte”, acrescentam ainda mais tantos. “Deveriam ser mais polidos e usar argumentos para debater construtivamente” e bla, bla, bla. Finalmente, reverbera a única manifestação de que foi capaz o próprio MAM em nota oficial: “Tiraram a mostra do contexto”.
O que presenciamos é a sincronia entre a ditadura contemporânea do “contexto” e a falácia da histeria. Principiemos pela segunda; tornou-se regra absoluta na seita dos iluminados que qualquer reação viril às excrescências ora abundantes é algum tipo de pecado capital. O “povão” é uma horda de bárbaros sedentos por tutela e quem reverbera a sua indignação, que não se prostituiu completamente às pregações dos ideólogos “limpinhos”, se sujeita à mesma barbárie. São todos animais trogloditas porque – que absurdo! – não acham correto uma criança ser estimulada a ficar tocando um homem nu em público, sujeita a ser filmada e passando um enorme constrangimento. Porque entendem que isso é análogo à pedofilia.
“Histéricos afobados!”, exclamarão, “Somos superiores. Entendemos de arte. Esses animais selvagens esquecem que o artista Fulano de Tal da Grécia Antiga construiu a estátua de um homem nu e ninguém considera um problema!”. Daí é um pulo para a argumentação principal – a de que a histeria “tirou a mostra do contexto”. Eis que os que se curvam ao “contexto” são os primeiros a descontextualizarem suas afirmações e estabelecer analogia entre o que não é associável; equiparam o Davi de Michelângelo a essa estúpida – e feia (como diria Roger Scruton, a beleza importa!) – erotização infantil.
Aquilo obviamente não é o que estão pensando! É uma “metáfora artística para passar alguma mensagem de tolerância e integração como resistência aos fundamentos heteronormativos e neoliberais da sociedade conservadora judaico-cristã ocidental de homens brancos”. Quem entendeu ao avesso disso, quem julgou uma afronta aos direitos da criança, é um fascista! Um ignorante! Não entendeu o “contexto”…
Trata-se de um efeito colateral de nossos tempos em que as franquias saudáveis de liberdade e expressão subjetiva acabaram por servir, nas mãos de irresponsáveis, para implantar, através, primordialmente, da linguagem, a tirania do subjetivismo, a autoridade das desconstruções relativistas, a ditadura, enfim, do “contexto”. Pois, ao fim das contas, em nossos dias, qualquer aberração tem um “contexto” para justificá-la.
“Somos os arautos da paz e do amor”. “Mas como se vocês idolatram ditaduras comunistas que mataram milhões de pessoas?”. Simples; foi tudo dentro do “contexto” da revolução socialista por um mundo melhor. Uma criança tocando um homem nu diante do público e exposta nas redes sociais? É o “contexto” de uma inocente obra de arte. Bandidos na rua assaltando as pessoas? É o “contexto” de jovens oprimidos em sua “pura potência” (mais ou menos como se expressou certa intelectual de uma unidade de ensino universitária aqui do Rio de Janeiro).
Tudo hoje, mesmo o mínimo senso moral e estético, deve render louvações a Sua Majestade, o contexto. Renunciar à sua autoridade é equiparado a censurar, proibir, calar pela força; apontam-nos os dedos em riste, como se, de repente, para proteger uma obra de “arte”, a legislação penal já não existisse mais e os direitos da criança e do adolescente se tivessem vaporizado. Não falamos em repressão violenta – falamos em defender entusiasticamente, pelas ideias, e, no caso de cometimento de crimes, pela aplicação da lei, a nossa descendência e a nossa civilização; mas basta isso e somos retrógrados obscurantistas que, ou bem nada entendem das maravilhas do mundo moderno, ou bem são “falsos liberais”.
Na atual conjuntura, nossos tesouros não serão preservados pela tibieza dos mimados hipócritas. Serão preservados pela coragem dos “pecadores animais” que colocam os pingos nos is. Dizemos pois: para o Inferno com essa praga do politicamente correto, que se apossa até dos que deveriam, sobretudo, combatê-la, posto que a corrupção da linguagem por ela empreendida é o nascedouro da pior das tiranias! Aqui, vigaristas são vigaristas, criminosos são criminosos, e escroques degenerados são escroques degenerados – e que fiquem muito satisfeitos por os estarmos chamando pelos nomes.
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