
A razão é simples. Mais violentas do que o Antigo Testamento, apenas as religiões que vieram antes do Antigo Testamento. Os profetas e os povos e exércitos vencidos pelo sangue na espada por Israel eram povos que deixariam qualquer episódio sanguinolento de Game of Thrones parecendo A Galinha Pintadinha.
Não é, portanto, apenas por mero ciúme que o Deus de Israel ataca tanto outros deuses. A ordem social centrada nestes deuses é, muitas vezes, uma ordem de sacrifícios. O culto a Moloch é formalmente proibido em Levítico 20:1-5 e repudiado em Jeremias 32:34-35 – embora, lendo-se apenas a formulação da Aliança de Israel com Yhvh, pode-se ter a impressão de que é apenas por mero capricho de um Deus israelita irritadiço que qualquer outro modelo de vida apartado do judaísmo terminará em genocídio.
Fachin prefaciou um livro intitulado “Da Monogamia – A sua superação como princípio estruturante da família”, de Marcos Alves da Silva, seu ex-aluno. Não apenas dá autoridade técnica aos dislates de Alves da Silva: o professor Fachin endossa a tese do fim (“superação”) da monogamia, considera os poligâmicos “seres sem jugo” (o título de seu prefácio), preferindo tratar os defensores da monogamia como “gosma”.
Conhecer a história do Antigo Testamento nos torna “gosma”, um “coro crédulo”, caudatário da “manualística rasteira”. Uma manualística “não-rasteira”, despojada destes preconceitos conservadores ocidentais cristãos reacionários de direita (não urge notar que Fachin apoiou a candidatura de Dilma Rousseff), parece mesmo a “manualística” de tratar todas as formas de organização social como válidas em si, sem este “verniz epidérmico” e superficial de crer que uma forma seja melhor do que outra. Algo até engraçado para quem acabou de reclamar de quem “mistura Sula Miranda com Shakespeare” (ou Antigo Testamento e Eric Voegelin com Game of Thrones e Comédia MTV).
Ora, mesmo pessoas que sejam favoráveis à legalização do aborto ou favoráveis à esquerda progressista não podem virar os olhos ou se calar perante a absurdidade que é a “manualística não-rasteira” do abstracionismo: é fácil falar em juridiquês e chamar de “gosma” quem não se veste com a pedanteria, mas é ainda mais chocantemente fácil notar o poço de injustiça que se cria com as novas leis e as abstrações palavrosas de Fachin e companhia para “superar” algo “antiquado” como a antiga família. Voltamos à sociedade auroral de sacrifício, tornaremos a poligamia mera aceitação “laica”. Mesmo que seja o próprio Luiz Edson Fachin que jure que “afugenta os prolixos, os pernósticos e os temerosos de carteirinha” (sic).
Todavia, há discussões, justamente, “rasteiras”, na linguagem edulcorada de Fachin: entender, por exemplo, que uma “família poligâmica” deva encontrar os mesmos direitos de uma família nuclear na base tradicional e cultural brasileira parece agradável a ouvidos progressistas e multiculturalistas, mas, na prática, teremos uma nova forma de encarar a vida que gerará leis como a que não reconhece a vida da bebê assassinada no Colorado – mesmo que Fachin diga que “a liberdade da resposta não conforta a quem se acomoda no dogmatismo enclausurado”. Seu dogmatismo tampouco é insuspeito.