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Família Bolsonaro, por não entender divisão de funções, dá tiro no pé ao atacar intelectuais de direita

A “treta” na direita continua, com comentários de inúmeros pensadores liberais e conservadores contra a tentativa esdrúxula de “assassinato de reputação” feita por Eduardo Bolsonaro, ao ver, no perfil de Alexandre Borges privado e fechado para amigos, uma foto dele com João Dória. O tiro foi bem no pé da própria candidatura de Jair Bolsonaro. Um tiro de calibre 12.

Recomendei, aqui, que o deputado pedisse desculpas públicas, parasse um pouco para refletir, desse uns passos para trás. Mas, pelo visto, está no sangue dos Bolsonaros a resposta impensada e agressiva, o partir para o ataque e depois perguntar, o agir com base nas vísceras, nem sempre na massa cinzenta. Big mistake! Isso pode ser útil para uma guerra militar, não tanto para a política.

As reações, daqueles que até ontem eram aliados ou simpáticos aos Bolsonaros, mostram como Eduardo seguiu a tática de, preso num buraco, continuar cavando mais fundo. Bernardo Santoro, por exemplo, que preparou o plano econômico da campanha de Flavio Bolsonaro para a Prefeitura do Rio, desabafou, mostrando a estratégia em curso:

Como fazer uma profecia autorrealizável totalmente contraproducente:

1 – Ponha em dúvida a lealdade de uma pessoa leal à causa;

2 – Rode uma máquina de assassinar reputações contra essa pessoa;

3 – Quando a pessoa estiver tão desgastada que não tenha outra alternativa a não ser romper com a causa, diga que sempre soube da deslealdade da pessoa, ignorando a realidade que você é quem causou isso;

4 – Faça isso repetidas vezes até perder a eleição.

Dividir para conquistar era a máxima romana que os esquerdistas adoram usar, e pelo visto não só os esquerdistas. Muitos dizem, aliás, que os métodos são parecidos, que essa ala da direita nióbio seria como seus inimigos com sinal trocado. Como alguém que já foi alvo de vários ataques dos tais “bolsominions”, posso atestar que fazem uso de táticas semelhantes sim. O maestro Tom Martins chegou à mesma conclusão pelo ponto de vista estético:

Repare como a direita capslock tem uma estética própria. Sua arte utiliza cores fortes, primárias, parece sempre algo feito no Paint. Faz uso de uma diagramação tosca, toda torta, usa mais de três fontes de uma vez e dá uns nomes estranhos aos seus movimentos. Seu conteúdo é apocalíptico, alardeado em caixa alta, apontando supostos inimigos do povo, com apelo à redenção coletiva e cantando louvores ao grande líder. É praticamente um realismo soviético de sinal trocado.

Para alguns ali, o Borges e eu, por defendê-lo, já viramos “desinformantes”, agentes infiltrados para minar a verdadeira candidatura da direita, o “time Gazeta” que estaria apoiando Dória (com ordens de cima, talvez?), enfim, da noite para o dia, o aliado se torna um inimigo mortal. É a típica mente binária dos tribalistas, dos soldados em guerra.

E logo vários puxam da cartola o “debate” com Ciro Gomes, em que fui supostamente humilhado, exatamente como fazem os petistas. Ou então citam Olavo de Carvalho, afirmando que ele tem mesmo sempre razão, e que sou um “cocô” e coisa e tal. Enfim, é uma postura de fanáticos barulhentos, que se recusam a pensar, e pior: a ler o próprio Olavo, que se manifestou sobre o caso com moderação e até crítica aos paranóicos que enxergam “socialismo fabiano” em todo lugar agora:

De fato, todos viraram “socialistas fabianos” agora, mesmo na boca de quem nunca ouviu falar em Sidney e Beatrice Webb. Há alguns que consideram o PSDB até pior do que o PT já, porque o PSDB seria exatamente igual ao PT, só que mais inteligente e disfarçado, para enganar trouxas liberais, como eu. Vai ver é por isso tenho tantos textos contra os tucanos. Mas nem por isso sou cego para não perceber que o Plano Real, as privatizações e a Lei de Responsabilidade Fiscal saíram do PSDB, não do PT, e que Lula e Dilma foram aqueles que destruíram o Brasil, apesar da “oposição” pusilânime de FHC e companhia.

Na narrativa simplista e maniqueísta que seduz essa turma muito revoltada e pouco preparada, não há espaço para o cinza. Todos são ou comunistas terríveis, ou aliados no combate contra esses comunistas. E se estou aqui fazendo críticas a algumas posturas deles, então claro que só posso ser do grupo dos comunistas, devendo inclusive receber algum de George Soros para agir assim. CQD.

Seria cômico, não fosse trágico. E é trágico porque o Brasil, infelizmente, ainda precisa dessa gente, uma vez que a verdadeira ameaça continua sendo o socialismo. Os “bolsominions” são como buchas de canhão, artilharia pesada capaz de enfrentar o inimigo maior no campo de batalha, com fé na sua causa igualmente fanática àquela do lado de lá. Para derrotar Sarraceno é preciso dos cruzados. Não é à toa que muitos vieram das hostes marxistas, são esquerdistas que “abriram os olhos” e enxergaram a luz, e agora vivem com a missão de destruir Satã.

Foi Filipe Martins quem fez o comentário mais sensato, creio, sobre isso tudo, demarcando o território de cada um, lembrando que há papeis distintos para cada grupo:

Muito disso tem a ver com a confusão que há sobre os papéis próprios dos intelectuais, dos ativistas, dos militantes e dos políticos. Há quem espere dos políticos a postura de um intelectual, quem espere de um intelectual a atitude de um militante, quem espere de militantes e ativistas a flexibilidade de um político ou o compromisso com a verdade que se espera dos intelectuais. Em geral, não há nenhuma visão de conjunto. Pior, há muitos que sequer se dão conta da categoria em que se enquadram, e isso acaba resultando em mil confusões, não apenas de ordem conceitual, como de ordem estratégica.

Aqueles que utilizam conceitos da ciência política como meras ofensas só contribuem para a confusão que beneficia os grupos que, como a esquerda, são capazes de articular uma estratégia holística que integra coerentemente intelectuais, políticos e militantes; além, é claro, de atrapalhar quem poderia lançar luz sobre a situação e ajudar a dissipar essa confusão.

Já escrevi no passado um texto elogiando o papel de Jair Bolsonaro no Congresso, formando “o exército de um homem só”, e recebi muitos elogios por isso, inclusive do próprio deputado:

Mas escrevi, também, outro texto alertando que ele não teria o perfil para ser presidente. Nele, eu disse: “Mas presidência é outra história. Exige acordo com a base aliada, tolerância, algum jogo de cintura, saber contemporizar, respeitar opiniões divergentes, ou seja, tudo aquilo que o PT não sabe fazer. Bolsonaro saberia? Pouco provável. Seu tom não é o de um conciliador ou agregador, mas o de resistência, de alguém que existe politicamente para ser um obstáculo a um mal maior, não para liderar o país na direção correta”.

Fui alvo de muitas pedradas. Com a sutileza de um elefante numa loja de porcelana, Bolsonaro pediu aos seus seguidores que acessassem e “comentassem” o texto crítico, ou seja, a senha para que os soldados saíssem em sua defesa, como de fato aconteceu. Não com argumentos, mas com xingamentos e a repetição ad nauseam de “Bolsonaro Presidente”.

A família mostra, com essa atitude de Eduardo agora e com essa baixíssima tolerância ao contraditório, não ter mesmo condições de enfrentar uma disputa para cargo majoritário. Como pretendem compor acordos se atiram até nos amigos? Como vão negociar no mundo real se até aliados sofrem na máquina de triturar reputações? Se devem eliminar todos aqueles de quem divergem alguma coisa, então precisam se candidatar a tiranos, não a presidente e deputados. Terão de fazer como Stalin, que foi apagando os ex-aliados das fotos, antecipando a arte do Photoshop em décadas?

Que fãs de Bolsonaro ajam dessa maneira é algo abjeto, uma vez que sabem muito bem como o deputado sofre exatamente o mesmo processo de difamação por seus inimigos, sendo acusado de tudo aquilo que não é, desde “homofóbico” até “nazista”. Isso nos remete à crítica que John Stuart Mill fez aos cristãos no poder:

Que os cristãos, cujos reformadores pereceram na masmorra ou na fogueira como apóstatas ou blasfemos – os cristãos, cuja religião exala em cada linha a caridade, liberdade e compaixão… que eles, depois de conquistar o poder de que eram vítimas, exerçam-no exatamente da mesma maneira, é demasiado monstruoso.

Meu intuito aqui não é jogar mais lenha na fogueira, e sim separar o joio do trigo, e mostrar que é fundamental se respeitar os diferentes papéis, as distintas funções de cada um nos rumos da nova direita brasileira, que tampouco é monolítica. Gosto, como já cansei de dizer, da metáfora do time de futebol: tem goleiro, zagueiro, lateral, meio-campo, atacante, técnico e torcida. E cada um tem seu papel. O que não dá é para o goleiro jogar no ataque e o centroavante ficar no gol. Aí é goleada certa!

PS: O que Eduardo fez ao atacar gente tão próxima e séria como Bernardo Santoro e Alexandre Borges pode ser resumido nessa cena final de Star Wars, em que Anakin cospe em quem o defendia e acaba de vez seduzido pelo “lado negro da força”, chamando Obi Wan para um confronto, o que o transformou de vez em Darth Vader:

Rodrigo Constantino

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