Comentário do Jornal da Manhã de hoje, sobre decisão do Fed de subir juros:
Desde a crise de 2008 que o Fed, o BC americano, vem com uma política monetária extremamente frouxa, não só pela reduzida taxa de juros – nula, na verdade, por longo período – como pela expansão do seu balanço, o tal “quantitative easing”. Tudo isso visava a animar os mercados e impedir uma recessão mais severa, quiçá uma depressão.
O problema é que o mercado se torna dependente dos estímulos, algo como um viciado que precisa de doses cada vez mais fortes só para manter a sensação artificial de euforia. E basta citar que, com a decisão do Fed e um discurso mais duro do seu presidente, contrariando o desejo do presidente Trump e mostrando independência, as bolsas, que estavam em alta, fecharam aquele dia no vermelho.
A economia real americana vai bem, com taxa de desemprego abaixo de 4%, a menor em décadas, e criação positiva de postos de trabalho todo mês há anos. Mas os investidores preferem a manutenção de uma política monetária expansionista, demonstrando o efeito dominante dos estímulos artificiais em relação ao efetivo resultado do PIB. Eles sabem que se a economia seguir forte, o Fed terá de agir com mais vigor para impedir a volta da inflação, e eis o problema: são dependentes demais das doses oferecidas pelo banco central americano.
A grande dúvida que fica no ar é se a economia real é capaz de andar com as próprias pernas de forma sustentável quando os estímulos terminarem para valer, quando o soro da UTI for cortado. Pela reação dos investidores, há muito ceticismo. Especuladores e investidores preferem novas rodadas de liquidez, pois temem os efeitos negativos do fim da bonança artificial. O valor dos ativos se tornou mais dependente do Fed do que qualquer outra coisa, e isso é uma deturpação perigosa dos mercados. Por isso vejo com bons olhos a ação do Fed. Como um corte no vício, pode incomodar no curto prazo, mas é positivo para o organismo no longo prazo. A alternativa é o viciado continuar bebendo mais e mais para fugir da ressaca e terminar com uma cirrose hepática fatal.
Rodrigo Constantino