O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que se estivesse na situação do ministro da justiça Sergio Moro, se demitiria. Em entrevista a ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, na madrugada desta quinta-feira (5), FHC afirmou considerar “um erro ele [Moro] aceitar ser ministro”, concordando com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que também era entrevistado.
Em outra ocasião, o ex-presidente, falando sobre a reação do atual presidente às queimadas na Amazônia, disse que Bolsonaro “não está tendo postura de presidente, de estadista”. A jornalista Leda Nagle rebateu: “E o que adiantou a postura de uns e outros? Tem é que tirar o país do buraco. E fomos levados pra o buraco com presidentes cheios de postura”.
Ela tem um ponto. Essa angústia com a forma do presidente, nada presidenciável, pode ser compreensível, mas o foco maior deve ser sempre o conteúdo. É claro que o ideal é preservar a liturgia do cargo, o respeito aos demais líderes, coisas que Bolsonaro definitivamente não faz.
Mas para analisar o fenômeno é crucial entender o cansaço de boa parte do povo com aqueles que tinham tal postura, mas ou se mostraram canalhas hipócritas, ou foram incompetentes em entregar bons resultados. Já falei desse assunto aqui, questionando se seria utopia sonhar com postura presidencial na era do Twitter.
O secretário de Desestatização, Salim Mattar, também disse recentemente que não está tão preocupado com tweets, e sim com resultados. Saiu em defesa do presidente, reafirmou seu patriotismo e destacou a equipe técnica determinada a produzir mudanças substanciais. A questão é a seguinte: os tweets e falas desastradas de Bolsonaro dizem respeito apenas à forma ou sinalizam problemas de conteúdo? Foi o aspecto que eu trouxe nesse outro texto.
Em outras palavras, se o problema fosse “apenas” comentários infelizes do presidente, creio que isso seria perdoado pela imensa maioria, se a agenda virtuosa estiver caminhando na direção certa. Mas essa é uma condicionante fundamental. Se Bolsonaro demorar a entregar resultados econômicos, se se desviar da Lava Jato e do combate à corrupção, se se tornar cada vez mais intolerante com divergências, isso vai gerar um grau de impaciência enorme, e todos vão passar a focar mais na forma tosca – pois o conteúdo deixou de compensar.
As “mitadas” dos truculentos bolsonaristas em redes sociais são motivo de delírio da base militante, e são toleradas por muitos que ainda enxergam potencial no governo. Mas caso esse potencial demore a se realizar, cada vez mais gente vai interpretar que esse lado representa um grave problema. A forma, afinal, influencia no conteúdo (experimente tomar um Brunello num copo plástico). A forma bolsonarista denota arrogância autoritária, e a preocupação com tal risco será cada vez maior.
Eduardo Wolf comentou: “A direita brasileira passou anos sendo caricaturada pela esquerda como autoritária, reacionária, inimiga dos direitos humanos e do pluralismo, servil a interesses econômicos por vezes nada republicanos. E agora veio a própria direita provar que a caricatura era verdadeira”. Eis um ponto: a direita decente vai se mostrar mais e mais incomodada ao ser confundida com essa turma mais tosca, especialmente se os resultados falharem.
Michele Prado alertou para o fato de que é o conteúdo que precisa ser analisado: “Essa admiração que o Presidente da República exibe por ditaduras precisa ser levada a sério. Infelizmente, a direita que se dizia Intelectual de alta cultura virou capacho do bolsonarismo e é incapaz de prestar atenção nos discursos e no comportamento do Presidente”. Ela acrescentou:
A história da humanidade está cheia de exemplos de que não podemos achar que discursos de governantes são irrelevantes. Pois não são. Declarar, de forma reiterada, que ditadura x e y foram boas é inconcebível para um Presidente da República numa Democracia Liberal (por mais mambembe que seja esta democracia) e deveria ser visto como um alerta para a natureza daquele que emite tal absurdo. Se ditadura x para ele é boa, quem me garante que na primeira oportunidade não tentará? Quem acredita nas liberdades individuais, na divisão dos poderes, num Estado democrático e de direito, não pode compactuar com visões onde todos esses pontos são aniquilados.
Não são poucos os que ainda “passam pano” nos desvios de comportamento do presidente e sua militância porque o governo conta com Paulo Guedes e Sergio Moro. Mas se os resultados demorarem a aparecer, e se esse lado negro continuar avançando e dominando os outros, quem vai restar ao lado de Bolsonaro? Sem o verniz liberal, resta a carranca reacionária, de gente truculenta que desrespeita valores básicos de humanismo, que não demonstra qualquer apreço pela civilidade ou mesmo democracia.
Se Bolsonaro seguir nessa direção, se acabar perdendo os superministros Guedes e Moro, os selos de qualidade do governo, aí muitos poderão sentir saudades até de FHC, não por sua postura presidenciável, mas pelo conteúdo mais moderado mesmo, ainda que de esquerda. Ou talvez sintam saudades de Temer, o pragmático, em que pese o aspecto ético.
Rodrigo Constantino