Fernando Henrique Cardoso é uma figura ambígua para liberais como eu. Por um lado, foi o esquerdista mais esclarecido que já chegou ao Planalto, e teve coragem de fazer reformais liberais importantes que ajudaram muito a melhorar o Brasil (e hoje estão ameaçadas pelo PT).
Por outro lado, adota a típica postura dos tucanos, de sentir essa necessidade doentia de ficar contemporizando e elogiando o PT, no afã de conquistar a simpatia daqueles que querem devorá-lo e difamá-lo, além de ter iniciado programas bastante equivocados, como as cotas raciais.
Mas, como tudo é relativo, quando comparamos FHC com Lula ou Dilma, a diferença salta aos olhos. Não dá para afirmar que são todos iguais, ou farinha do mesmo saco podre. FHC se torna quase um estadista diante desses anões petistas.
Em sua coluna de hoje, deu mais um exemplo dessa superioridade. Expressou, de forma direta, a necessidade premente de mudança de rumo. Caso contrário, a situação ficará bem esquisita para a economia brasileira à frente. Quando o tucano resolve descer do muro e assumir posições com mais convicção, até que se sai bem. Seguem alguns trechos de sua análise acurada do quadro atual:
O governo petista, sem o dizer, colocou suas fichas no “declínio do Ocidente”. Da crise surgiria uma nova situação de poder na qual os Brics, o mundo árabe e o que pudesse se assemelhar ao ex-terceiro mundo teriam papel de destaque. A Europa, abatida, faria contraponto aos Estados Unidos minguantes. Não é o que está acontecendo.
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Nessa ótica, é óbvio que a política externa brasileira precisará mudar de foco, abrir-se ao Pacífico, estreitar relações com os Estados Unidos e a Europa, fazer múltiplos acordos comerciais, não temer a concorrência e ajudar o país a se preparar para ela. O Brasil terá de voltar a assumir seu papel na América Latina, hoje diminuído pelo bolivarianismo prevalecente em alguns países e pelo Arco do Pacífico, com o qual devemos nos engajar, pois não deve nem pode ser visto como excludente do Mercosul. Não devemos ficar isolados em nossa região, hesitantes quanto ao bolivarianismo, abraçados às irracionalidades da política argentina, que tomara se reduzam, e pouco preparados face à investida americana no Pacífico.
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A promoção do aumento da produtividade, no caso, não se restringe ao interior das fábricas, abrange toda a economia e a sociedade. Na fábrica, depende das inovações e do entrosamento com as cadeias produtivas globais, fonte de renovação. Na economia, depende de um ousado programa de ampliação e renovação da infraestrutura e, na sociedade, de maior atenção à qualificação das pessoas (Educação) e às suas condições de saúde, segurança e transporte. Sem dizer que já é hora de abaixar os impostos sem selecionar setores beneficiários e de abrir mais a economia, sem temer a competição.
Isso tudo em um contexto de fortalecimento das instituições e práticas democráticas e de redefinição das relações entre o governo e a sociedade, entre o Estado e o mercado. Será necessário despolitizar as agências reguladoras, robustecê-las, estabilizar os marcos regulatórios, revigorar e estimular as parcerias público-privadas para investimentos fundamentais. Noutros termos, fazer com competência o que o governo petista paralisou nos últimos dez anos e que o atual governo, de Dilma Rousseff, vê-se obrigado a fazer, mas o faz atabalhoadamente, abusando do direito de aprender por ensaios e erros deixando no ar a impressão de amadorismo e a dúvida sobre a estabilidade das regras do jogo.
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Mordido ainda pelo DNA antiprivatista e estatizante, persiste o governo atual nos erros cometidos na definição do modelo de exploração do pré-sal.
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Além de insistir em erros palmares, o atual governo faz contorcionismo verbal para negar que concessões sejam modalidades de privatização. É patético. Também para negar a realidade, se desdobra em explicações sobre a inflação, que só não está fora da meta porque os preços públicos estão artificialmente represados, e sobre a solidez das contas públicas, objeto de declarações e contabilidades oficiais às vezes criativas, não raro desencontradas, em geral divorciadas dos fatos.
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Só revalorizando a meritocracia e com obsessão pelo cumprimento de metas o Brasil dará o salto que precisa dar na qualidade dos serviços públicos. Com uma carga tributária de 36% do PIB, recursos não faltam. Falta uma cultura de planejamento, cobrança por desempenho e avaliação de resultados, sem “marketismo”. Ou alguém acredita que mantido o sistema de cooptação, barganhas generalizadas, corrupção, despreparo administrativo e voluntarismo, enfrentaremos com sucesso o desafio?
É preciso redesenhar a rota do país. Dois terços dos entrevistados em recentes pesquisas eleitorais dizem desejar mudanças no governo. Há um grito parado no ar, um sentimento difuso, mas que está presente. Cabe às oposições expressá-lo e dar-lhe consequências políticas. É a esperança que tenho para 2014 e são meus votos para que o ano seja bom.
É a esperança de milhões de brasileiros – os mais esclarecidos. A agenda resumida que FHC propõe no artigo é o bom-senso, o básico, que qualquer esquerda mais esclarecida apoiaria. A social-democracia moderna aceitaria de bom grado tais propostas de cunho mais liberal.
O que não dá é para insistir no nacional-desenvolvimentismo em pleno século 21, na visão quase socialista que nossa esquerda ainda alimenta, na incompetência e roubalheira do PT no governo, no enorme equívoco ideológico que as lideranças petistas ainda acreditam.
Não resta dúvida: é hora de mudar o rumo. Nem que seja para a social-democracia mais moderna que o PSDB e FHC representam. Um dia ainda chegaremos no liberalismo, espero. Enquanto esse dia não chega, que ao menos possamos parar de retroceder tanto, como tem ocorrido com o PT.
O bonde da globalização segue seu rumo, sem olhar para trás. O mundo é um lugar competitivo. O Brasil precisa se preparar melhor, saltar para pegar o bonde também. Ou o Brasil se livra do PT nas urnas, ou o PT acaba de vez com o Brasil.