Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
A revista Crusoé, ligada ao portal O Antagonista, divulgou uma matéria que desenvolve a filosofia das diretrizes por trás do plano geral do futuro ministro da Economia do governo Bolsonaro, o “posto Ipiranga” Paulo Guedes. Dado o interesse que merece o conteúdo da reportagem de Caio Junqueira, decidi repercuti-la neste espaço para conhecimento e reflexão dos nossos leitores.
De acordo com Junqueira, o primeiro ponto estratégico – e desafiador – para Guedes é conseguir “combater a praga da multiplicação das demandas fisiológicas” para obter uma alteração drástica na dinâmica da máquina pública, necessária para subverter o paquiderme estatal. Alguns comentaristas compararam o governo Bolsonaro com o governo chileno de Pinochet, sinalizando para a ideia de que ele seria um presidente de origem militar que promoveria reformas econômicas capazes de se enraizarem e alterarem efetivamente a lógica do nosso Estado; porém, há a diferença fundamental de que Pinochet era um ditador e Bolsonaro governa com oposição parlamentar e com necessidade de negociar com o Congresso em que os interesses coorporativos são muito poderosos.
O fisiologismo na distribuição dos postos em empresas estatais, por exemplo, para a equipe de Guedes, causa “ineficiência e desperdício”. Estatais inativas, com orçamento para investir ou completamente dependentes do Tesouro somam juntas 802 bilhões de reais. Sendo a meta de Guedes finalmente “migrar de uma social democracia, o modelo implantado pelos tucanos com a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso”, para o que a equipe vem chamando de “liberal democracia”, seria preciso focar na reforma do pacto federativo, na esperança de que a descentralização de recursos atraia o interesse e o apoio dos parlamentares ao grande projeto do governo.
Paulo Guedes afirma que o país não completou, na dimensão econômica, a transição de um regime mais fechado para um regime mais aberto, processada em meados da década de 80 no campo político. Se o governo se tornou estrutural e institucionalmente menos autoritário, a economia continuou profundamente fechada e dirigista. A narrativa da equipe econômica do governo Bolsonaro é, nesse aspecto, rigorosamente a mesma que o icônico liberal mato-grossense Roberto Campos defendia à época da Constituinte de 1988.
Ainda segundo a leitura deles, o esforço por enfrentar o legado hiperinflacionário dos últimos governos militares dominou os primeiros governos da Nova República, deixando em segundo plano o processo de desestatização e as reformas mais profundas no campo fiscal e na dinâmica do Estado. Os tucanos avançaram na estabilização monetária, mas teriam sido deficientes na área fiscal – apesar de serem responsáveis pela Lei de Responsabilidade Fiscal. “A avaliação é a de que os tucanos ganharam uma falsa imagem heroica a partir da estabilização da economia, a despeito de terem ignorado a crescente expansão dos gastos públicos”, prega o texto.
É interessante a afirmação da equipe de Guedes, já que o próprio Fernando Henrique Cardoso, orgulhoso de frisar que nunca foi um “neoliberal”, mas sim um social democrata evoluído para a Terceira Via, concordaria com ela. Em seu livro A Arte da Política, FHC faz questão de enfatizar que, ao contrário do que apregoaria o “receituário neoliberal”, seu governo aumentou os gastos para apoiar programas sociais e ele se ufanava disso. Logo, sua diretriz maior era uma diretriz social democrata, ao contrário da diretriz de Guedes, que deseja soterrar essa visão durante a gestão Bolsonaro. “O governo, que gastava 18% do PIB no regime militar, chegou a despender 45% do PIB sob Dilma Rousseff. Os números são usados pelos economistas que a partir de janeiro estarão no controle para dizer que, sob o PSDB e o PT, o Brasil se tornou prisioneiro da social democracia”, conclui a narrativa.
Para alcançar essa guinada radical, o país precisa primeiro aprovar a Reforma da Previdência. Embora Junqueira não o mencione, o governo Temer também fracassou em conseguir dar passos mais robustos, não conseguindo levar a cabo essa e outras reformas. Igualmente foi um governo de contenção de danos, à exceção de mudanças positivas em outros departamentos, como a Reforma Trabalhista. A ideia é que a proposta Bolsonaro de reforma seja apresentada até fevereiro, idealmente favorecendo uma transição para o modelo de capitalização, “pela qual cada contribuinte monta uma espécie de poupança própria em que deposita, mensalmente, quanto puder”, mas a equipe de Guedes sabe que haverá obstáculos dentro do próprio governo, como a questão de mexer na Previdência dos militares, e que o Congresso deverá querer pelo menos um modelo misto, com alguma participação do Estado.
Depois disso, o segundo eixo seriam as privatizações propriamente ditas. Infelizmente, estatais como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal não deverão contar com o apoio do governo para serem privatizadas, mas há uma imensidão de outras estatais de que o Estado se pode livrar, trazendo um ganho substancial para as contas públicas e dinamizando a economia. Mesmo que não possam ser privatizadas, essas empresas poderiam ter, em um cenário intermediário, algo como 30% dos ativos vendidos. Os recursos seriam usados para “pagar os juros da dívida resultante do descontrole da política fiscal implementada durante a tal era da social democracia”, dívida hoje na casa dos trilhões.
Finalmente, Paulo Guedes e seus colegas querem uma reforma no Estado, com aceleração de processos burocráticos internos, corte de pessoal, eliminação de órgãos obsoletos e o enfrentamento às “lideranças patronais, consideradas por integrantes do futuro governo como obsoletas, por viverem à base de verbas carimbadas do chamado Sistema S”. Se o governo Temer, apesar da pusilanimidade de seu mandatário, enfrentou e esmagou os sindicatos, o governo Bolsonaro deve enfrentar os privilégios de empresários que se protegem da concorrência através do Estado.
Parece inegável que a “filosofia Paulo Guedes” delineia o plano econômico mais liberal da história do Brasil desde a Era Vargas. Na verdade, é possivelmente mais radical, guardadas as proporções da época, que a política de austeridade de Joaquim Murtinho e Campos Sales na República Velha. Sua narrativa é indiscutivelmente de ruptura profunda com a lógica com que o Brasil vem funcionando e tem todas as “palavras-chave” que despertariam nosso interesse e aprovação. O projeto precisará, por isso mesmo, como nunca, do nosso apoio, para que seja capaz de vencer as verdadeiras forças do atraso, sempre dispostas a impedir o Brasil de alçar o voo que ele merece.
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