Tive um fim de semana produtivo em reflexões mais profundas, e gostaria de compartilhar com o leitor as fontes de tais reflexões.
No primeiro caso, um excelente livro: A euforia perpétua: Ensaio sobre o dever de felicidade, de Pascal Bruckner. Ainda pretendo escrever uma resenha mais detalhada do livro, mas deixo aqui as impressões gerais. É um importante alerta para a era moderna, mergulhada na eterna busca pela felicidade, com suas crenças iluministas e suas promessas muitas vezes irrealizáveis.
O autor, uma espécie de Pondé francês, toca na ferida, expõe as fragilidades humanas, e argumenta como a obsessão atual pela felicidade pode produzir o seu oposto: uma vida de constante sofrimento. “Tão logo o objetivo da vida deixa de ser o dever e passa a ser o bem-estar, a menor contrariedade nos atinge como uma afronta”, escreve. Basta pensar na geração dos “flocos de neve”, com sua eterna vitimização, para perceber como há fundamento essa crítica.
O segundo foi o filme “The case for Christ”, disponível na Netflix, e dirigido por Jon Gunn. Baseado em fatos, conta a história de um jornalista investigativo cuja “religião” era a evidência, o que justificava sua postura ateísta diante da vida. Até que sua filhinha, após engasgar com a comida, é salva por uma enfermeira, que diz que foi Jesus que a colocou ali, uma vez que ela estava a caminho de outro restaurante.
A mãe, esposa do jornalista, fica muito impressionada, acaba procurando a mulher, e resolve se tornar cristã. O marido cético não aceita isso, “não foi o pacto que assinamos”, e resolve, então, provar racionalmente que o cristianismo é uma furada, calcado numa mentira: a ressurreição de Cristo. Ao tentar provar isso, porém, ele acaba se dando conta que de existem muito mais evidências do que ele gostaria para sustentar o relato, e acaba por se render.
Após alguns anos, o jornalista premiado se tornou pastor, e seus filhos seguiram pela mesma linha, o menino mais novo fazendo doutorado em teologia. Essa surpreendente história de conversão é contada em paralelo a um caso de crime que o jornalista investiga. Ele quase mata um inocente porque estava cego demais para enxergar as evidências, porque queria acreditar em outra narrativa. O elo com sua fé tardia é evidente: as “provas” estavam todas lá, mas ele se recusava a enxerga-las, por arrogância, prepotência, viés. Mesmo quem não é cristão poderá extrair belas lições do filme.
Por fim, passei meu domingo imerso em “Manhunt: Unabomber”, a série de oito episódios que conta a história real do temido terrorista das cartas-bombas nas décadas de 1980 e 1990. Com Paul Bettany no papel do terrorista Ted Kaczynski e Sam Worthington no papel do policial do FBI Jim Fitzgerald, responsável pelo “profiling” do terrorista, a série mostra como mesmo alguém extremamente inteligente pode se tornar um monstro.
Com Q.I. de quase 170, tendo cursado Harvard aos 16 anos e se tornado um brilhante professor de matemática, Ted acabou se transformando num terrorista por conta de suas ideias rebeldes e de sua falta de empatia pelo próximo. Ele simplesmente não se encaixava no mundo, não o compreendia ou o aceitava, pois via prisão em todo lugar, correntes invisíveis por todo canto, acreditava que a era industrial escravizava o homem.
Há um quê de romantismo nessa visão, mas Thoreau foi viver na selva em paz e escreveu seu Walden, enquanto Ted preferiu explodir inocentes para levar sua mensagem adiante. Louco? Certamente. E foi preciso um espírito igualmente irrequieto, rebelde, incomodado com o “sistema” – a ponto de um simples sinal vermelho se tornar símbolo do aprisionamento da alma humana -, para capturá-lo.
A série nos remete ao alerta ácido de Karl Kraus: “Refreia as tuas paixões, mas toma cuidado para não dar rédeas soltas à tua razão”. O que faltava a Ted não era inteligência, nem mesmo lógica, mas sim amor, compaixão, empatia, as tais “virtudes sociais” tão caras aos iluministas britânicos, e desprezadas pelos philosophes franceses. Como uma espécie de Raskólnikov, o Unabomber racionalizou seu desejo de destruição, seu ódio pela vida, partindo de premissas questionáveis e seguindo suas conclusões lógicas.
Ver a série pouco depois do atentado na escola em Parkland, aqui ao lado, teve um efeito de reforçar a angústia diante do Mal, cuja existência tentamos há séculos explicar. Alguns tentam culpar as armas, outros os remédios, outros ainda a simples maluquice ou o bullying. Mas o fato estarrecedor é que algumas pessoas “saem pela tangente”, não suportam a vida como ela é, com suas restrições, frustrações, e flertam com o niilismo. Movidos pelo ódio, querem apenas destruir.
O antídoto, se é que existe, não pode ser ofertado apenas pela razão. Há um momento, como o jornalista investigativo descobriu, em que é preciso um “salto de fé”. E há uma coisa que o policial, apesar de sua crise existencial influenciada pela mensagem do terrorista, tinha e que Ted não tinha: a capacidade de se importar com o próximo. Ao ser cumprimentado por uma das vítimas do terrorista, que perdeu vários dedos, aquilo o abalou.
O terrorista era incapaz de sentir tal empatia. Para ele, de forma um tanto lógica, os outros eram apenas objetos, instrumentos para a sua revolução, meios para seu “nobre” fim: um alcance maior de sua mensagem “redentora”. O mundo, idiota e alienado, não me entende? Então vou mostrar ao mundo a Verdade, por bem ou por mal… e o mal sempre vence quando se parte dessa postura.
Se sente aprisionado porque existe rotina, porque a liberdade não é plena, porque deve respeitar um sinal vermelho de trânsito? Jordan Peterson, o psicólogo canadense, poderia simplesmente dizer: GROW UP!
Rodrigo Constantino
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião