Por Percival Puggina
Enquanto transcorria a campanha eleitoral de 2014 eu apostava na possibilidade de um upgrade qualitativo no Congresso Nacional. A lei da ficha limpa, embora alcançando figuras menores, já afastava alguns do jogo político. A boa cobertura da mídia à operação Lava Jato e as denúncias das grandes revistas de circulação nacional sinalizavam o nível de comprometimento de vários personagens da cena política e de seus partidos. “O eleitor haverá de estar mais atento e seletivo ao digitar algo válido na urna eletrônica”, pensava eu. Mas não foi assim, como se constata à medida que as investigações da força-tarefa da Lava Jato e as delações a ela feitas mostram a extensão das facções criminosas que continuaram operando dentro do Congresso.
Embora aquela eleição tenha proporcionado renovação de 43% na Câmara dos Deputados, grande parte dos que buscaram conservar suas cadeiras foi bem sucedida. Em números absolutos: dos 513 deputados, 122 não se candidataram, 391 disputaram e 290 se reelegeram. Taxa de insucesso de apenas 25%. Certamente, entre os reeleitos, estão quase todos aqueles cujos fundos de campanha foram previamente abastecidos por meios escusos para enfrentar os custos envolvidos. Onde a política vira negócio, investir é parte dele.
Opera no Congresso Nacional uma numerosa bancada suprapartidária que poderia ser denominada Frente Parlamentar do Crime. É dela que procedem todas as tentativas de esvaziar a Lava Jato e de buscar anistias. É ela que costura as propostas para conter e constranger o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Judiciário. É ela que se opõe às medidas legislativas sugeridas para o combate à corrupção. E não hesito em afirmar que essa frente parlamentar é, também, mais numerosa que qualquer das bancadas da Casa.
Quem é da taba conhece a indiada, dizemos aqui no Rio Grande do Sul, de onde escrevo. Dentro do Congresso, talvez apenas alguns novatos não consigam elaborar uma lista quase completa com os nomes e as áreas de atuação desse “colegiado” cujos ramos se estendem pelos poderes de Estado. Conheço o constrangimento que os bons experimentam nesse convívio com o que deveria ser população carcerária. Com a sobrenatural proteção do foro privilegiado, essa turma já é conhecida, também, dos senhores ministros do STF. No entanto, seus crimes desfrutam de sepulcral silêncio, próprio dos processos que dormem nas prateleiras do Supremo Tribunal Federal. É para lá que vão todos a partir do momento que qualquer investigação ou delação envolva autoridade com prerrogativa de foro. Para muitos é, realmente, uma última jornada. “Requescate in pace!”, como proclamam os sepultamentos em latim desejando paz aos mortos. Levantamento da Folha de São Paulo, há poucos dias, relatava que um terço das ações penais contra congressistas com foro no STF fora arquivado por prescrição.
Será que toda a monumental tarefa da operação Lava Jato e tudo mais que venha a ser documentalmente comprovado pelas múltiplas delações da Odebrecht será inútil para expurgar da vida pública a Frente Parlamentar do Crime? Mais ainda, a impunidade e a prescrição continuarão a suscitar “vocações políticas” entre criminosos interessados em agasalhar-se com o privilégio de foro? Nossas instituições dormem sossegadas com a perspectiva de que tal situação perdure para a eleição de 2018 e mantenha a Frente Parlamentar do Crime operante até o bicentenário da Independência, lá em 2022?