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Gilmar Mendes x Sergio Moro: o ministro sobe bastante o tom, mas tem um ponto

Gilmar Mendes. Fonte: Folha (Foto: )

Está escrito lá na descrição do blog: um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”. Devo acrescentar: da direita também. Preciso honrar o que digo. Doa a quem doer, meu único compromisso é com a verdade, ou aquela que julgo ser a verdade. Ou seja: com minha consciência, integridade e honestidade. São esses os valores que tenho a oferecer aos leitores, acima de tudo. Então, vamos lá.

Em meio a essa disputa entre a Lava Jato e o STF, o ministro Gilmar Mendes fez uma declaração bastante dura, subindo bem o tom contra a turma ligada ao juiz Sergio Moro. Vai apanhar bastante por isso. Moro virou, com boa dose de razão, uma espécie de herói nacional. Mas se tem uma coisa que os liberais temem mais do que quase qualquer outra é justamente a ideia de um “messias salvador”, de um indivíduo acima das instituições republicanas.

Ninguém deve ser “intocável”. O que deve ser avaliado é o conteúdo do que foi dito, algo cada vez mais difícil no “Fla x Flu” que tomou conta do país. A pergunta que nos interessa, portanto, é essa: Gilmar Mendes disse alguma verdade? Ele tem um ponto? Antes, vamos ao que foi dito, sobre a proposta de combate à corrupção defendida pelo juiz Sergio Moro e pelo coordenador da Lava Jato no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol:

“É aquela coisa de delírio. Veja as dez propostas que apresentaram. Uma delas diz que prova ilícita feita de boa fé deve ser validada. Quem faz uma proposta dessa não conhece nada de sistema, é um cretino absoluto. Cretino absoluto. Imagina que amanhã eu posso justificar a tortura porque eu fiz de boa fé”, disse o ministro.

Mendes refere-se ao pacote de projetos de lei entregue ao Congresso por integrantes do Ministério Público Federal em março com mais de dois milhões de assinaturas de apoio. O pacote propõe a adoção de novos instrumentos de investigação para combater a corrupção. Um dos principais entusiastas das chamadas “dez medidas contra a corrupção” é o procurador Deltan Dallagnol.

Um dos tópicos do texto flexibilizaria a utilização de provas obtidas ilicitamente, desde que não haja má fé por parte do investigador que a colheu. A proposta em questão tem apoio de Sergio Moro, responsável pela Lava Jato. O magistrado saiu em defesa da medida, por exemplo, quando participou de audiência na Câmara, no último dia 4.

“Não acho que seja o caso suspender a delação ou prejudicar quem esteja disposto a contribuir à Justiça. Tenho impressão de que estamos vivendo momento singular[…] Depois, esses falsos heróis vão encher os cemitérios, a vida continua”, afirmou o ministro.

Na opinião de Mendes, os investigadores foram os responsáveis pelo vazamento de informações publicadas pela revista “Veja” revelando que o ministro do STF Dias Toffoli foi mencionado em depoimento de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS.

“E as investigações do vazamento daquelas prisões preventivas, onde estão? Já houve conclusão? O resumo da ópera é: você não combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o “o” do borogodó. Cada um vai ter seu tamanho no final da história. Um pouco mais de modéstia, calcem as sandálias da humildade”, criticou Mendes, referindo-se aos investigadores.

Não sou advogado, não sou especialista na área, e não tenho forte opinião formada sobre o pacote de medidas propostas. Mas sou liberal, estudo bastante sobre filosofia política, e desde Lord Acton sabemos que o poder corrompe. Mendes, apesar do tom duro, parece ter um ponto: ninguém pode estar acima das leis, não devemos combater o crime com crime. Logo, flexibilizar as regras para aceitar as evidências, mesmo que ilícitas, com base no conceito de “boa fé” é algo temerário mesmo.

Sim, o Brasil vive num momento muito especial. Sim, sabemos que o sistema, muitas vezes, age para proteger os poderosos. Sim, é verdade que a equipe ligada à Operação Lava Jato tem demonstrado uma coragem ímpar e lutado pelo país. MAS… isso deve continuar sendo feito dentro das regras do jogo. Liberal algum pode festejar a ideia de “salvadores da Pátria” que se colocam acima do bem e do mal. Somos céticos demais para crer nisso, para achar que isso pode acabar bem.

Um amigo advogado e liberal comentou sobre o caso: “Gilmar está certíssimo! Achar que as diminuições das garantias processuais é a solução, é acreditar no agigantamento do Estado como remédio! Essa turma está querendo tratar a Lava Jato como critério absoluto para tudo. Trata-se de proposta legislativa casuística que não observa o risco de a mesma ser usada por um regime totalitário. Gilmar pode até apanhar, mas terá sido a voz mais forte em defesa do devido processo legal!!!”

Império das leis: eis um dos pilares básicos do liberalismo. Um outro amigo, também liberal, disse: “O que parece é que os promotores da Lava Jato, embriagados pelo sucesso, estão querendo redescobrir a pólvora.  Ou, pior: de servos da justiça, querem passar a justiceiros. Tornar os processos menos burocráticos, mais rápidos e eficazes é louvável, mas isso não se pode fazer à custa de princípios basilares de direito. Essa proposta de uso da prova ilícita feita de boa fé é de lascar…”

O Brasil não é para amadores. Sabemos que há inúmeras brigas de bastidores nesse caso todo, coisas das quais vemos apenas a superfície e podemos no máximo inferir. É briga de cachorro grande, e tem muita gente poderosa por trás. Mas como liberal, defensor do estado de direito e do império das leis, não posso deixar de demonstrar alguma simpatia pelo que o ministro Gilmar Mendes disse.

Precisamos tomar cuidado para não jogar o bebê fora junto com a água suja do banho. O bebê, no caso, é nossa jovem democracia “republicana” em construção. Nela, não vejo muito espaço para salvadores da Pátria, mas sim para indivíduos com atitudes heróicas que ajudem a construir nossas instituições sólidas. Tomara que os jovens envolvidos na Lava Jato tenham consciência disso. O brasileiro não aguenta mais tanta impunidade. Mas também não pode tolerar justiceiros. Eles não combinam com as instituições republicanas de que precisamos…

Rodrigo Constantino

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