Por Bernardo Santoro, publicado no Instituto Liberal
Logo mais o Governo brasileiro estará tecnicamente em estado de “shut down”, ou desligamento. Essa expressão, que é normalmente usada no mundo da informática para designar operações de desligamento de programas e computadores, foi muito usada nos EUA no final de 2013 até 2014, quando o governo americano também sofreu um shut down.
O shut down governamental é o processo de falta de recursos para gestão pelo governo federal, em virtude de legislação em vigor, normalmente feita para proteger as contas públicas de um governo gastador sem limites.
Nos EUA, em 2013, o shut down teve um viés puramente político e outro orçamentário. O orçamentário foi o viés mais importante. De acordo com a legislação daquele país, o governo americano teria um limite máximo de endividamento, que estava a ponto de ser estourado, sendo necessário um aumento desse teto. Como um limite é feito para ser respeitado, e não sofrer emendas, republicanos se esforçaram para impedir a expansão do limite, na prática retirando fundos de vários programas de governo, que seria necessário em virtude da escandalosa má gestão do orçamento americano. O viés mais político foi o esforço dos republicanos em retirar fundos do programa de saúde público dos EUA, o conhecido “obamacare”. A história terminou com os republicanos perdendo o debate político para os democratas e expandindo os gastos públicos federais, e o resultado dessa política de anti-austeridade ainda será colhido no futuro, para desespero daquele país.
No Brasil, estamos entrando em shut down também por conta do total descontrole das contas públicas. De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, conjugado com a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015, o Governo Dilma deveria atingir a meta fiscal de 55 bilhões de reais, e até agora estamos em um buraco de 33 bilhões, o que significa que a Dilma, para chegar a meta e cumprir a lei, teria de poupar, em dezembro, 88 bilhões de reais.
Com isso, o Governo passa agora a gastar apenas em serviços essenciais, impedido de gastar qualquer real em gastos superficiais (superficiais de acordo com o parâmetro do Governo, diga-se).
No entanto, ela poupa, com o shut down, de acordo com fontes do governo, no máximo 11 bilhões de reais. De onde então ela vai tirar os 77 bilhões restantes para cumprir a lei?
Dois palpites:
(i) Dilma apresentará um resultado operacional de 2015 com pedaladas fiscais, ou seja, usando dinheiro indevido e/ou inventado de diversas fontes para completar os 77 bilhões e supostamente cumprir a lei, mesmo com o TCU já tendo sinalizado que considerará ilegal esse tipo de expediente nas contas do ano anterior (2014);
(ii) Dilma fará uma reforma da LDO de 2015 para mudar a meta fiscal até o limite poupado por ela, tal como fez em 2014 na já conhecida “Lei de Anistia da Dilma“.
Na pior das hipóteses, ela conjugará os dois palpites acima, fazendo pedaladas fiscais juntamente com quebra da LDO 2015.
Ironia das ironias, dentro da perspectiva de controle orçamentário, e austeridade fiscal é uma forte pauta liberal, o shut down é um instrumento agressivo de contenção de governos autoritários, e a sua execução nesse momento é um alívio contra a loucura gastadora da atual presidência. Nesse sentido, o shut down é liberal.
Por outro lado, o shut down reforça um outro problema brasileiro crônico, desta feita de natureza anti-liberal: a quebra da segurança jurídica nas relações sociais. Quando cidadãos contratam qualquer coisa com o Governo, ou adquirem algum outro tipo de relação institucional financeira com o Governo, e prestam serviços ou satisfazem condições para terem acesso a determinado valor financeiro, todos naturalmente criam a expectativa de cumprimento desses contratos, leis ou atos admnistrativos. Cumprimento de lei e contratos, juntamente com a segurança jurídica envolvida na relação entre administrados e Governo, ou entre administrados e administrados, é uma das bases liberais da civilização ocidental. O shut down quebra contratos, leis e atos, destruindo a segurança jurídica e nos pondo em leve estado de barbárie. Nesse sentido, o shut down é anti-liberal.
As diferentes nuances do problema não nos leva a uma posição definitiva acerca da necessidade de um remédio tão drástico ou não, pois cortes orçamentários, sempre muito bem-vindos, deveriam ser planejados com antecedência, visão de longo prazo e contingenciamento seletivo, não feito no susto de maneira amadora, tal como tudo o mais é feito nesse Governo. Por isso, minha solidariedade aos diretamente envolvidos no desligamento e torcendo para que tudo ocorra bem.
Talvez precisemos mesmo é desligar o Governo PT… definitivamente!
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