Esse lamentável episódio da greve dos caminhoneiros serviu ao menos para uma coisa: expor de vez as entranhas da gastança pública, mostrando para os leigos como o cobertor é curto e que, portanto, para dar uma vantagem qualquer a José, é preciso retira-la de Maria. Infelizmente, e por mais paradoxal que isso seja, muitos ainda acreditam que os recursos públicos vêm ao além, caem do céu ou brotam do solo.
Ficou mais fácil entender que o estado nunca pode dar algo sem antes tirar, a alternativa sendo produzir inflação, o que é tirar de todos de forma mascarada. Não existe combustível grátis. Se vai haver subsídio no diesel para caminhoneiros, que souberam se organizar e parar o país, mantido como refém, então vai ter que cortar em algum lugar.
Como dizia Thatcher, aquela conservadora que enfrentou grevistas terroristas com coragem, não existe essa coisa de “recurso público”, apenas dinheiro dos pagadores de impostos. Se o governo for paternalista demais, dirigista demais, tiver estatais demais, então todos vão perceber que só mama quem chora (ou quebra, grita e ameaça). Grupos organizados vão lutar por privilégios, como consequência disso.
Já os liberais entendem que é preciso cortar o mal pela raiz, ou seja, reduzir o escopo do estado, privatizar as estatais, acabar com o paternalismo, substituindo-o, se for o caso, por uma rede básica de proteção descentralizada. Pedir redução de preços na marra ou a simples queda dos impostos, sem atacar o ponto central que é o excesso de gastos públicos e privilégios, é agir de forma irresponsável. Ou seja, quem pediu redução do combustível mas não defende a reforma previdenciária é parte do problema, não da solução.
Uma rápida olhada nessa notícia sobre onde o governo pode cortar dá uma ideia do tamanho do problema: é programa “social” até não acabar mais! Nosso governo é uma vaca leiteira que distribui vantagens a quem consegue se organizar e pressionar, enquanto a conta recai sobre cada um de nós, trabalhadores independentes, sem lobby, o elo fraco da cadeia. Eis uma pequena amostra:
O governo federal informou nesta quinta-feira (31) que decidiu acabar com benefícios para a indústria química, quase eliminar incentivos para exportadores e cancelar parte de gastos de uma série de programas públicos.
O objetivo das medidas, que constam de edição extraordinária do “Diário Oficial da União”, é viabilizar o desconto de R$ 0,46 por litro do diesel. O abatimento no preço do diesel é parte do acordo firmado pelo governo com caminhoneiros para colocar fim à greve que provocou bloqueios em estradas e desabastecimento em todo o país.
O subsídio para o preço do diesel, que custará R$ 9,58 bilhões, tem por objetivo manter, por 60 dias, o desconto de 10% no diesel, anunciado na semana passada pela Petrobras, e que equivale a uma redução de R$ 0,30 no preço do litro do combustível. Depois disso, o preço oscilará mensalmente, segundo acordo fechado com os caminhoneiros.
Para viabilizar esses subsídios, o governo está cancelando gastos públicos.
O cobertor é curto, e como ninguém ataca o cerne da questão, fica só uma disputa de quem consegue puxa-lo com mais força para o seu lado. Por perceber isso que vários liberais pularam fora da ideia de apoiar os grevistas desde o começo. Por isso e por saberem que não é esse o caminho das mudanças sustentáveis, não é apelando para os métodos do MST que vamos avançar.
A pauta é outra: reformas estruturais, corte de privilégios, mudança de escopo do governo, revendo suas funções e focando no básico, como segurança, Justiça e saúde e educação, por meio de vales para os mais pobres. Passou da hora de os brasileiros entenderem que canetadas estatais para garantir benefícios é somente transferir de Pedro para João, cobrando uma taxa de “corretagem” e incentivando um mecanismo de lobby perverso.
A vida dos caminhoneiros está difícil, quase impossível? Não está fácil para ninguém. E por isso mesmo a solução deve ser racional, ampla, estrutural: a diminuição do governo por meio de reformas. E para tanto, a pressão externa, desde que civilizada e dentro das leis, é fundamental, assim como eleger políticos melhores, alinhados com essa agenda reformista. Esse é o único caminho aceitável, ao menos para um liberal ou um conservador.
PS: O título saiu de uma mensagem que viralizou nesses dias, pois foi dito que a conta seria paga “pelo Tesouro”. As pessoas estão finalmente entendendo que o Tesouro somos nós, eu e você, os que trabalham e pagam impostos. “Carinhoso” mesmo esse governo, que chama de Tesouro aquele que é por ele explorado. É como fazer carinho no “ente querido” com um porco-espinho…
Rodrigo Constantino