O partido de extrema-esquerda, com um discurso agressivo contra a austeridade, saiu vencedor nas eleições legislativas deste domingo na Grécia, com quase 40% dos assentos. O Syriza venceu com uma plataforma contrária ao plano de austeridade assumido pelo país em troca de auxílio financeiro para pagar as suas dívidas.
A vitória do grupo que rejeita as exigências da troika de credores — União Europeia (UE), Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) — coloca em risco a permanência da Grécia na zona do euro e traz ainda mais instabilidade para o bloco.
“Esta é uma nova era”, disse Dimitris Vitsas, secretário do Syriza. “Iremos para a Merkel com os pés, não de joelhos”, disse Panos Kammemos, chefe dos independentes que confirmou, após conversa com Alexis Tsipras, o líder do Syriza, a intenção de formar um governo de coalizão. Tudo muito emocionante do ponto de vista da retórica, do discurso. Mas e o resultado prático que vem por aí?
A austeridade virou um palavrão para muitos europeus. Entende-se: ela exige um aperto de contas para conectar o povo com a realidade após anos ou décadas de euforia insustentável, de prosperidade ilusória, bancada à base de crédito farto. A Grécia foi o país que mais surfou essa onda. Seu grau de endividamento público é absurdo.
O ímpeto gastador do governo grego tem batido de frente com a necessidade de manter as contas fiscais ajustadas. Desde 2001, quando a Grécia aderiu ao euro, o país cumpriu somente uma vez o teto acordado no Tratado de Maastricht, de 3% do PIB para o déficit fiscal no ano.
Historicamente, países nessa situação complicada de contas públicas acabaram apelando para uma desvalorização de sua moeda. Isso garante alguma sobrevida, mas com pesados custos depois. Os PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), entretanto, não dispõem deste instrumento artificial, já que sua moeda é o euro. A Grécia é o patinho feito dos PIGS.
O controle dessa ferramenta está nas mãos do Banco Central Europeu, que segue a tradição do seu antecessor Bundesbank. Este, por sua vez, é conhecido por sua independente disciplina na defesa do marco, após sua destruição total na hiperinflação alemã. A independência do BCE dificulta a vida dos governos perdulários. Como eles não podem simplesmente imprimir moeda para gerar “crescimento” inflacionário, precisam fazer o duro dever de casa e cortar gastos.
Mas isso é sempre impopular. É como obrigar um obeso a realmente fazer dieta alimentar e exercícios físicos. Sabemos que isso é a única solução a longo prazo e saudável. Mas muitos acreditam que é possível fingir que o problema não existe, ou simplesmente decretar uma redução de peso ou mudar a forma de medi-lo.
O BCE resolveu recentemente adotar um programa agressivo de estímulos monetários, comprando centenas de bilhões em ativos. A decisão vai contra o desejo dos alemães, pois sabem melhor os riscos disso na disciplina fiscal. Com tal medida, o BCE pode ter comprado tempo, inclusive para os mais irresponsáveis como a Grécia. Mas um dia a conta chega.
O casamento entre Grécia e União Europeia fica comprometido. O projeto que criou a moeda comum partiu das elites europeias, incluindo socialistas franceses que sonhavam com um meio para recuperar seu prestígio e influência. O principal objetivo era político: domar a Alemanha recém-unificada. A ortodoxia de seu banco central (Bundesbank) e as reformas conhecidas como “ordoliberalismo” transformaram o país em uma potência na região. A valorização do marco frente às demais moedas era uma constante humilhação para todos.
Tudo acertado, foi dada a largada rumo à convergência. Quando gregos, portugueses, espanhóis e italianos puderam se endividar pagando taxas alemãs, teve início uma farra de crédito. O estado de bem-estar social encontrou farto financiamento para suas benesses. Todos pareciam felizes. Mas havia um detalhe: aqueles países continuavam muito diferentes entre si.
Enquanto a Alemanha fazia seu dever de casa, o restante acumulava dívidas impagáveis. A Grécia é um caso extremo, mas a situação é caótica para os outros também. Com a crise deflagrada em 2008, a era da bonança de crédito fácil acabou. A Europa, que nadava nua, ficou exposta.
Logo surgiram fortes pressões para duas medidas: união fiscal e atuação mais agressiva do BCE. No primeiro caso, fala-se de “solidariedade”, o que pode ser traduzido como os mais trabalhadores e produtivos sustentando os mais preguiçosos e ineficientes. No segundo caso, trata-se da saída inflacionária, uma espécie de calote disfarçado.
Nenhuma das alternativas agrada os alemães. Ficar transferindo mesada para gregos não pode ser uma solução séria para a crise. Quanto à inflação, os alemães morrem de medo, pois já passaram por isso e o resultado foi Hitler. Por isso os alemães insistem tanto na necessidade de duras reformas de austeridade.
Apertar os cintos, contudo, exige postura de estadista, que foca no longo prazo. Estadistas estão em falta na Europa (e no mundo). Os políticos parecem preocupados apenas com as próximas eleições, e desejam empurrar os problemas com a barriga. O que querem é mais estímulo fiscal e monetário. Mas foi justamente isso que agravou a crise!
O que existe na Europa é um grave problema de baixa competitividade nos países periféricos, além da enorme dívida e de uma bomba-relógio demográfica, mortal para o welfare state. A região perdeu dinamismo, as “conquistas” trabalhistas engessam a economia, e os privilégios do setor público criaram uma classe de parasitas acomodados. Nada disso vai ser resolvido com mais estímulos do governo.
Austeridade ou crescimento? Trata-se de uma falsa dicotomia. O governo, para gastar, precisa tirar do setor privado via impostos ou produzir inflação, o que dá no mesmo. A diferença é que alguns focam somente no curtíssimo prazo, enquanto outros estão preocupados com a sustentabilidade do crescimento.
A esquerda populista grega convenceu os eleitores, após alguns anos de dolorosos ajustes, que esse era o caminho errado, e que fadas e duendes existem. A irresponsabilidade venceu essas eleições, colocando em risco um casamento já muito delicado, pois o “marido” não aguenta mais a “esposa” gastadora. A Grécia pode muito bem ter tomado o primeiro grande passo rumo ao divórcio. O que seria do país fora do euro?
A primeira coisa que podemos apostar com mais convicção é que o dracma, sua antiga moeda, perderia muito valor e produziria uma elevada inflação. Os gregos sofreriam ainda mais do que com os ajustes impostos pela força da realidade econômica. A irresponsabilidade da extrema-esquerda poderá levar à ascensão de um governo fascista à frente, após os efeitos negativos do “combate à austeridade”.
Mas nem tudo é notícia ruim. Os casais brasileiros poderão desfrutar de uma lua de mel bem mais em conta nas ilhas gregas. Só deverão tomar cuidado com seus pertences, pois a criminalidade tende a aumentar num país destruído economicamente. Com tal alerta em mente, terão a chance de ver de perto as ruínas gregas…
Rodrigo Constantino