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“Guerra de narrativas”: mapeando as artimanhas do lulopetismo

Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

O jornalista e tradutor Luciano Trigo lançou pela editora Globo Livros sua obra Guerra de narrativas: a crise política e a luta pelo controle do imaginário. Trata-se de trabalho cuja contribuição ao debate público e à preservação da memória do período histórico que vivemos merece maiores considerações.

Em primeiro lugar, importa deixar claro de antemão que discordamos em aspectos substanciais, e isso é compreensível, já que o autor não se identifica como um liberal ou conservador, tampouco como alguém de “direita” (pessoalmente, aceitando suas reflexões sobre a pluralidade semântica desse termo como rótulo político, incapaz de esgotar a descrição dos fenômenos a que se refere, manifestei minha maior simpatia por sua viabilidade como vocábulo aproximativo em meu próprio livro Guia Bibliográfico da Nova Direita).

Por exemplo, ao começo do livro, a partir da página 60, Trigo se põe a elencar posicionamentos que julgou importantes para evitar mal-entendidos, em sua maioria evidentes concessões ao universo programático e principiológico da esquerda. Em determinado momento, ele chega a dizer que, apesar do que aconteceu depois, a vitória de Lula, “naquele contexto”, foi “um momento importantíssimo na nossa história recente”, o que considero uma enorme bobagem, a não ser que consideremos o fato pela dimensão de desgraça que representa.

Em alguns momentos, também, embora se esforce por marcar uma posição algo “centrista”, Trigo deixa escaparem algumas expressões antipáticas à direita, como quando afirma, parafraseando Millôr Fernandes (1923-2012), logo após declarar que o monopólio da virtude arrogado pelos petistas se assemelha a “uma mentalidade fascista”, que “no Brasil, a esquerda também é de direita” – como se ser de “direita” fosse automaticamente sinônimo de ter uma mentalidade fascista, o que é justamente o engano que ele pretendeu desfazer em seu livro, procurando sustentar que em democracias saudáveis existem uma esquerda e uma direita competindo pelo poder dentro do ritual democrático.

Penso também que, se uma das maiores preocupações de Trigo é identificar a estrutura ideológico-político-social que “tomou conta do Brasil nos últimos anos, envenenando e dividindo a sociedade entre ‘nós’ e ‘eles”, marcada “pela politização insana de todos os aspectos da vida cotidiana”, ele não deixa muito claro que nível de polarização e de divisão de visões de mundo seria aceitável, já que reconhece, com muita justeza, que faltam partidos fortes autenticamente liberais e conservadores no país. Da mesma forma, Trigo apresenta leve contradição ao ressaltar, ao final do livro, novamente com razão, que o desastre administrativo (de raízes ideológicas) do PT é ainda mais responsável pelo desastre econômico que a corrupção em si, sendo que páginas atrás havia dito que um político de esquerda honesto será sempre preferível a um político corrupto de direita. Melhor seria, se estivermos falando de um psolista, por exemplo, que não se precisasse votar em nenhum dos dois.

Dito isso tudo, apesar das nossas grandes diferenças, Guerra de narrativas é muito bem-vindo, pela simples razão de que seu autor, blogueiro do G1, com espaço em veículos da grande mídia e artigos publicados em O Globo, tem muita coragem ao, dirigindo-se a um público até mais amplo, diferente daquele dos movimentos e nichos liberais e conservadores, tocar em questões extremamente importantes com lucidez e detalhamento. Levando boas ideias a quem mais precisa delas, Trigo, de maneira profundamente didática e leve, produziu um mapeamento das estratégias retóricas e políticas adotadas pelo regime lulopetista para perseguir a perpetuação no poder.

O autor se dedicou ao louvável esforço de reunir praticamente todas as ideias-força que o PT “martelou” e ainda “martela” perante sua militância e eleitorado, todas as ferramentas táticas e discursivas de que fez uso para associar qualquer oposição ao mal absoluto. O leitor encontrará aqui a dissecação de vários clássicos, desde a ideia de que quem não vota no PT odeia que pobres viajem de avião até a de que somos todos apoiadores da volta da ditadura militar, racistas ou capachos da Revista Veja (esta não se ouve tanto faz um tempo!).

A guerra de narrativas de que trata o título é aquela em que “os agentes (e também as vítimas) somos todos nós e cada um de nós, na medida em que cada indivíduo se identifica com – e reproduz no seu dia a dia – um determinado enredo, uma determinada interpretação das coisas, um determinado discurso”. Nessa guerra, procura-se falar “ao emocional, ao espiritual e ao inconsciente, mais do que às faculdades de raciocínio”, visando estabelecer uma lealdade à causa capaz de se sobrepor até à lealdade à família e aos amigos.

Nesse sentido, Trigo detalha com dose de brilhantismo a similaridade entre as práticas de viés totalitário constantes da ideologia politicamente correta e das artimanhas empregadas pelos petistas e pela extrema esquerda em geral, para demonizar os oponentes e fazer com que sequer a sua existência seja tolerada, com as ferramentas da “novilíngua” empregadas no clássico ficcional 1984, de George Orwell (1903-1950).

Ele igualmente faz um passeio enriquecedor pelos conceitos de autores de esquerda, como Gramsci (1891-1937), Louis Althusser (1918-1990) e Noam Chomsky (1928), como referências para um campo político, de que fazem parte os intelectuais e agentes do lulopetismo, capaz de entender a utilidade do imaginário para alcançar aquilo que o primeiro deles, o famoso marxista italiano, chama de “hegemonia”. Denuncia também as intenções diabólicas por trás da ideologização do ensino, a que chama de “Escola Com Partido”– e aqui Trigo se dispõe a assumir seu apoio ao projeto Escola Sem Partido.

Ele traz ainda uma avaliação do fenômeno da “má consciência” de uma certa “classe média”, que “se sente moralmente comprometida a assumir a bandeira dos pobres e das minorias” e apoiar estultices como o socialismo e a “sexualização” infantil, em enorme abismo para com os estratos mais populares de que se julgam os eminentes representantes. Esse abismo vem, como Luciano deduz judiciosamente, caracterizando uma reação muito forte, que se manifesta em ruas e redes sociais, para aturdimento dos seus “santos defensores”.

O último capítulo do livro é talvez o mais claro, objetivo e poderoso texto que já li alvejando a ideologia de gênero e a exposição precoce das crianças ao erotismo. É mais um a explicitar com eficiência o diagnóstico necessário do papel indispensável dessa intelectualidade da beautiful people como alicerce estrutural do lulopetismo, apesar de seus sucessos eleitorais se deverem mais ao voto pragmático do assistencialismo.  É dessa turma que provém a obra de sotaque e alma totalitários, voltada a interditar os discursos, adulterar as palavras e tornar a atmosfera social irrespirável para quem não comungue de seus valores distorcidos.

Mesmo assim, talvez a maior qualidade do trabalho de Luciano esteja na sistematização empreendida das informações acerca dos governos de Dilma Rousseff, com particular atenção às famosas Jornadas de Junho de 2013 e um minucioso desvelamento do estelionato eleitoral que conduziu ao processo de impeachment contra a ex-presidente. Luciano demonstra que, por trás de tudo, estava sempre o lulopetismo, provocando mobilizações contra os governos estaduais – das quais perdeu o controle posteriormente – e tentando oferecer como resposta aos protestos “presentes de grego” que ninguém pediu, como a assembleia constituinte e o poder nas mãos dos “conselhos populares”.

As maiores lições de que o livro de Trigo dá testemunho são as de que é preciso preservar um liame comum que nos unifique como nação, apesar das diferenças que inevitavelmente existirão; é preciso construir um caminho em que os partidos possam competir dentro de regras do jogo, sem ameaçar a integridade do sistema jurídico e representativo; e, finalmente, que a prática de políticas assistenciais não confere a partido algum o mandato exclusivo do bem e da justiça sobre a Terra, muito menos o salvo-conduto para um assalto bilionário aos cofres públicos.

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