Não sou daqueles que gostam de “problematizar” tudo e enxergar só política em todo canto, inclusive em filmes de ficção. Ao contrário: sou um grande defensor de que o cinema pode ser pura diversão, e por isso costumo me desligar das reflexões filosóficas mais profundas para assistir àquelas produções caríssimas com muitos efeitos especiais.
Dito isso, é óbvio que muitos livros e filmes transmitem mensagens importantes, visões de mundo, valores morais, ideologias. Quem pensa o contrário deveria tentar convencer George Orwell de que sua “revolução dos bichos” ou sua distopia do “Grande Irmão” não são livros políticos, ou Ayn Rand com seus romances, ou C.S. Lewis com Nárnia e Tolkien com O Senhor dos Anéis, além de tantos outros.
Logo, claro que livros e filmes que contam histórias imaginárias costumam ter uma moral, pretendem levar os leitores e telespectadores em uma determinada direção. O maior problema não é um filme ter uma mensagem política, e sim ele só ter isso, ou deixar o restante de lado e priorizar esse caráter panfletário. Quando o essencial é o proselitismo, aí dificilmente teremos boa arte – ou mesmo boa diversão, pura e simples.
Esse foi o caso, lamento dizer, do último filme da saga Star Wars, em cartaz nos cinemas. A julgar pela quantidade de críticas, não fui o único a ver a coisa dessa forma. Inúmeros fãs ficaram revoltados com as mudanças dos personagens, com o teor ideológico desse episódio. Entendo que o diretor viva em certo Zeitgeist, mas fazer tantas concessões assim ao politicamente correto é covardia, não tem outra palavra.
São tantas evidências, e tão escancaradas, que nem dá para elencar todas aqui. Para quem não viu ainda, há spoiler a seguir. Pergunto: Chewbacca, aquela fera com dentes enormes, com quem Han Solo brigava justamente por “não conseguir fechar a boca”, precisava se transformar num vegetariano? A cena pode ser fofinha, os produtores podem ter pensado em lucrar com a venda de bichinhos de pelúcia do pinguim com olhar de gato do Shrek, mas faz sentido incluir uma cena dessas?
Acender vela para os defensores radicais dos animais é algo que já se espera vindo da Disney. Mas será que era preciso ter toda aquela cena no cassino interplanetário, com discursos marxistas surrados de que os ricos são ruins, a beleza e o luxo são frutos do roubo e os animais são maltratados para o prazer sádico dessa elite podre? Fica claro que toda aquela sequência foi enfiada ali só para proselitismo ideológico. Não basta Avatar?
Seria coincidência 99% dos vilões serem homens brancos enquanto 99% dos heróis da resistência serem de “minorias”? Quando o herói negro finalmente vence uma batalha importante, a câmera dá close nos olhos da vilã, claros, logo depois que ela havia chamado seu adversário de “escória”. É preciso ser paranoico para enxergar uma mensagem racial nisso? E será que os fãs da briga entre pai e filho, entre o bem e o mal, realmente estão interessados em algo tão caricato assim?
A nova heroína, a chinesa gordinha, interrompe um ato corajoso de sacrifício e heroísmo justamente do amigo negro, quando este pretendia se explodir no canhão dos imperialistas para impedir a destruição da base dos rebeldes. Eis quando Mao se transforma em Gandhi, e ela diz que não é com o ódio aos inimigos que vão vencer, e sim com amor aos amigos. Lindo! Comovente! Mas, para salvar sua paixão, ela condena à morte vários inocentes? O amor pode matar, e sem dúvida oferecer flores para nazistas ou comunistas não salva uma só vida. Os tibetanos sabem bem disso.
As líderes dos guerreiros rebeldes são quase todas mulheres, e moderninhas: uma delas tem cabelo roxo, bem em linha com o departamento de marketing de muitas empresas atuais. Ela, sim, é altruísta, corajosa, sábia, enquanto um dos únicos homens do grupo, o machão indisciplinado, o piloto que quer enfrentar os inimigos de qualquer jeito, mostra-se alguém com visão limitada, que leva um tiro da líder para compreender seu devido lugar ali, de subordinação. Coincidência?
Enfim, poderia continuar por muito tempo aqui, só apontando as cenas desnecessárias, a tentativa de forçar a barra, mas o leitor já pegou o jeito da coisa. Basta dizer que transformaram Luke Skywalker, o herói de uma geração inteira, num coroa desiludido, acovardado, que se tornou um típico perdedor. E mesmo na hora de resgatar o heroísmo, luta com seu sobrinho por meio de um holograma, nem sequer capaz de estar fisicamente presente para o combate. Esse Luke não desperta tanto orgulho assim.
Uso Star Wars pela relevância que ele teve para tanta gente. Seus personagens são ícones estabelecidos, e a luta entre as forças do bem e do mal é para ser maniqueísta mesmo, como foi na Guerra Fria: ser relativista ali era defender os comunistas. Quem tinha clareza moral estava do lado americano. Dante reserva um lugar nada agradável no inferno para os que vivem em cima do muro, para os “isentões”. Se até esses personagens foram sacrificados no altar do politicamente correto, então é porque a marcha das minorias oprimidas foi longe demais.
Ninguém mais está protegido da fúria dos “tolerantes”, do ódio dos que pregam “diversidade”. Nessa revolução das vítimas, só quem se ajoelha perante os “guerreiros da justiça social” serão poupados da fogueira da inquisição. Recentemente, até o ator Matt Damon, engajado em causas “progressistas”, foi alvo da patrulha, só por constatar que chamar tudo de “abuso sexual” é errado, e que desmerece quem efetivamente sofreu algum estupro de fato.
Nesse ambiente é cada vez mais raro encontrar diretores corajosos. Os que acham que reclamar é ver chifre onde não há, e que filmes são “apenas filmes”, deveriam procurar saber o que Lenin pensava sobre o assunto. Os revolucionários comunistas sempre entenderam a importância da indústria cinematográfica para mudar o mundo. Na “era de ouro”, os patriotas em Hollywood também compreendiam bem isso. Hoje os filmes foram dominados pela agenda “progressista”, e nem os velhos heróis estão blindados. Restará só Clint Eastwood à contramão? O problema é que ele está bem velhinho. Quem vai enfrentar os “guerreiros da justiça social” nessa batalha cultural?
Artigo originalmente publicado pela Gazeta impressa
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