Sou um dos que mais criticam o viés ideológico da grande imprensa (nacional e mundial). Devo ter dezenas, quiçá centenas de artigos sobre isso. Apesar de ter um pé na grande imprensa – afinal, passei por Globo, Veja, escrevo para a Gazeta do Povo, IstoÉ e sou comentarista da Jovem Pan – sempre mantive minha total independência e, por isso mesmo, nunca tive melindre para condenar essas distorções feitas por jornalistas. Muitos parecem mesmo militantes de esquerda infiltrados.
Mas condenar o viés ideológico não é o mesmo que fazer uma campanha contra toda a mídia. Se há uma agenda oculta de alguns jornalistas ou veículos de comunicação, também há um jogo de interesses perversos por parte dos bajuladores do governo do momento, aqueles que aderem incondicionalmente ao poder. Comentei sobre isso nesse artigo.
O caso recente envolvendo a jornalista do Estadão reacendeu o debate e dividiu as redes sociais. Alguns viram nisso a prova de como a mídia tem como única intenção “destruir Bolsonaro”. Outros viram estarrecidos uma conduta irresponsável – e até criminosa? – por parte do Terça Livre, sendo que o próprio presidente divulgou o relato deturpado – ou incompleto – do site bolsonarista. Não está claro, para quem ouviu os áudios, que perseguir o presidente seja a intenção da jornalista. Mas averiguar um potencial escândalo matador é, sim, obrigação de qualquer jornal investigativo.
Foi, aliás, o que aconteceu na era lulopetista, apesar do viés ideológico da imprensa. Os furos de reportagem que expuseram as falcatruas petistas não vieram do Terça Livre, mas sim da Folha de SP, do GLOBO, do Estadão, da Gazeta do Povo, da Veja, da IstoÉ. Querer “eliminar” toda a mídia como fonte de informação, portanto, como pregam os bolsonaristas fanáticos, é desejar blindar o governo atual de críticas e fatos incômodos. Ou alguém acha que o Terça Livre descobriria e tornaria público algum malfeito ou deslize de Bolsonaro?
Desconfie, portanto, de quem ataca com tanta veemência toda a imprensa, sem distinção, sugerindo que o leitor deve evitar totalmente esses veículos. O que deve ser evitado é o viés impresso nas chamadas e reportagens, mas esses veículos ainda são os que produzem notícia, jornalismo de fato, até porque isso custa caro. Não podemos jogar o bebê fora junto com a água suja do banho. Se dependermos só de sites como o Terça Livre, o governo terá salvo-conduto, passe-livre para fazer o que quiser sem qualquer cobrança séria.
Acusar de “corporativismo” todo aquele que, apesar do viés ideológico e vários defeitos, entende a importância da imprensa ao incomodar governos é apenas uma blindagem de quem pretende defender o governo do momento custe o que custar. Há militantes disfarçados de jornalistas dos dois lados: eis o recado importante. O episódio gerou a reação de muita gente nas redes sociais, da esquerda à direita, condenando a irresponsabilidade do presidente, o que seria explicado, talvez, pelo desejo de desviar o foco dos assuntos pendentes envolvendo seu filho:
O tweet do presidente Bolsonaro sobre a jornalista do Estadão tenta deixar de lado o que importa: o esclarecimento dele e do senador Flávio sobre o caso Queiroz. – João Amoedo, Partido Novo
Gasto em cartão corporativo, uso de verba pública para internação (lembram das exortações a que políticos petistas se tratassem no SUS?), rachadinha em gabinete são práticas historicamente condenadas pelos Bolsonaro e agora associadas a eles. Por isso essas notícias incomodam. […] Nem me dou ao trabalho de refutar os haters porque tenho 23 anos de carreira, cobri escândalos em governos de todos os partidos, publiquei confissão de um ministro do STF de que a tendência da corte era “amaciar” para Dirceu. Não tenho nenhum problema com patrulha. – Vera Magalhães
Senhor presidente, utilizando seu Twitter oficial para intimidar uma jornalista? É isso mesmo? Em nenhum momento nesta gravação ela afirma que quer arruinar ninguém. […] Gente, tudo certo, os links são livres. Mas sugiro à turma que está espalhando este link pro Washington Times se informar, antes, sobre o que é o jornaleco. Pista: seu criador cumpriu pena de prisão por fraude e conspiração. […] O bom disso tudo sabe o que é? Podemos voltar a falar do Queiroz. – Pedro Doria
Escolher, assim no abstrato, entre “imprensa” ou “presidente” de forma incondicional, é burrice. Há sim muito a se criticar no trabalho de diversos veículos. Isso não invalida acusar o presidente qdo espalha mentiras p/ demonizar o jornalismo como estratégia política. – Joel Pinheiro
Quem entende inglês e ouviu o áudio da repórter do Estadão SABE que ela não disse o q o tuíte presidencial afirma. O PT sempre tentou passar leis pra controlar a mídia (sem sucesso), mas não me lembro de terem feito algo parecido nos 13 anos em q ficaram no poder. Tá osso… – Flavio Quintela
Claro que o fato de existir claramente esse viés ideológico esquerdista na imprensa, de seu histórico de cobertura de Bolsonaro ser um tanto persecutório, inclusive deturpando fatos, em nada ajuda a preservar a credibilidade dos jornalistas. Mas bolsonaristas tiram proveito disso para tentar atacar toda a mídia e calar, assim, qualquer crítica ou pergunta incômoda, o que é extremamente preocupante e prejudicial à democracia.
Os poderosos sempre terão explicações a dar, e são os jornais que costumam cobrar isso. Fazem com seletividade, sem dúvida, colocando muito mais empenho e pressão quando a direita está no poder, e aliviando a barra quando a esquerda é governo. Mas mesmo assim, repito, foi a mídia mainstream que expôs vários fatos incômodos para o PT, e que levaram ao impeachment de Dilma.
Finalizo com um trecho do texto de Alexandre Borges sobre esse tema, que busca encontrar um meio-termo saudável entre os dois lados extremos:
Desde Watergate, quando Nixon foi “derrubado” pela imprensa, parte do jornalismo assumiu “derrubar presidentes” como um fetiche, uma distorção da idéia original de fiscalizar o poder. O poder deve ser fiscalizado sempre, mas num contrato claro e honesto com o leitor.
A solução para “problemas da liberdade” será sempre mais liberdade. Mais jornais, mais concorrência e menos interferência governamental.
É preciso evitar tanto a perseguição e constrangimento de inimigos do governo quanto a promoção de uma imprensa (ou blogosfera) cordata e sabuja, duas faces da mesma moeda antidemocrática e antiliberal.
Borges defende, ainda, que a separação total entre governo e imprensa é tão fundamental quanto aquela entre estado e igreja. A simbiose entre governo e imprensa sempre será prejudicial para o jornalismo isento. Nesse sentido, lembremos das verbas destinadas pelo governo na era petista, o selfie de jornalistas com Dilma, a esgotosfera bancada com recursos públicos para bajular o governo. E, agora, temos a informação preocupante, trazida por Carlos Andreazza, de que a responsável pelo texto do Terça Livre trabalha em gabinete do PSL em Minas Gerais.
Socialistas e reacionários, jacobinos de esquerda e de direita, gente que adota a máxima de que seus “nobres fins” justificam quaisquer meios, figuras dispostas a praticar assassinato de reputação mesmo lançando mão de métodos abjetos, pessoas que adorariam ter o monopólio da informação e calar a imprensa, aqueles que se enxergam numa guerra de tudo ou nada, tribal, em que o adversário é tratado como um inimigo a ser eliminado: esses serão sempre os inimigos da liberdade e da democracia.
Rodrigo Constantino
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